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Dias 25 e 26 de janeiro - Enfim saímos de Turbo, rumo ao Panamá
Segue o relato desses dois dias que ainda estávamos devendo. O dia 27 já foi relatado. Em breve de 28 a hoje, dia 5 de fevereiro. Caramba! Estamos atrasados. Culpa do Panamá que possibilita acesso wifi às pessoas que estão caminhando pela selva.
25 de janeiro foi pra gente uma quarta-feira modorrenta, lenta, passamos o dia todo dentro do quarto, a maior parte do tempo em silêncio, sonolentos, e uma outra pequena parte continuando a cogitar como sairíamos de Turbo. Alimentamo-nos basicamente de banana, aveia, pão e leite. No apertado quadrilátero de nosso quarto, íamos ruminando ausências, saudades e possibilidades. Ritmado com o movimento lento que a trituração seca da banana com aveia impunha aos dentes, eu tentava também digerir toda a afetação presente e futura que essa viagem me causava. Certas escolhas anulam outras. Esta era uma lição antiga, mas certeira. O grau de interferência e intersecção que os lugares por onde passamos e as pessoas com quem cruzamos tiveram sobre mim, sobre nós, ainda não podia ser mensurado, apesar de toda a minha tentativa de forçar um distanciamento, para, naquele momento, extrair uma avaliação racional desta viagem. Da mesma maneira, as exclusões que a decisão de partir implicou também me chegavam nebulosas, sem a clareza do que tais perdas significavam exatamente. As duas coisas me doíam, de qualquer forma. Um homem todo dia se vê diante da paradoxal escolha entre ficar ou partir, entre permanecer inteiro ou se partir, entre ser ou não ser, entre voar ou mergulhar, entre querer ou beber, entre sonhar ou parar, entre andar ou dormir. Independentemente da escolha que cada um faça para si, que é sempre a melhor, há que se ter sempre em mente a necessidade da coragem pela escolha da própria felicidade ou infelicidade. Nossa solidão a três trazia à tona devaneios pseudo-filosóficos como esses. E às vezes, juntos, ousávamos expôr com mais profundidade esses pensamentos-sentimentos, normalmente responsáveis por um cada vez maior amadurecimento de nossa amizade tão compacta no tempo e agora tão alargada no espaço. Sim, esta era também uma viagem em direção a nós mesmos. O que cada dois do trio podia ajudar o terceiro a pensar sobre si mesmo parecia-me possível somente na experiência interna de um núcleo familiar. E nós, sem consaguinidade, nesse movimento coletivo, íamos compondo, externamente, uma viagem geográfica, física, sobretudo visual, e internamente, uma outra, metafísica, filosófica, sobretudo psicológica.

À tardinha, eu e Renan resolvemos especular informações no porto, cansados todos que estávamos de esperar a chegada de notícias. Daqui, dali, sempre as mesmas coisas. Retomando uma ideia inicial, indagamos ir para Capurganá primeiro. Já noite, obtivemos informação de que uma lancha sairia nesta direção às 5h da manhã do dia seguinte. E poderia levar as motos. Tínhamos de estar ali de madrugada para as negociações do momento. Voltamos para a residência da D. Maria e conversamos com Ary, que tinha feito algumas atualizações na net. Resolvemos tomar uma breja para amenizar um pouco o clima que aquela decisão parecia exigir. Duas pequenas, eu. Uma, o Ary. Um Malte, energético, para o Renan, que não bebe, e outro para o Ary. Pronto, chega de bebida. Os pontos de vista foram colocados. Mais filosofia barata na mesa. Eu insistia em discutir incômodo existencial; para Renan isso era coisa de quem não tinha o que fazer; Ary defendia a vida como a fuga da dor e a busca do prazer. E um assunto puxava outro e íamos falando de religião, de política, de sociedade, de alegria e de dor, e de amor, tudo misturado, numa profusão que mais revelava uma sessão terapêutica coletiva do que propriamente um papo de boteco, se bem que estávamos ali com o dinheiro e o tempo contados, não sendo, portanto, um papo de boteco normal. Enganamos o tempo, e o sono, afinal, chegou cedo. No fim das contas, resolvemos pelo menos ir ao porto às cinco da manhã, com as bagagens todas arrumadas, e analisar a situação.
Às 4h20min do dia 26.01 o celular nos acordou. Cinco e meia estávamos no porto. Negocia, renegocia, tenta, chora e vamos os três mais as duas motos por 250 dólares. No caminho, muito solavanco, os mesmos sobe-e-desce das motos nos morros, só que agora curtos e molhados, a imensidão curvilínea e traiçoeira do mar à frente, feito boca gigante pronta para nos tragar. Medo? Eu, um pouco sim. Não sou do litoral, o mar me chega mais estranho ainda que o sólido chão do deserto à noite. Para Carioca tudo pareceu familar. Ary ficou apreensivo, mas aproveitou acho que mais que eu. Os trancos do barco afetaram drasticamente as motos, o guidão de uma entortou, o báu quebrou, lanternas foram pro saco, o sal escorria no corpo metálico das máquinas. Com uma mescla de apreensão e diversão, foi assim que desembacamos em Capurganá, ajudados pelos locais, que depois exigiram sua gorjeta.
