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  1. #11
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    Navegando até ao sonho

    Saímos de Copacabana(Bolívia), já num autocarro peruano. A passagem da fronteira foi feita a pé para sermos benzidos pela santa autoridade da fronteira, não nos ligaram nenhuma. Já no Peru esperava-nos o mesmo autocarro, levando estes mochileiros até Puno. Para contactar com a realidade deste país começámos por navegar no imenso lago de montanha a 3810 metros de altitude.



    Apanhámos um barco (não sei se andava mais para a frente ou para trás) para contactar uma realidade muito antiga do lago Titicaca, os Uros (ilhas flutuantes), forma arranjada pelos seus antepassados para se defenderem dos inimigos. Viver sobre uma plataforma ancorada como se fosse uma jangada, é difícil imaginar! A conservação permanente e a própria forma de viver nestas ilhas desafia a nossa imaginação. O peixe que pescam, o artesanato produzido e as visitas de turistas são algumas das bases da sua economia. Navegamos mais de três horas para chegar à Ilha Taquile. Aqui não existe outro meio de transporte que não sejam as pernas. As regras de vida desta comunidade são ancestrais e rígidas. Os gorros (formato idêntico aos barretes dos campinos) usados pelos homens são feitos por estes com cinco agulhas e se são solteiros, a metade superior é branca, se são casados é todo de padrão igual com predominância do grenat. Os homens passeiam-se pela rua fazendo os seus gorros. As jovens vão guardando o cabelo que cortam e quando ficam noivas fazem com esse cabelo a decoração de umas bolsas que os namorados usam na cintura e onde transportam as folhas de coca para mascarem, provando assim a sua fidelidade ao casamento. O regresso a Puno foi uma seca de cinco horas e meia de barco.

    Em Puno o ambiente é festivo ouvem-se tambores rufando, sons que chamam as pessoas para a festa. Que festas são estas? São as “Festas da Virgem de la Candelária”. Não sendo crente, o vírus fotográfico e a curiosidade de forasteiro falaram mais alto. A rua é local para viver estes momentos. Espanto meu! Desfile carnavalesco. Grupos dançando vestidos com fatos coloridos, mulheres jovens com roupas reduzidas lembrando o carnaval brasileiro, homens com vestes adornadas com guizos dando som e criando ritmo frenético contagiando-nos. E a “Virgem de la Candelária” quando é que entra nisto? O desfile continua. Os grupos estão identificados com pendões, ficamos a saber donde vieram, bandas acompanham-nos tocando e mantendo a alegria de um carnaval, ou de uma manifestação religiosa! Os grupos sucedem-se. Surge diante dos meus olhos uma fila de jovens com saias muito reduzidas perfeitamente enquadradas no ritmo carnavalesco, quer pela juventude, quer pelo sorriso estampado no rosto, ocupam toda a largura da rua, seguindo grupos de pessoas, que, pelo aspecto, são o início da procissão. Mulheres de mantilhas, criancinhas, pessoas idosas, militares, as autoridades locais e finalmente o clero e o andor da Virgem. Não vou tentar entender, limito-me a aceitar e viver o momento. Sinto-me bem mas a próxima terra espera por nós. O nosso destino é Cusco.

    A viagem de Puno para Cusco é feita num comboio de meados do Século XX. Instalo-me e a minha imaginação é transportada para o “Expresso do Oriente”. Somos personagens de filme nascidas na imaginação de uma escritora. O som “pouca terra... pouca terra... pouca terra...” leva-me à minha infância e ao sonho. Sou despertado pelo som das flautas andinas. Um grupo musical no bar-vagão, faz-me sentir a realidade: estou no Peru, mais precisamente em Juliaca. Ao olhar pela janela, espero ver uma paisagem fugindo de mim. Pura ilusão! Estamos dentro de uma feira. O comboio abranda a marcha. Estou na última carruagem e de boca aberta. Os carris, suporte e caminho do nosso transporte, são também as bancas onde estão laranjas, sapatos e uma infinidade de coisas para comércio “entre carris”. Umas de pequena dimensão a que a passagem do comboio é indiferente, outras que simplesmente foram retiradas para passar o comboio e que depois se repõem de imediato. O comboio passa, os carris são tapados com uma panóplia de artigos e as linhas novamente desaparecem. Um ilusionista transportado na última carruagem, empunhando uma varinha mágica, repõe a tranquilidade de compradores e comerciantes, abalada pela passagem do comboio.