No belo povoado, penúltimo da Colômbia antes do Panamá, demos saída do país no setor de migração e quase que de imediato conseguimos uma outra lancha para nos levar a Porto Obaldia. Acertado o preco, 80 dólares por todos, partimos para mais uma experiência no mar, um pouco revolto, segundo falas dos populares. Pouco depois da hora do almoço, desembarcávamos em Obaldia, uma espécie de ilha protegida 24h pelo exército panamenho. A saída das motos foi evento à parte; limito-me a dizer que elas acabaram molhando os pés e as mãos na prainha onde as descemos no Panamá. Fiscalizações, duana, migração. Depois dos trâmites, a consciência da realidade. Um grupo esperava um barco fazia já 8 dias. Vôos não havia. O preço para sair de lancha, para uma pessoa, era de 100 dólares. Nós tínhamos 300. E tínhamos que levar nossas motocas juntas. No local não há lugar para sacar grana. O que fazer? Aguardar. Comer pão com uns restos de dólares que o Renan nem sabia que tinha. E esperar. O Ary foi cochilar. O Renan nadar. Depois de um tempo tentando dormir, resolvi também jogar sal e água no corpo, para tirar um pouco da urucubaca. Coisa de meia hora. Depois, até o dia virar noite fiquei ali, estatelado feito um camaleão, esperando o sol alterar a cor molhada das minhas roupas e da minha pele. Nas cercas de três ou quatro horas que fiquei ali, mais questionamentos pueris, como criança insistentemente indagando os pais sobre a espetacularidade de tudo. Olhando para frente eu via a linha do horizonte e, para além dela, intermediada por uma densa camada de névoa, eu via a silhueta de montes, que mais me pareciam portais de entrada para um universo místico do qual eu descria em absoluto. Da minha esquerda vinha, nos intervalos em que nuvens mais escuras não se interpunham ao sol, um calor suave da brasa acesa no céu. E era bonito ver o calor e a luz se acabarem com a nuvem escura tampando o sol. E mais bonito ainda apreciar a saída lenta da mancha preta da mira da bola de fogo; o efeito na água era ímpar: era um líquido inflamável jogado sobre o mar, aceso a partir da serra longe e fazendo um caminho rápido até o ponto em que eu estava sentado; à proporção que a nuvem saia do olho do sol, a água salgada pareceia incendiar-se do mais longe para o mais perto de mim; a água dava vida ao raios solares; sobre ela e com ela os raios bailavam uma dessas danças mais belas se desempenhadas por casais; e os raios solares esticavam seus longos braços até as mãos se encaixarem com os dedos esguios das ondas salgadas e, aí, juntos, inflamavam-se, e saiam da serra e vinham até a mim, beijavam-me, e ficavam aí, dançando suave, até a próxima nuvem aparecer. Do meu lado direito, era a cauda branca do vestido matrimonial do mar que eu via e ouvia chicotear nas pedras. Era um chicotear de quem teria posto o alvo do chicote na ponta de um rochedo e que, apesar de saber da impossibilidade de derrubá-lo, jamais desistia de tentá-lo. Era a arrebentação. Ao contrário de uma mesa de bar, o convite do mar é sempre para pensamentos circulares, que vão indo e vindo num espiral sem fim até que se esgotem por si mesmos ou se esvaiam no estado contemplativo e nirvânico em que normalmente nos encontramos quando sozinhos, diante daquele mundaréu de água. E eu pensava obsessivamente na vida, na morte e no amor. Mas isso não é assunto para desenvolver nesse blog. De vez em quando, parado, olhando aquela aguaceira interminável, eu também pensava que talvez pudesse ter sido um momento como esse em que eu me encontrava que por ventura tenha vindo a gerar à gênese portuguesa e espanhola em meter-se no mar. Tendo diante de si o desconhecido liquido pela frente e o conhecido sólido para trás, parece-me certo pelo que uma alma inquietante do século dezesseis teria optado. E também me parece uma realidade que o mesmo dilema ainda permanece no século 21. Entretanto, temos preferido olhar para trás, contentes com a solidez do caminho já percorrido.
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Dia 28 - Içar velas marujos!
Dia 28 seria o dia da espera, visto que a embarcação que nos tiraria dali partiria apenas na manhã seguinte. Seria mais um dia com habilidosos gastos - poucos dólares deveriam alimentar três. Seria mais um dia para vencer o desafio que era encontrar um lugar para cagar (pensei numa palavra rebuscada, mas do que vale uma cagada com requinte?). Seria mais um dia para fazer o tempo passar ou deitar e esperar que ele passasse sozinho.
Buscar água para beber; água para escovar os dentes; comprar o pão, digo pan, e também o leite. Procedimentos que exigiam uma caminhada por duas pequenas quadras, ou seja, cinquenta por cento do vilarejo. Estávamos nos adaptando ao lugar e o lugar se adaptando a gente. Éramos os brasileiros que viajavam em duas pequenas motos e que precariamente se instalaram naquele quiosque desativado e que esperavam um barco, esperavam o barco.
Renan já tinha pescado e estava assando seu peixe. Teve melhor sorte neste dia, visto que um urubu tinha comido o peixe pescado no dia anterior. Alexandre leu e depois ficou duas horas se banhando no mar... só parou pois um soldado disse que seu tempo tinha se esgotado... vai entender. Fiz um pouco de cada e ainda sobrou tempo para conversar com o alemão que acabara de chegar e que também viajava numa moto 125cc, comprada no Paraguay durante sua passagem pelo país. Era uma manhã tranquila, estávamos em paz. Recuperados, apesar das cicatrizes, da turbulência de preocupação dos últimos dias. Chegamos até a fazer uma filmagem e a postar um texto que justificava o sumiço próximo que teríamos.
Todo carnaval tem seu fim e aquela recém tranquilidade conquistada acaba no momento em que o capitão do “nosso” barco passa por nós e diz que estão partindo. A adrenalina vai a mil e começamos a guardar as coisas – uma missão fácil. Difícil seria conseguir um bote para levar as motos até o barco, que ficava ancorado a cem metros da praia. O capitão disse que não tinha bote e que nós que teríamos que resolver isso. Os militares nem se importaram com a situação e ignoraram nosso insistente pedido de ajuda – não não não. O barco já estava quase partindo; se perdessemos a oportunidade, só dali a dez dias ou mais; perderíamos o congresso e não teríamos dinheiro pra pagar outra embarcação, visto que gastaríamos uma parte com comida durante a espera. Que drama... porque tudo tinha que ser tão difícil.


Havia uma pessoa com um bote particular que acabara de chegar. Pedimos a ele, dissemos que pagaríamos. O homem negou por várias vezes, não sabemos o porquê, afinal, dinheiro é dinheiro, ainda mais ali na região dos piratas (do Caribe, aliás). Por fim, o dono do bote, sob pressão de amigos seus que se mobilizaram diante de nossa aflição, foi convencido a nos levar. Colocamos as motos no bote, atrapalhados pelas ondas, pelos chinelos arrebentados... segue o trajeto curto até o barco. Como diria uma amiga nossa “cena do loko”. Quatro pessoas e duas motos no bote; encostamos no barco e a tripulação jogou uma corda e demos início a tarefa nada segura que seria subir as motos no barco. Subiram. Claro, uma seta aqui, uma lanterna ali... detalhes que ficam pelo caminho. Voltamos para pegar as mochilas e, por fim, partimos. Toca o pandeiro e bora pra Cuba. Dez minutos de alegria que duram até a chegada do enjoo.
Nesse primeiro dia no barco, navegamos pouco, cerca de três horas. Ancoramos. De nós três, Renan foi o único que se aventurou a ir ao continente para tomar banho num rio. Pulou do barco e foi nadando. Os tripulantes acharam estranho, disseram que tinha tiburon. Gritamos para Renan e o avisamos da possibilidade de perigo... ele continuou nadando e depois pegou carona num bote. O jantar foi arroz e sardinha. Ah, arroz, que saudade... chega de pão. Começa a noite e as várias redes para dormir dão o ar da graça no barco. Uma para cada. Uma para cada tripulante. Tudo bem... a gente se vira... o que vale é estar de volta à “pista”.
Saudações libertárias,
Ary Neto
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Dia 29 - Segundo dia no barco - Cruzando Panamá/Colômbia
Dormir no barco não foi nada romântico ou exótico. O dia amanhece e nada de partir com a chegada do sol, como pensamos. Ficamos ali por horas. Ancorados, entediamos. O café da manhã é plata... aquilo que parece com banana, mas tem gosto de batata. Depois de muito tempo, partimos. Alexandre não sofreu muito com o gingado do barco; eu fiquei encolhido no centro da embarcação e enganei o mal-estar; e Renan, tadinho, sofreu. Mas uma hora chegou a bendita pausa do almoço e Renan pode saborear a comida por duas vezes, na entrada e poucos minutos depois, quando o barco retoma o balanço. Chama o Huck.

Olhávamos pra um lado, para o outro, tentando encontrar o compartimente secreto que seria o banheiro. Não encontramos. Depois de um tempo descobrimos como se fazia... imaginem? Pela tarde desembarcamos numa ilha que parecia estar estruturada por palha. Um visual que lembra as Islas flutuantes de Puño. Enfim, essa era a ilha de Caledoña, povoada por Kunas (pesquise sobre). O visual das vestimentes nos chamavam a atenção. Chegamos na terra dos outros... ou foram os outros que chegaram na terra dos Kunas? Perspectiva é tudo.
Na ilha foi possível tomar banho e esbanjar três dólares na compra de biscoitos. O luxo do dia. Depois montamos a barraca no teto do barco, assim seria possível esticar as pernas para dormir. O único cuidado necessário era deixar sempre um dentro da barraca, caso contrário, o forte vento a jogaria longe. Termina o segundo dia no barco. Não sabíamos que a maior das turbulências ainda estava por vir.
Saudações libertárias,
Ary Neto
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Dia 30 marcou o fim de um ciclo em nossa saga. Despertamos sobre o barco, sob a barraca. Uma noite movimentada por sonhos e tapas de vento que ameaçavam lançar ao mar o nosso teto. O café da manhã foi a tal da platano frita, somada a fatias daqueles presuntos enlatados, também fritos. Nutritivo e gorduroso. O barco se manteve ancorado, nada de seguir adiante. Enquanto nossa intenção era se movimentar, a do capitão do barco era justamente o contrário: era parar e negociar.

Depois de rabiscar um pouco de papel com uma criança que estava a bordo, resolvi sair do barco e ir à terra firme verificar o que Renan e Alexandre faziam. O primeiro, atleta, liberava sua endorfina jogando bola com a criançada. Ao lado, naquela extensa cabana comunitária que eu entendo como maloca, acontecia uma celebração – chegava ao mundo, ao povoado dos kunas, uma nova pessoa, era o nascimento de uma linda menina. Quase chegando na tal da maloca, vejo Alexandre saindo, vejo Alexandre sorrindo. Feliz pela celebração, pelas conversas que lá rolavam e também pela ingestão de uma bebida, a chicha, feita a partir da fermentação de cana e plata (ou era cana e cacau? Ou era cana e milho?). Em poucos segundos pensei e pensei no que fazer. Nunca bebemos muito, uma pelo dinheiro e outra pela estrada. Mas ali, nenhum dos dois fatores era problema, logo, convidei Alexandre a voltar na celebração, eu também queria ver, eu também queria beber.
Muito interessante. O local era grande, relativamente escuro para um dia ensolarado, cheio de gente ao redor, fazendo que a parte central ficasse livre para circulação. Algumas mulheres dançavam e dois dos homens enchiam as cuias da chicha e levavam para as pessoas beberem, uma a uma, cuia a cuia. Exótico? Só para quem quer achar exótico “olha que legal, olha o que os índios fazem?!”. Alexandre e eu conversávamos com dois dos kunas, que foram bons anfitriões e falaram muito de seus costumes com a gente. Enquanto isso, a forte bebida começava a causar efeito. Não só na gente. O ato de vomitar parecia ser normal, principalmente nas pessoas de mais idade. Viravam a cabeça para o lado, vomitavam (praticamente só a bebida) e voltavam a conversar como se nada tivesse acontecido. Já dentre as mulheres, o comum era que quando uma caísse sob o efeito da embriagues, as demais a carregavam para fora da maloca até a sua respectiva cabana (penso eu, pois não segui ninguém).
Saturado de chicha, me juntei a Renan e parte da tripulação na próxima atividade. Nadar do outro lado da ilha, onde a água do mar era transparente e o visual paradisíaco. Mergulhei. Saltei. E no meio dos saltos girei. A informação era que o barco não seguiria viagem aquele dia. No entanto, houve uma retificação, nova ordem e todos sobem à embarcação. Seguir viagem. Navegamos por poucas horas e ancoramos numa nova ilha. Almoço regado a arroz e frango ensopado – muito bom. O cozinheiro era uma marujo venezuelano que trabalhava no barco para pagar sua viagem.
Após o almoço, ficamos por ali, próximos ao barco, naquele micro porto da ilha. Renan conheceu um palhaço chileno (ou chileno palhaço) e com ele jogava bola com as crianças da ilha. Outro ilha povoada por Kunas. Fiquei por ali, indo e vindo. Alexandre também. Até que num momento Alexandre e Renan param para conversar... me aproximo... converso também. O assunto era tudo aquilo que estava acontecendo. Aquela incerteza do barco: a cada hora uma nova informação surgia e cada uma dessas novas informações diziam que demoraríamos mais dias para chegar. Estávamos aflitos, entediados, enjoados, preocupados com a data do congresso. Contexto perfeito para uma discussão imperfeita, na qual cada um começou a colocar seu ponto de vista, sua percepção. Assim, cada um agia como se fosse o detentor da razão. Já a razão, penso que nem naquela roda de conversa estava. Farpas e ofensas foram tecidas. Falarei por mim: eu pequei, eu xinguei, eu me afastei. Tive meus motivos? Difícil dizer... vejo que as pessoas, diante de seus conflitos, sempre se consideram vítimas. Já não quero isso pra mim... sou cúmplice de uma humanidade fudida. Enfim, cada um foi para um canto.
Não muito tempo depois, Renan me conta sua nova descoberta: Juan (o chileno), que viajava a dedo e pretendia chegar ao México, ali na ilha teria acordado com um kuna a travessia a pé por um caminho na selva. O kuna o guiaria, o serviço custaria 15 dólares e em um dia chegariam a estrada, ou seja, não seria preciso ficar mais 4 ou 5 dias no mar, era só ir pela selva e voltar a pista. E moto, passa nesse caminho? Acho que sim disse Juan? Passa sim disse Pano Itailikiller Gonçalves, o Kuna - Cobrarei 15 dólares por cada um. Renan considerou a possibilidade. Falou comigo. Ao ouvir a proposta, aceitei. Assim, fomos falar com Alexandre para perguntar sua opinião. Rapidamente falamos, mas sua resposta foi não, Alexandre estava fora, não só daquela proposta, mas da viagem, do projeto, foi sua decisão. O motivo: creio que um acúmulo de acontecimentos onde a última discussão foi determinante. O clima ficou tenso. Não quis discutir sobre o assunto e deixei Renan conversando com Alexandre... como já sabem, não teve jeito. Alexandre não seguiu com a gente, permaneceu no barco a fim de chegar até a Cidade do Panamá e, de lá, retornar ao Brasil. Foi isso que aconteceu no dia 30 de janeiro. Erramos? Nos equivocamos? Nos faltou sabedoria, compreensão e compaixão? E quem lê este blog: pensou, escreveu que nos faltou união, cumplicidade, força?... Pensou, elaborou seu julgamento?... Pensou, se decepcionou, nos crucificou? … Difícil escrever sobre isso, confesso. É difícil ter que encarar todos estes obstáculos e ainda compartilhar tudo por meio do blog. Enfim, essa foi nossa proposta, compartilhar a experiência, a tentativa. Seria pretensão demais crer que tudo sairia perfeito, até porque estes 3 que vocês acompanham não são perfeitos... nunca foram.