    Mergulho no som do pouca terra... pouca terra... pouca terra... adormeço. Sonho com outros espaços e lugares, navego para outras paragens: mares, rios ou lagos. Onde acordarei...?


    Alexandre

  2. #12
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    Uma das novas maravilhas do mundo

    Dizem que por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher e eu vou utilizar o mesmo paralelismo dizendo que por trás de uma grande maravilha do mundo está uma grande civilização. O complexo arqueológico de Machu Picchu, que se localiza a mais de 2400m de altitude, no meio dos Andes, só poderia ter sido construído por um civilização avançada em todos os aspectos, começando pelos conhecimentos de engenharia, passando pelos astronómicos e acabando nos sociais.



    Foi com grande entusiasmo e expectativa que nos levantámos cedo para fazer o percurso que liga Cusco a Machu Picchu. Foram 5 horas da combinação autocarro-comboio-autocarro que separaram os dois pontos. “Quando chegares a Machu Picchu, sobe até ao cimo sem olhar para baixo e para trás, vais ver que a surpresa é maior” – disse-me um amiga antes de sair de Portugal. Confesso que tentei, mas a poucos degraus do topo não aguentei mais e tive de olhar! “Uau....como conseguiram fazer isto, aqui!” – foi o meu pensamento depois dos últimos 25 minutos de autocarro a subir a encosta desde Águas Calientes (ou Machu Picchu pueblo) até ao ponto de entrada do complexo....como trouxeram estas pedras até aqui! A foto que vêem foi a primeira que tirei quando me virei. O que terá pensado o Hiram Bingham quando aqui chegou há 101 anos atrás? O mesmo que eu?

    Pensa-se que Machu Picchu foi construído em meados dos anos 1400 e abandonado 100 anos depois. Porque se teriam dado ao trabalho para tanto e usufruído tão pouco? Terão abandonado devido à invasão espanhola ou terá sido por doença? Muito se questiona e pouco se sabe. Só se sabe mesmo que era uma civilização ultra avançada. Só teve uma falha, não deixou nada escrito. Tudo passava oralmente de geração em geração.


    Tivemos a sorte e o azar de permanecer quatro horas no complexo, duas de sol e duas de chuva. Os visitantes são muitos, mas como viemos em época baixa, dos 2500 permitidos por dia, estavam pouco mais de 1000. Mesmo assim é difícil tirar fotos sem aparecer um japonês ou um russo! O que o mundo se tornou? Uma grande agência de viagens... Gostaríamos de ter feito o trilho inca, 4 dias de trekking até Machu Picchu, mas em Fevereiro está fechado devido à chuva....teremos de voltar noutra altura. A viagem de volta para Cusco foi o contrário da ida.


    Cusco deixou-me igualmente boquiaberto. Que praça, que energia, que altitude, que movimento, que vontade de aqui voltar. Almoçámos várias vezes na Plaza de Armas e recomendamos o restaurante “Limo”...e a limonada deste! Para além da catedral e edifícios envolventes, Cusco têm muito à volta que se veja. Seja num autocarro de dois andares, estilo britânico, de sightseeing, seja numa excursão organizada a Saqsaywaman, a Qorikancha, a Tambomachay, a Pukapukara e a Q'enqo (todas incluídas no City Tour). No centro têxtil de Chinchero fomos recebidos por uma menina de 12 anos, que no seu perfeito inglês, explicou o processo de feitura da lã desde a sua fiação, passando pelo tingimento até ao produto final, fosse este toalha, bolsa, estojo, tapete, etc. Moray, o complexo arqueológico dedicado à experiência e produção de espécies de batatas e outros tubérculos voltou a maravilhar-nos pela sua construção em círculos de socalcos e por fim as salinas de Maras onde a cerca de 4000 metros se produz o sal dos Incas a partir de água dos Andes e elementos minerais do solo.