Descemos as motos do barco. Na ilha viramos atração, por onde andávamos éramos seguidos por umas 15 crianças. As motos eram nossas naves espaciais e nós os alienígenas. Nos despedimos de Alexandre, levamos as motos até a cabana do guia Pano e lá dormimos. No dia seguinte iríamos a selva, no dia seguinte iríamos encarar aquilo que mudaria nossas vidas.
Saudações libertárias,
Ary Neto
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Dia 31 - Primeiro dia na selva e último dia das motos
Dormir na rede, acordar numa cabana. Outra experiência no mínimo interessante. Agradável se considerar o visual, a brisa fresca, a ideia de aventura. Desagradável, pelo menos para mim, diante da ansiedade, diante da espera pela próxima missão. Despertei a mim e a Renan – vamos! Arrumamos as mochilas e partimos no encalço de um fio condutor para poder carregar a bateria da Panamina utilizando a bateria da Pamama.
Em meio aos procedimentos, víamos os inúmeros meninos brincando de luta. O pau comia solto. Já eu, sentado, com a boca escancarada cheia de dentes, observava também Renan arrumando as coisas no baú. Tive um mal pressentimento. Questionei Renan - Essa ideia de atalho pela selva é uma boa mesmo? Agora já era, estamos aqui, responde meu camarada de São Gonçalo. Pouco depois, um kuna mais velho se aproxima e pergunta o que vamos fazer. Ao respondermos, seus olhos se expandem e ele diz que não, que não dá, pois em alguns lugares o rio estava batendo no peito. Questionamos o nosso guia, que contra-atacou – disse que era possível sim, que estávamos numa época de poucas chuvas. Enfim, mesmo preocupados, partimos.

Colocamos as motos na canoa, assim, Renan, Juan (o mochileiro, palhaço, chileno), as duas motos, o kuna Silver e eu partimos. Bem devagar para não virar no mar. Depois de um tempo, mais próximo à selva, adentramos num estreio rio, de água quase parada. Margem direita e esquerda, ambas fechadas, uma espécie de mangue. Silver, sempre calado, nos guiava pelas curvas. O visual começava a ficar mais belo. A água já não estava tão suja e algumas palmeiras davam o ar da graça. Chegamos numa clareira onde foi possível retirar as motos. Nesse momento a canoa quase vira, Renan cai e a moto cai sobre ele. Quase! A moto estava assegurada, já Renan, molhado e com a orelha ralada. Chegamos. Terra firme. Outra canoa chegava praticamente ao mesmo tempo. Era o kuna Pano e sua família.
Fizemos a ponte elétrica entre as motos e pudemos ouvir seus motores concomitamente. Batemos uma foto com a filhinha de Pano e demos início a tarefa que seria cruzar aquela parte da selva de Darien. Enquanto Silver, Pano e Juan caminhavam a pé, Renan e eu íamos nas motos. A trilha era estreita, mas nos primeiros 5 minutos foi possível pilotar com certa tranquilidade, depois começaram os obstáculos: as raízes das árvores, as grandes raízes das árvores, bem como, o barro, fruto da mata fechada que não permitia que a terra secasse. Muito difícil. Quem ia a pé, estava mais rápido do que nós. Pingávamos suor de tanto esforço. Chegou o momento de cruzar o primeiro córrego. Uma vala com mais de dois metros de profundidade e também de largura. O nível da água era de meio metro. E o tronco que servia como ponte estava instalado a um metro abaixo do nosso nível, ou seja, para passar era preciso descer a moto, passar pelo tronco e subir a moto. Tudo sem poder errar 10 centímetros, tudo sem poder parar. Caso contrário, a moto iria cair, o piloto iria cair. A moto iria quebrar, o piloto iria quebrar. Uma chance para cada moto. Gostaria de ter filmado, mas tanto a filmadora como a máquina fotográfica já não tinham bateria (ficamos muitos dias sem energia elétrica). A proeza aconteceu. Renan conseguiu, desceu, acelerou e do outro lado subiu derrapando, enquanto todos olhavam apreensivos. Recebeu os parabéns, pela habilidade e pela coragem. Eu pilotei a moto por vários países, assim como Renan, mas aquilo não era pra mim... Renan fez a travessia das duas motos. Demoramos muito para pensar numa forma e passar pelo córrego, o que nos fez perguntar ao Pano - Tem muito disso aí pra frente? O sim da resposta ecoou em nossas cabeças. Era o famoso “fu-deu”.

Continuamos e nessa continuidade fomos caindo nas derrapadas da moto. Levantávamos. Cada vez mais cansados, cada vez mais sujos. As mochilas caiam, prendíamos de novo. Era algo deprimente. Creio que Renan pensava o mesmo que eu, na ***** que tínhamos entrado. Mas só pensávamos, pois ambos gastavam suas energias tentando seguir, tentando incentivar o outro. Até que Pano nos diz que, na velocidade que estávamos, chegaríamos em quatro dias. Foi como receber um tapa na cara. Era o momento de parar e pensar.
Começamos a cogitar as possibilidades que, a grosso modo, eram 3: voltar, continuar e continuar sem as motos. Mas voltar como? Se a família de Pano tinha levado as duas canoas... e se esperássemos outra canoa vir nos resgatar e nos levar de volta a ilha de Mulatupo, como sairíamos de lá depois? Pois nosso barco já tinha partido e nosso dinheiro acabado, não tínhamos nem para comer, além disso, trata-se de um lugar sem polícia, órgão do governo, estrada pra pedir carona, nada... é uma ilha e pra sair de lá, só com grana... e mesmo conseguindo algo, um acordo com pagamento posterior, quanto tempo isso iria demorar? Talvez mais de uma semana. Possibilidade 2: continuar com as motos. Missão (até ali) quase impossível, nossas motos não eram próprias para aquele tipo de terreno, nossas energias pra levantar nós e as motos a cada 3 minutos também não suportariam 4 dias seguidos, isso se não piorasse (algo que iria acontecer, mas ainda não sabíamos). Enfim, disse a Renan algo que sabia que ele não queria ouvir – Vamos deixar as motos! Para ser mais exato, minhas palavras foram “Renan, eu estive junto contigo até agora, quando você optou por vir de barco, fui junto, quando optou por levar a moto por Capurganá e Puerto Obaldia, fui junto. Mas agora brother, não dá. Não dá pra continuar com as motos e eu não vou deixar de ir no congresso em Havana por causa delas. Vou deixar a moto.”. Renan sonhava em chegar com a moto pelo menos até o México, até Cancun, sabia que pra ele, deixar as motos seria ainda mais sofrido do que pra mim. Todavia, Renan compreendeu muito bem minha decisão e disse que tentaria mais um pouco com a moto e que se nos atrasasse um minuto que seja, também a deixaria. Foi isso que aconteceu, pilotou por mais 50 metros e a moto atolou novamente. Fim da linha para a Pamama e Panamina.