    E antes de deixar Cusco para trás não podíamos deixar de passar junto à famosa pedra de 12 faces que maravilha pelo seu formato e tamanho perfeitamente encaixado entre 11 outras pedras.


    Um “pedra” foi também a viagem de 14 horas até Nasca. Curvas e mais curvas, derrocada, 3 horas parados, tentativa de dormir e sair das alturas e “aterrar” no calor do deserto! Chegámos a Nasca com o objectivo de ver as suas famosas linhas e para tal teríamos de voar sobre estas. Na hospedaria que marcámos pela net, fomos recebidos por um simpático casal peruano/italiano que tratou de tudo por nós. No dia seguinte, bem cedo, lá fomos nós para o aeródromo e 30 minutos depois já voávamos num “teco-teco” de 6 lugares para ver os geoglifos. Muita luz, muitos reflexos e alguma falta de nitidez das imagens, mas ficámos com uma ideia destas. O colibri e o astronauta são as que se viram melhor. Às 10 horas estávamos de volta à hospedaria para tomar o pequeno almoço...pois recomendaram-nos, e muito bem, para fazermos o voo sem nada no estômago! E é verdade, aqui finalmente bebemos um bom café expresso, não fosse o Enzo um verdadeiro italiano que têm uma máquina de café e encomenda café lavazza de Itália. Na Hospedaje Nasca em Roma sentimo-nos em casa. Obrigado Lourdes e Enzo.


    Do Peru já só pudemos parar para visitar Lima pois o tempo começava a escassear... daqui a uns dias tinha voo para Lisboa. A capital do Peru impressiona pelo tamanho, quantidade de gente (mais de 8 milhões) e movimento. No palácio presidencial, situado na Plaza de Armas, vimos o render da guarda ao som de uma banda, calcorreamos as ruas e visitámos as igrejas, tudo património da Unesco. No convento de Santo Domingo testemunhámos o passar do tempo em azulejos quinhentistas. Em Barrancos, jantámos corvina e vimos o oceano que de pacífico pouco têm. Do cimo do Cerro de San Cristobal, através do “smog” vimos o viver da cidade e a morte que ocorre na praça de touros.


    O Peru desfilou durante 14 dias ao alcance das nossas máquinas fotográficas, agora era tempo de ir ver a família e o projecto ficaria em “standby” duas semanas. O Alex, esse continuaria por cá e mandaria saudades e fotos das Ilhas Galápagos.

    Maravilhas no mundo há 7! Aqui passou uma pelos nossos sensores. No México outra passará....

    Até já.


    Mais informação sobre Machu Picchu e as Linhas de Nasca:


    http://whc.unesco.org/en/list/274

    http://en.wikipedia.org/wiki/Nazca_Lines


    João

  3. #13
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    Equador com memórias

    O nosso projecto levava-nos a passar por este país. Tinha-o percorrido em 2004 com um grupo de gente conhecida de caminhadas, e de outras andanças, mas todos com o gosto por viajar. A chegada ao Equador, por razões de calendário, obrigou-nos a ir para Guayaquil de avião vindos de Lima, Peru. O João seguiu para Lisboa, eu fui para Galápagos de férias. Duas semanas passaram, recomeçamos a viagem que nos levaria por Guayaquil, Cuenca(PM-Património Unesco), Riobamba, Quito (PM), Mitad del Mundo e Otavalo.

    Mas viajar para mim é contactar pessoas. Não dominamos a língua, é certo, mas há tanta forma de comunicar, pequenos gestos quebrando o gelo, brincar com uma criança, ajudar a arrumar uma mala, dar a passagem alguém para se acomodar no autocarro, perguntar o nome da terra onde paramos. E utilizando transportes públicos, estas situações são fáceis de provocar.



    No aeroporto de Guayaquil, a espera de passageiros, resultado de voos atrasados, puseram-me em contacto com um equatoriano de nome Cristiano Murillo. O tempo passa e as pessoas sentem necessidade de comunicar. Perguntou-me o que estava a fazer no seu país, nossas ocupações, conversa de tudo e de nada, de interesse, curiosidade, pequenas passagens de viagem. No regresso ao hotel ofereceu-se para me dar boleia, quis retribuir a atenção e ficou combinado voltarmos a encontrar-nos. Dias depois, um telefonema a marcar encontro. Foi ter connosco ao hotel, onde jantámos, e após este convidou-nos para ir visitar o seu local de trabalho. Trabalha nos jornais “Expresso” e “Extra”. O primeiro dentro do espírito do nosso homónimo e o segundo sensacionalista. Visitámos a rotativa e todo aquele universo de execução de um jornal a cores, com prazos muito apertados para ser feito e ser distribuído. Explicou-nos o processo moderno de execução destes, nada tendo a ver com os velhos jornais ( lembranças do Diário de Lisboa, República, Diário Popular e os ardinas apregoando – “Lisboa, República, Popular”). Também a informática revolucionou a sua execução. Tirámos fotos, trocámos emails e assim se estabeleceram laços, duradoiros ou não o tempo o dirá, mas na minha vida entrou um Cristiano Murrillo, passando a fazer parte dela, do meu álbum de recordações, fotografias vividas e que está do outro lado do Mundo.

    Enquanto passeávamos pelo Bairro La Peña somos abordados por um graduado da polícia, de seu nome Reinaldo Jimenez, capitão, interpelou-nos sobre a insegurança do local e as cautelas a ter com bens, nomeadamente o equipamento fotográfico, pois segundo ele, todas as cidades têm zonas problemáticas, requerendo algum cuidado. Perguntou-nos para onde íamos e prontificou-se para nos acompanhar. Explicámos porque estávamos no Equador, o nosso projecto e ele foi o nosso guia, simpatiquíssimo. Durante o trajecto foi abordado por colegas e cidadãos a quem respondia de uma forma cortês. Foi-nos mostrando toda aquela zona do bairro que tinha sido recuperada, fomos até ao cimo, até ao farol. Já descendo tirámos uma fotografia para recordação. Fomos para o lado do rio onde era a fábrica da cerveja “Casa Pilsener”, os silos da cevada e outras estruturas produtivas, foram convertidas em habitações de qualidade e para extractos sociais mais elevados... tudo isto ia sendo explicado pelo nosso guia. Mais adiante o lugar onde um cantor romântico, mas com preocupações sociais, Júlio Jaramilo fazia serenatas. Não sendo uma figura bonita, destroçava os corações com os seus poemas. Tocou o telefone, disse serem os filhos, falou com uma expressão carinhosa. Falou-nos da necessidade que o departamento dele tinha de dar uma imagem de/e para servir os cidadãos. Perguntámos-lhe onde poderíamos almoçar, indicou-nos um restaurante, com boa relação qualidade preço. Convidamo-lo para nos fazer companhia, aceitou por cortesia. Após almoço, nós com a visita terminada e o nosso anfitrião com os seus afazeres, despedimo-nos, perguntando-lhe se permitia a publicação no nosso site e no facebook da fotografia tirada conjuntamente, anuiu dizendo não haver problema algum. Adeus capitão Jimenez! Até sempre. Mais uma pessoa que horas antes não sabíamos da sua existência, entra nas nossas vidas e quando sai deixa-nos mais ricos e gravado em nós a sua existência.