Perguntamos a Pano quando tempo demoraríamos para chegar até o povoado de Mortí. Pano disse que no dia seguinte, a tarde, chegaríamos lá. Tirei a chave da ignição e joguei nas mãos do Kuna – Toma, é sua, mas você tem que deixar a moto aqui mesmo e nos levar pra lá, pois não podemos perder mais tempo. Combinado, disse o kuna, que ficou com as motos e mais um baú cheio de cacarecos. Naquele momento não sei o que o deixou mais feliz, se a moto ou um condicionador de cabelos cuja fragrância o encantou. Renan repetiu a ato de entregar a chave, um momento difícil pra gente, o MOTOPangea parecia estar ruindo. O mundo ruía. Chegamos num momento crítico, influenciado pelo acaso, pelas condições que iniciamos o projeto e pelas decisões que fomos tomando ao longo do caminho. Chegamos ali. Éramos 5... em pouco tempo, passamos a ser apenas 2. Bati a última foto de Renan e a Panamina atolada. Fim da bateria. O kuna camuflou as motos na selva para buscá-las posteriormente. Seguimos. Sem olhar para trás.
Conforme caminhávamos pela selva de mata fechada e escura, onde a trilha era desobstruída pelo facão de Pano, pensávamos como uma moto passaria por ali? Não se tratava de algo difícil, mas impossível. Sabemos que motos não são a especialidade dos kunas, mas será que Pano acreditava mesmo que tal façanha era possível? Começamos a fazer aquilo que não gostamos, que é desconfiar de alguém. A caminhada durou todo o dia, passamos por rios e por obstáculos que exigiam agachar, pular, esguiar, equilibrar. O corpo e o psicológico estavam sendo exigidos intensamente. Não falávamos muito, apenas vivíamos a nova realidade. Caminhar na selva, ouvir os bichos, comer banana, espantar os mosquitos, molhar os pés, canelas, tênis e calças nas travessias de rio.
No fim da tarde estávamos exaustos. Por hoje é só, disse Pano. Aqui acamparemos e amanhã seguimos viagem até Mortí. Renan, Juan e eu começamos a trocar algumas palavras, visto que durante a caminhada não sobrava energia e fôlego para conversas. Acampamos à beira do rio. Tomamos banho, colocamos roupas secas. Silver fez a fogueira, colocou o arroz no fogo. A noite deu os primeiros sinais e já estávamos dentro da barraca, fechada com tela para não entrar mosquitos. Demoraríamos ainda uma hora para dormir, tempo usado para refletir sobre o que passou e o que ainda iria passar...
Saudações libertárias,
Ary Neto
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Dia 1 de fevereiro - Segundo dia de selva. Último dia com guia
Acordamos várias vezes durante a noite. O sono era interrompido e os sonhos também. Enquanto o inconsciente tentava fugir dali, o som da selva nos puxava de volta. Em cada um desses momentos, olhava afora da barraca, através da tela de proteção. Estava iluminada pela lua e salpicada de vagalumes. Som de sapo-boi, macaco-aranha, uma sinfonia que me fazia crer que ali não era o meu lugar. Uma noite longa.
Enfim, amanhece. Platano e café para o desayuno. Captação de energia necessária para enfrentar uma senhora subida pela mata. Trilha em zigue-zague, pois uma linha reta seria ingrime demais. Mata fechada, escura, úmida e quente. Pano abria caminho, seguido por Renan, eu, chileno e, por fim, Silver. Todos enfileirados. No entanto, o ritmo do kuna era acelerado e por muitas vezes ficávamos para trás, perdíamos a trilha. Gritávamos – Paaanoooo! Nos espere, por favor. As mochilas estavam cada vez mais pesadas, caminhávamos sem conversar. Comecei a contar quantos passos eu dava antes de cair uma gota de suor. Num momento creio que eram três. A mochila de Renan era ainda mais pesada e, logicamente, ele ficava ainda mais cansado. Por várias vezes pediu para parar – Preciso descansar. Para piorar, Renan e eu ainda estávamos com os capacetes em mãos. Algo meio simbólico, que queríamos levar para Cuba. Todavia, o tal item de segurança atrapalhava e cansava... deixei o meu. Renan não aceitou e começou a carregá-lo. Nesse momento, era Pano que carregava sua mochila e Renan pegou uma menor. A manhã inteira segue assim.
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Darien. Para dar uma noção geográfica.
Houve um festival de tombos. Cada um mais sério que o anterior. Medo de se cortar, de cair nas ribanceiras, de quebrar um braço ou mesmo torcer um pé. O que faríamos? Aquela serra tirou o nosso couro, mas José Newton já dizia – Se subiu tem que descer. Enfim, essa hora chega e vamos desequilibradamente selva a baixo, até o rio. Passamos então a alternar, ora caminhávamos pelo rio, outrora pela trilha. Era o caminho de Pano, daquilo ele entendia. Obstáculos constantes e tombos constantes. Vi Renan cair na minha frente muitas vezes e como ele segurava meu capacete, perdia uma mão de apoio para amenizar as quedas. Assim, pedi o capacete de volta, mas a resposta foi não. Ele sabia que eu ia deixar na selva. Exigi o capacete. Um momento tenso entre nós. Que simbolismo o que... lancei a capacete longe. Bom, uns três metros pelos menos... foi o que minha raiva e força juntas conseguiram fazer. Renan não gostou e ainda por cima, lembrou que amarrado ao capacete estava um par de meias que uma amiga nossa da universidade tinha emprestado a ele. Voltou para buscar, retirou as meias e também teve a oportunidade de descontar sua raiva no pobre do capacete. Lançamento de 5 metros. Perdi.
Fisicamente, foi o dia mais cansativo da minha vida. O segundo dia de caminhada chega ao fim e Pano diz que estamos bem próximos de Mortí, cerca de 3 horas, mas que na manhã seguinte só iria nos guiar por meia-hora, pois não tinha autorização para chegar próximo ao povoado de Mortí e, se o fizesse, sofreria retaliações. Nós, obviamente, não gostamos nada da ideia de ter que caminhar sozinhos. O trato não era esse e sabíamos muito bem que a missão não seria tão fácil como ele queria pintar. Conversamos, insistimos, mas ele não dava importância. Bom, deixa pra manhã... se é perto assim como ele diz, amanhã o convencemos a ir conosco.

A barraca foi montada sobre pedras, nossa única opção de terreno. Antes de dormir Renan e eu conversamos um pouco. Lembrávamos de nossa família, amigos, amores. Era a única maneira de amenizar aquela situação. O jantar tinha sido escasso e nosso estômago roncava de insatisfação, o que nos estimulava também a falar de comida. Perguntei a Renan o que ele queria comer quando saísse da selva – Um pão com queijo branco e um café com leite bem dahora Ary. Falou e salivou. Engoliu a saliva, era o que tinha.
Outra noite longa na inóspita selva. Platano frito para o café, hoje sem café. Pano nos surpreende: diz que ele e Silver voltariam dali mesmo, e que nós deveríamos apenas seguir o rio por no máximo 3 horas que chegaríamos a Mortí. Insistimos por demais para que Pano não nos deixasse. Seguir o rio não era algo tão simples, pois em alguns momentos ele ficava fundo e só quem conhece a selva sabe quais os caminhos a se trilhar. Nós, sozinhos, poderíamos até conseguir, mas demoraria muito mais. O apelo de nada adiantou, Pano e Silver pegaram sua espingarda, facão e se foram. Mas antes disso, nos deram meio quilo de açúcar. Peguei o pequeno pacote e fiquei tenso. Se a caminhada era de no máximo 3 horas; se nós não tínhamos café ou nada que pudesse utilizar açúcar, porque o levaríamos? Enfim, guardei na mochila e vi os kunas voltando, sumindo na curva do rio. Agora é só com a gente.
Saudações libertárias,
Ary Neto
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Dia 2 de Fevereiro - Terceiro dia de selva. Agora por nós mesmos.
Pano disse que bastava seguir o rio, que andando devagar era possível chegar em três horas. A única coisa que não devíamos fazer era nos afastar do rio. Quando perguntei sobre a profundidade, Pano disse que seria sempre raso e que sempre haveria um corredor de pedras nas margens, onde seria possível caminhar. Se fosse isso mesmo, não teríamos problemas. Todavia, nos últimos tempos as nossas complicações eram justamente fruto disso, da constatação da diferença entre o que é dito e o que é de fato. Demos início a caminhada... pelas pedras, pelo rio. Passou uma hora, passaram duas horas, passaram três horas. Nada de Mortí chegar. E o rio? O rio bifurcou. O que era simples se complicara. Direita ou esquerda? O que uma decisão errada poderia acarretar? Aflitos, cansados, estressados, fomos pelo lado de maior fluxo de água. A direita! E continuamos, mas agora com a incerteza baforando em nossa orelha. Continuamos.
Passa mais uma hora, outra hora. Aflorava na gente um ódio por Pano. Porque nos enganar, por quinze dólares de cada? Com os braços servindo de banquete aos mosquitos, com os ombros tocando ao chão em virtude do peso das mochilas, continuamos. Cada vez mais cansados. Uma colher de açúcar para cada. Entendemos sua função. Mortí não chegava e o rio estava cada vez mais fundo. Continuamos.
Estávamos em mutação. Era preciso se dedicar além do físico, assim, começamos a desenvolver um método investigativo. Procurando pegadas. Pegadas humanas. Era melhor não ter procurado... nas faixas de areia que surgiram nas margens do rio, encontramos grandes pegadas de animal, como uma mão humana fechada. Só faltava isso. Onça? Pouco depois encontramos uma fogueira apagada, ótimo... alguém já passou por ali. Ao redor encontramos caudas de macaco – restos do prato principal de quem passou por ali. Renan ainda fez uma observação: se a pessoa comeu um macaco aqui mesmo é porque não estava próxima de seu povoado. Má notícia. Continuamos.

Darien. Foto retirada da internet.
O rio, além de cada vez mais fundo, começou a ficar mais largo. As pedras do fundo deram lugar a um barrão onde se afundava os pés. Em minha mochila estava os documentos meus e de Renan, o netbook, a filmadora e a câmera digital. Todo o trabalho que tivemos durante a viagem estava ali. Molhar a mochila seria um golpe dolorido demais e eu estava disposto a me dedicar ao máximo para evitar isso. Essa minha aflição, me tornava mais cauteloso e consequente mais lento nas caminhadas dentro do rio. Não poderia escorrer nas pedras – algo fácil de acontecer. E quando ficava muito fundo, saia e contornava pela mata. No entanto, quando não havia nem sinal de trilha, cem metros poderiam levar até meia hora. Continuamos.
O cansaço extremo nos despertou uma ideia: vamos construir um barco? Algo divertido ou desesperador? Lembrei do filme O Náufrago. Minha barba estava quase lá. Nos dedicamos a isso por quase duas horas. Primeiro no encalço de 3 troncos grandes, que seriam a base. Depois de vários galhos, que seriam presos na perpendicular. Para amarrar, poderíamos ter usado cipó. Optamos por usar pedaços de roupa, assim, começamos a dilacerar algumas vestimentas. Montamos uma espécie de balsa e arrastamos até o rio. Sim, ela flutua. Não nos aguentaria, mas a ideia era pelo menos colocar todas as mochilas ali. Funcionou. Dispensamos um bom peso, mas o processo ficou muito lento. Andar pelo rio empurrando a balsa com as mãos demorava demais. De qualquer forma, meia hora depois o rio teria uma parte rasa, onde nossa balsa encalhou. Carregar estava fora de cogitação. Tempo perdido e aflição ganhada. Chegara o meio da tarde e nada... Continuamos.
Encontramos outra clareira na selva, com um fogueira apagada. Próximo dela, um crânio de macaco. O cardápio da região não variava muito. Estávamos tensos... eu evitava me pronunciar. Não tinha nada de incentivador a dizer, só pensava o quanto estava fudido, o quanto queria sair dali. Só queria mais uma chance e nessa chance iria valorizar muito mais a vida. Prometi a mim mesmo.
O rio ficava fundo e Renan caminhava nele imerso, apenas com ombros e cabeça para fora. Foi uma forma de deixar a mochila mais leve. Comecei a ver cada vez menos ele, pois me dedicava a manter a mochila seca. Ia pela selva, naquele caminho confuso, lento e pesado. A tarde chegava ao fim, junto com nossas energias. Ouvi Renan cantando hinos que aprendeu em sua igreja. Pensei na fé, no poder dela. Por mais que Renan e eu tivéssemos ideias diferentes quanto ao direcionamento dessa fé, desde o início do projeto MotoPangea, na fase de planejamento, seguíamos a receita do pensamento positivo. Parecia funcionar. Continuamos.
Juan e eu caminhávamos pela selva, quando ouvimos Renan gritar. - Ei, ei, por favor, nos ajude, estamos perdidos! Ary, Ary, achei duas pessoas. Corri a para o rio, aos trancos e barrancos, com o coração acelerado, queria ver o que/quem poderia ser nossa salvação. Tratava-se de uma canoa com dois kunas. Explicamos o que passava e eles disseram que não poderiam nos ajudar, que estavam indo pra um congresso de caça num outro povoado. Pois é, cada um com seu congresso. Apesar da frieza dos kunas, eles nos disseram que estávamos a meia hora de uma madeireira e a três horas de Mortí. Essa era a luz que esperávamos. Brindamos a notícia com mais uma colher de açúcar para cada. Vi Renan agradecendo a Deus. Continuamos.

Passou uma hora, passou duas. Chega. O tempo dos kunas não é o mesmo que o nosso. Paramos numa parte larga do rio onde uma ilha de pedras e areia formou-se ao centro. Enquanto Juan e eu montamos a barraca e fizemos fogo. Renan tirou a mochila e foi a nado pelo rio, tentar achar algo. Quando retornou o fogo já estava alto e teria como função nos aquecer e espantar os mosquitos, pois nosso alimento era apenas o açúcar. Enfim, chegou dizendo que encontrou uma cabana e uma canoa, disse que gritou, gritou, mas não tinha ninguém. Pela manhã chegaríamos lá, quem sabe o dono da canoa tenha chegado... e se não chegar? Bom, podemos pegar a canoa e seguir. O dono pode ser de Mortí, chegando lá explicamos o caso.