    Seguimos para Cuenca, Património da Humanidade, mas não vou falar desta, vou falar do património dos afectos. Ao visitar a célebre “fábrica” de panamás Homero Ortega fomos recebidos por uma jovem de nome Estefânia Vasquez. Mostrou-nos as instalações onde recebiam os chapéus feitos pelos artesãos. Depois de controlada a qualidade, há um complexo caminho a percorrer: acabamento, coloração, forma, decoração, embalagem. Outros produtos também são criados, pela descendente da família que é designer. Estes artigos são exportados para todo o mundo, levando o nome desta família para bem longe e ela é conhecida por famosos deste mundo: Sean Connery, Brad Pitt, entre outros, todos eles fotografados com chapéus desta casa. Fotografias da família Ortega e de celebridades deste mundo decoram as paredes do museu. A Estefânia continua a explicar, espera quando tiramos fotos, às vezes demoramos um pouco, mas é o desejo da foto quase perfeita. Propomos tirar uma com chapéus, concorda! Um chapéu de homem para ela, dois de senhora para nós, mais a bandeira de Alcochete. E temos a fotografia para a posteridade. Demos a conhecer o projecto “Olhando pelo Mundo”, explicando-o e deixando os nossos cartões de visita. Quando publicarmos o nosso livro após a viagem, enviaremos um exemplar para espólio do “Museu Homero Ortega”, pois um descendente é fotografo amador tal como nós. Despedimo-nos. Nesta contabilidade, sem deve nem haver, contabilizam-se afectos. Na vida da Estefânia Vasquez e da família Ortega, surge num toque de mágico, Alexandre Costa e João Vicente e um projecto “Olhando pelo Mundo”, nas nossas vidas surgem nomes, rostos, sorrisos, pessoas que abrindo a porta de sua casa, nos receberam com simpatia falando do seu labor, para todos vós o nosso obrigado. Para Portugal levamos esses momentos que viverão em nós, a sua lembrança nos trará um sorriso e bonitas recordações. Adeus Estefânia, um beijinho e até sempre.

    Autocarro para Riobamba, vai cheio! Algumas pessoas vão de pé.

    Otavalo a última cidade para visitarmos neste país. O mercado alimentar e de artesanato funciona todos os dias mas e o mercado do gado? Esse só ao Sábado! Era segunda-feira, esperar tantos dias causava-nos alguns problemas de tempo. Resolvemos ir explorar a cidade após o almoço e continuar viagem no dia seguinte. Tentei tirar fotos no mercado e sempre as pessoas se fecharam, não permitiam tal, já no artesanato, foi um pouco diferente, quando falei do nosso projecto, da ligação com as escolas, as pessoas foram mais receptivas, deixando-se fotografar. Em toda a zona de Otavalo os hábitos, a forma de vestir tradicional, está muito presente. Mas passaram sete anos, desde que visitei esta terra pela primeira vez. Nessa altura ainda não tinha feito muitas viagens para o estrangeiro, deslumbrava-me perante mundos e gentes, de muito longe. No passado a minha imaginação era saciada por filmes, documentários e livros. Viajar é a novidade, descoberta, tudo é diferente e a fome de registar essa experiência na minha câmara fotográfica é imensa. Fotografar é a paixão antiga, forma de estar só estando com o mundo. Voltemos às memórias e afectos em Otavalo. A feira do gado era um pouco distante, o caminhar na sua direcção. Ir entrando aos poucos nesse mundo, toda essa experiência deixou em mim marcas. A receptividade dos naturais era maior? A abordagem mais fácil, os artesãos ofereciam-se para ser fotografados. Não estarei a ser vítima da minha imaginação e de memórias apagadas pelo tempo, tornadas insignificantes, realçando outras ampliadas pelos nossos afectos, passando a importantes com o passar dos anos? Não serei eu a querer agarrar o tempo? Não serão os meus mecanismos mentais, pregando-me partidas para fugir à realidade de estar mais velho, mais sensível? Nos contactos que vou tendo ao viajar sinto alegria, conheço gentes, registo rostos a quem pedi para fotografar, tendo comigo momentos de cumplicidade, entrámos na vida uns dos outros, para desaparecermos momentos depois. Mas essas pessoas tocaram-me e fazem de mim um homem que vive intensa e apaixonadamente a vida! Recuso-me a passar pela vida.....

    Alexandre

  4. #14
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    Colômbia – o único risco é querer ficar

    Ao entrarmos na fronteira de Ipiales, vindos de Tulcan-Equador, fomos abordados por uma simpática rapariga que se prestou a ajudar-nos a tratar dos vistos, câmbio de dinheiro e transporte para a primeira localidade, de seu nome Pasto! Sim, porque chegamos a um lado da fronteira num táxi equatoriano, passámos a dita a pé e voltámos a apanhar um táxi do outro lado! Mas tudo pacífico. É mesmo assim e já nos habituámos a estas andanças! Voltando à rapariga.... ao início começámos por desconfiar; quais seriam as intenções dela? Como nos iria tentar enganar? E no fim chegámos à conclusão que ....nada! Olha!..., não fomos enganados...no máximo recebeu uma comissão pelos bilhetes que vendeu!