Dormi com a roupa suja e úmida. A mim não restou nenhum roupa seca. Abri a mochila e o netbook no meio da selva para ver se ainda funcionava. Sim, funcionava. E aqueles seis por cento de bateria iria nos permitir ouvir algumas músicas. Renan escolheu Chico Buarque.... Amanhãaaaa, vai ser outro diiiaaaaa. Amanhãaaaa, vai ser outro diiiaaaaa. Dormimos. Quem dera o sono fosse continuo. Fome e frio cutucam a alma. Lembrei que algumas pessoas passam por isso todo dia, mas eu (assim como a maioria da minha rede de contatos) estou ocupado demais para pensar nisso. “Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos”.
Fim do terceiro dia de selva.
Saudações libertárias,
Ary Neto
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Dias 3 e 4 de fevereiro – Sobrevivemos a Mortí
Após chegarmos ao acampamento da madeireira, nos preparamos para concluir a façanha que seria sair da selva. Fomos instruídos a seguir um caminho de terra por três horas, assim, chegaríamos a Mortí e, de lá, pegaríamos um ônibus para a Panamericana. Um jovem trabalhador da madeireira, o Joel, também iria para o povoado, logo, foi caminhando com a gente.
Já estávamos salvos, inseridos novamente na sociedade. O psicológico se acalmara, mas o físico ainda estava debilitado, seria duro caminhar por tanto tempo. Seguimos. Depois de quarenta minutos de caminhada, uma picape vem no sentido contrário. Fizemos sinal e perguntamos se ela voltaria por ali. O motorista disse que iria até ao acampamento para consertar um trator e em aproximadamente uma hora regressaria. Ótimo! Optamos por ficar ali mesmo, esperando a picape voltar para nos dar uma carona. Enquanto esperávamos, Joel ligou seu rádio de pilha, o que nos permitiu ouvir notícias de todo o mundo, em especial, da América latina. Greve de policiais no Brasil. Carnaval em perigo!
O carro volta com mais dois trabalhadores indígenas na caçamba. Nos unimos a eles. Agora, deixemos o esforço para o motor de explosão. Que satisfação. Um hora depois chegamos no desvio que daria acesso a Mortí. A picape para, todos descem. Os indígenas de Mortí (que é um outro povoado de kunas) nos dizem que precisamos ir até seu povoado para recebermos uma espécie de autorização para passar por ali. Ficamos sem entender o porquê disso. De pronto, Juan se negou, disse que eles queriam tomar nosso dinheiro (se tivéssemos algum é claro). Começou a discussão. Os kunas insatisfeitos, juntamente com nosso recém amigo Joel, seguiram correndo o caminho para seu povoado, dizendo que chamariam a polícia. A picape já tinha ido embora, mas antes o motorista disse que consertaria outro trator ali na região e voltaria para nos buscar mais tarde. Afinal, para chegar na estrada a pé, a caminhada era de seis horas.
Seguimos a pé pelo caminho de terra, pensando nos dizeres dos kunas. Seria um blefe? E mesmo que não fosse, o que nós teríamos feito de errado? Só queríamos ir embora, pegar estrada, seguir nosso rumo. Continuamos a caminhar naquele caminho seco por quase uma hora. Olhamos para trás e vimos Joel correndo em nossa direção. Nos alcançou e disse que era melhor voltarmos. Juan perguntou o aconteceria se não voltássemos? Joel respondeu – Daqui vocês não passam. Nós tínhamos um caminho de terra, em meio a selva, para percorrer por seis horas e um grupo de kunas que viria a nosso encalço. Enquanto Juan e Joel conversavam, a poeira começou a subir. Muitos kunas começaram a chegar, aproximadamente vinte e cinco, sendo umas quinzes crianças de idades variadas e uns dez adultos. Uma espingarda e alguns pedaços de pau também acompanhavam o grupo, que chegaram a nós com os olhos arregalados. Preparados.
Nos explicamos, relatamos tudo o que tinha acontecido com a gente, que não tínhamos dinheiro e estávamos cansados e com fome. Um deles nos disse que deveríamos acompanhá-los, que em Mortí nos dariam comida e um lugar para ficar e que no dia seguinte, cedo, poderíamos pegar um carro sentido Panamericana. Achamos tudo muito estranho, algo difícil de acreditar. Todavia, não tínhamos escolha. Ficamos arrasados com isso. Cada um de nós caminhava sob a escolta de um grupo de kunas. O que nos aguardava dessa vez? Quando chegaríamos novamente ao asfalto (mesmo sem as motos) para enfrentar os problemas comuns a nossa cultura? Quando sairíamos daquele mundo?
A picape voltou e parou antes de chegar na gente, ao ver o número de kunas que nos acompanhavam. Comecei a caminhar na direção do veículo, fiz sinal para eles me esperassem. Os kunas não gostaram, mas insisti. Renan assistia de longe. Cheguei ao carro e supliquei ao motorista, bem como, aos outros dois trabalhadores que estavam no carro – Por favor, nos tirem daqui, ficamos muitos dias na selva e só queremos ir embora, telefonar pra nossa família. O motorista engoliu a seco, sentiu o nosso drama, todavia, não poderia nos ajudar. Aquela região está sob o comando dos kunas. A madeireira funcionava ali, mas tinha que respeitar as regras locais. Um kuna bate a mão sobre o capô do carro e diz – Vai, vai, vai. Não teve jeito, não seria dessa vez que sairíamos da selva. Continuamos a caminhar para Mortí.
Saímos do largo caminho de terra e entramos numa estreita trilha. Enfileirados, perguntei a Renan se era agora que receberíamos uma bala na cabeça? Um comentário com sarcasmo é claro, mas ainda assim com uma parcela de temor. Em meio a mata surge as casas do povoado. Eram várias cabanas, com tetos de palha, distribuídas em duas vias, sendo uma mais larga e movimentada. Foi por ela que entramos, escoltado por vinte cinco kunas e assistido por todos os outros que moravam ali, cerca de duzentos. Um imenso corredor foi formado, a maioria mulheres e crianças. Todos nos olhavam, com olhares curiosos. Algumas crianças acenavam, outras caminhavam a nosso redor. Cheguei a observar um jovem com um celular na mão, nos filmando. Me senti violentado, senti minha imagem sendo roubada... um bom momento para refletir sobre algumas fotos que tirei durante a viagem. Agora nós éramos a caça de uma antropologia selvagem.
Nos guiaram até a grande cabana coletiva, a “maloca”. A autoridade máxima estava sentada numa rede. Ao seu redor formou-se um imenso círculo de pessoas. Cumprimentamos o senhor e sentamos a sua frente, conforme fomos orientados. Um tradutor estava encarregado de facilitar aquele “julgamento”. O senhor, autoridade máxima, perguntava algo, passava pelo tradutor de espanhol e nós respondíamos. Fomos questionados quanto o porquê de estarmos ali; de onde éramos; para onde iríamos; o que tínhamos na mochila; se estávamos com o passaporte. Um momento cinematográfico. Era difícil acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo.
Chegado o fim do questionamento, nossas mochilas foram revistadas minunciosamente. Bolso a bolso. Um pente fino de dar inveja a qualquer aduana que passamos. Nossa alforria estava decretada e seria efetivada no dia seguinte. Nesse momento, a autoridade máxima se afasta, conversa com um grupo de representantes de família e, juntos, decidem onde vamos dormir. Nos dirigimos então ao local definido. Lá, pudemos estender as roupas das mochilas (molhadas no rio), comer e dormir numa cabana cujo único morador era um rato acrobata, que corria o espaço como uma moto num globo da morte. Amanhece. Aguardamos o carro que só chegaria as duas da tarde, nesse meio tempo nos serviram um café da manhã e também colocaram um filme para assistirmos num cabana que possuía televisão e dvd. Pois é, surpresa atrás de surpresa.
Subimos na caçamba da picape que chegou no horário. Adeus selva. Uma hora e meia depois chegamos a Panamericana. Em poucos minutos conseguimos uma carona que nos levou à próxima cidade, Santa Fé, onde foi possível avisar as autoridades policiais sobre o ocorrido com as motos. Os soldados se mostraram solidários e disseram que tentariam nos ajudar a recuperá-las, assim, passamos o número de telefone de Ramses (nosso anfitrião que reside na Cidade do Panamá). Quando as motos ficaram atoladas na selva, acordamos com Pano que ele nos levaria para Mortí e depois, ao voltar, poderia ficar com as motos. Todavia, ele não cumpriu o trato e nos deixou no meio da selva. Uma irresponsabilidade tamanha que poderia ter custado nossas vidas. Tal atitude que nos influenciou a prestar a queixa no departamento policial. Agora aguardemos.
Vendemos um jogo de ferramentas numa oficina mecânica, assim, pudemos comprar nossa passagem para a Cidade do Panamá. Pegamos o ônibus e quase seis horas depois chegamos na grande cidade, movimentada, repleta de letreiros luminosos, businas, lojas, supermercados... Chegamos a nossa selva, estávamos bem. Ligamos para Ramsés que rapidamente veio nos buscar. Ainda não sabíamos, mas estávamos prestes a nos hospedar na casa de um anfitrião profissional
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De 5 a 9 de fevereiro – Descanso e diplomacia na Cidade do Panamá
Ramsés mora sozinho e possui uma casa muito bonita e confortável. A nosso dispor, um quarto com duas camas grandes, macias toalhas de banho, ventilador, ar-condicionado, TV a cabo, internet, máquina de lavar e secar. Tudo isso para dois brasileiros que, pouco tempo atrás, achavam que poderiam nunca mais sair da selva. Pois é, a vida tem dessas. Tudo passa. Logo, temos que ter paciência para suportar os maus momentos e, sobretudo, resistência para evitá-los. Em relação aos bons momentos, o importante é mordê-los com todos os dentes, pois também passarão.
Durante a semana, Ramsés nos levou para conhecer a cidade, inclusive o conhecido Canal do Panamá, uma experiência única. Em meio aos trajetos e também em sua casa, Ramsés nos contava sobre suas viagens, especialmente, as sete que fez à Cuba. Um apaixonado por Havana. E nós, é claro, ficávamos ainda mais ansiosos para chegar à ilha. Aliás, estávamos próximos disso, uma vez que, não tínhamos mais motos, nem tempo para continuar com o trajeto até o México. Teríamos que pegar um voo do Panamá direto à Cuba, que foi possível graças a algumas contribuições de última hora. Curiosamente, as passagens de ida e volta estavam mais baratas do que somente de ida. Iríamos a Cuba e regressaríamos ao Panamá, a volta ao Brasil teria que ser resolvida depois.
Foram dias de descanso e diplomacia (sem muito sucesso). Na embaixada brasileira não obtivemos nenhuma ajuda em relação as passagens, mas a vice-cônsul contatou a policia de Santa Fé e parece que eles estão próximos de recuperar nossas motos. Notícia que seria refutada posteriormente pela polícia turística que, ao contatar novamente a polícia de Santa Fé, recebe a informação que o cacique de Mulatupo não quer liberar as motos. Ainda por cima, disse que devemos dinheiro ao povoado. Ficamos indignados diante disso, que coisa absurda... e o pior é que não há muito o que fazer. Enfim, também entramos em contato com a Senhora Primeira-Dama de El Salvador, a brasileira Vanda Pignato e também com a Organização Internacional de Imigração (OIM), mas nenhum deles pode nos ajudar com passagens de volta ao Brasil. Paciência.
No terceiro dia que estávamos na casa de Ramsés, outros viajantes chegam a sua casa. Três brasileiros que estão viajando o mundo de bicicleta. Isso mesmo, bicicleta. Saíram de Goiânia a seis meses e já passaram pelo nordeste e norte brasileiro e também por Venezuela, Colômbia e, agora, Panamá. Os meninos são muito gente boa e além de além de bons ciclistas, são ótimos cozinheiros. Nos últimos dias parecia que estávamos no Brasil. Ramsés virou um estrangeiro dentro de sua própria casa.
No dia 10 pela manhã, finalmente iríamos para Havana, participar do Congresso de Educação. Valeu a pena persistir! Agradecemos a Ramsés por sua imensa hospitalidade que foi de vital importância para revitalizar nossos corpos e mentes para o nosso próximo passo, a ilha.
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COMUNICADO IMPORTANTE: Fomos para Cuba
Esta mensagem foi programada para ser postada exatamente às 8h30 (11H30 no horário de Brasília) do dia 10 de fevereiro. Neste mesmo horário, estaremos embarcando para Havana. Isso se não tivermos nenhum problema com o visto, bem como, com qualquer outra burocracia.
Não vamos chegar com as motos até Cuba, tampouco até Cancún. No entanto, outras experiências foram tecidas diante do inesperado. O MotoPangea, a nosso ver, não saiu errado, apenas diferente do plano inicial.

A última postagem terminou com o nosso encontro com o funcionário da madeireira, culminando no fim de nosso temor de padecer na selva. Ainda faltam ser postados dois textos: um que narra o drama vivido no povoado de Mortí; e outro que abordará nossa estadia de quase uma semana na casa de Ramsés, em Panamá City.
Ouvimos dizer que a internet em Cuba ainda é meio precária. Sendo assim, desde já justificamos nossa possível ausência do blog. Todavia, faremos o possível para dar notícias.
Vamos participar do Oitavo Congresso Internacional de Educação Superior. Obrigado a todos que, de alguma forma, nos empurraram até aqui. Agora, cabe a nós, captar o conteúdo apresentado a fim de elucidar o que se passa nessa tal de universidade: Om Co Tô? Quem Co Sô? Prom Co Vô?
Tentaremos regressar ao Brasil, diretamente de Cuba. Uma tarefa difícil. Caso contrário, regressaremos ao Panamá no dia 19 de fevereiro. Sem motos ou dinheiro no bolso. A volta ao Brasil dependerá então de apoios, sorte e persistência.
Saudações latinoamericanas,
Ary Neto e Renan Peixoto
Última edição por Renan Xavier; 15-02-12 às 12:03.
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