    O autocarro até Pasto baixou na qualidade, subiu na velocidade e no tom da buzina! Por curvas de um verde absoluto e com ravinas de fazer inveja à estrada da morte na Bolívia, chegámos a Pasto, mas não nos convenceu e decidimos continuar viagem para Popayán logo no dia seguinte.


    Os 250 quilómetros até Popayán demoraram 6h45m a percorrer. E porquê? Porque há muito que fazer no caminho. Muitas curvas a enrolar, muitas bananas para exportar, muitas obras para ajudar a construir, muitas ultrapassagens para tentar, muitos rios a sobrevoar, muitas canas da açúcar a saborear.... E, no meio de isto tudo, ainda tivemos tempo para parar e almoçar uma sopa de toucinho e de ovo no famoso restaurante de Majarras. Não conhecem? Fica logo ali, à beira da estrada, atrás da bomba de gasolina.

    Popayán foi parcialmente destruída no terramoto de 1983 e agora apresenta um branco imaculado em quase todos os seus edifícios da zona histórica. É um bom exemplo de arquitectura colonial espanhola que soube sobreviver ao passar dos séculos e a 18 segundos de abanão. 30 anos depois quase não se dá por isso e prestes a chegar que está a Semana Santa e com ela as procissões consideradas Património Imaterial da Humanidade. Tivemos o azar de passar pela cidade antes de tempo e não assistimos às mesmas, mas tivemos a sorte de conhecer o Sr. Edgar Ordoñez Lopez que nos guiou por todo o complexo onde são preparadas. Ele é um dos muitos homens que transporta os andores e por fazê-lo há mais de 35 anos, ininterruptamente, vai receber uma “Alcayata de Oro en Primer Grado”. São dois os eleitos este ano e via-se que o orgulho era enorme. Enorme foi também a nossa gratidão pelo seu gesto que nos deu a conhecer algo que não esperávamos. Vimos alguns andores, vimos trabalhos de restauro e ainda recebemos o plano das festas.


    Mas para festas está Cali. É a cidade capital da Salsa! E que bem que se dança por aqui....é um desfile de 3,5 milhões de habitantes nas ruas, praças e mercados. Fomos conhecer o Mercado El Povenir! Que maravilha! Depois de um Peru difícil de fotografar e um Equador quase impossível, chegámos ao local onde nos pedem para o fazer! Mais uma vez sentimos que têm necessidade de limpar o nome do país e mostrar que são “bons”. Imaginem que até para beber um “copo” às 11h da manhã nos convidaram.... Provámos frutos com nomes como manocillo e chontaduro e com sabores ainda mais estranhos.


    Manizales é uma das 3 cidades do eixo cafeeiro do país. Era nossa intenção visitar uma “Hacienda” produtora de café, mas quando chegou o dia chovia tanto que desistimos e continuámos viagem para Medellín. Outrora capital do Império Escobar e considerada a cidade mais “assassina” do mundo, hoje apresenta-se como uma cidade moderna, industrial e virada para o futuro, cheia de espaços verdes e com um sistema de metro aéreo. Foi neste ecológico meio de transporte que visitámos o Jardim Botânico e o seu Orquideorama – estrutura metálico-madeira que pretende ser uma obra de arte e um meio de protecção às orquídeas que aqui sob-vivem! Parecem também ter vida as esculturas de Fernando Botero que estão espalhadas pela Plazoleta de las Esculturas. São cerca de vinte formas, mais ou menos voluptuosas, que recriam a sua visão do ser humano. E que poses os seres humanos fazem para tirar fotografias com elas...eheh!


    Cartagena de Índias.....fim do nosso percurso no continente sul americano e local de calor, praia e oceano atlântico finalmente. Depois de 13000 quilómetros de Pacífico, chegámos às Caraíbas! E o som mudou, as vestes mudaram e as feições também! Dos 5 dias de Cartagena, e tirando o usado para descansar e ir ao hospital (primeira e espero única vez...), utilizámos o tempo para relaxar, para fotografar ruas, janelas e portas, pessoas e movimento! É uma cidade colonial abaluartada, sim é incorrecto dizer amuralhada como nos explicaram, cheia de história de invasões de piratas e saques à prata aqui guardada no tempo da conquista espanhola. É uma cidade alegre e que se renova e reconstrói todos os dias à espera de mais e mais turistas. É uma cidade cara, a mais cara desde que partimos de Portugal. É a cidade que será o fim da minha epopeia sul americana....


    O slogan do turismo local é bem verdade. Estivemos 14 dias na Colômbia, na capital da droga, do terrorismo, das FARC e mais uma série de coisas más! E o que vimos, sentimos ou testemunhamos disso? Nada, absolutamente nada! Antes pelo contrário...vimos pessoas alegres, sorridentes, compreensíveis e dispostas a tudo para alterar a imagem que passa deste belo país para o exterior. Ou melhor, que alguém faz com que passe...


    Queríamos ficar....mas não pudemos!


    João

  5. #15
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    Panamá

    Panamá.....este o ponto de inicio da minha aventura no continente americano, juntando-me ao projecto “Olhando pelo mundo”, gizado pela mente fértil, espírito de aventura, paixão pela fotografia e desejos altruístas do Alexandre Costa.

    Nem sempre a vida e os projectos que a acalentam, são fáceis de atingir nos seus propósitos mais nobres.

    Para alguns ainda tem grande significado a palavra dada....a sua palavra!

    Essa terá sido a principal razão, para aceitar o repto, para, sem sequer ter tempo para olhar ao que preparar, informar, e organizar, me lançar nesta aventura, de cerca de dois meses e meio, que nos levará por toda a América Central, e de seguida mais a norte, começando precisamente aqui...o Panamá.

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    Este nome faz-nos imediatamente pensar no Canal, fabulosa obra de engenharia, que permite a passagem entre dois oceanos, o Atlântico e o Pacifico, e é a base da economia deste pais, pelas taxas que cobra de utilização e que segundo a informação fornecida se cifra em algo como 7 milhões de dólares por dia.

    Aparentemente esses valores, não permitem ainda que toda a população usufrua de boas condições de vida pois que, uma vez saídos da capital, a pobreza está bem presente.

    No momento em que escrevo esta breve crónica, procedem ao alargamento e aprofundamento do mesmo, para permitir a passagem dos novos porta contentores, cada vez de maior calado, para satisfazer as economias em crescimento no Oriente, na costa Atlântica da América do sul e na Europa.

    Talvez que o objectivo de evitar o Suez e algumas duvidas sobre a situação que decorrerá certamente das transformações no Egipto e todo o restante norte de África e médio Oriente apressaram a decisão....

    A capital, Cidade do Panamá, é no seu aspecto o espelho dessa pujança económica, qual Miami ou Nova York, quando vista à distância a partir do Casco Viejo, assim denominada a parte antiga, que está neste momento sujeita a obras de recuperação, já que se encontrava num estado de quase total ruína.

    Aqui a influência colonial espanhola é bem visível na arquitectura,e facilmente poderíamos pensar estar numa vila ou pequena cidade da Estremadura espanhola...

    O peixe e marisco estão muito presente na culinária, pois sendo um país pouco largo, e virado por um lado ao Mar do Caribe e por outro ao Oceano Pacifico, aí se encontram em profusão os ingredientes para o “ceviche” de peixe, camarão, caranguejo, lagostins e outros deliciosos ingredientes. A qualquer momento do dia os panamenhos não se fazem rogados, a come-lo quer como uma refeição ligeira ou “petisco”, entre dois dedos de conversa, acompanhada de muita alegria de um povo mestiço, de várias etnias indígenas, europeus e negros, trazidos como escravos.....

    Portobelo, Património da Humanidade, cidade fortificada em enseada profunda e protegida, com a principal aduana, desempenhou nos anos idos do Império colonial espanhol, a função de depositária do saque das riquezas indígenas, para sustento da corte na Europa. Pela sua importância estratégica e riqueza ai contida, foi inúmeras vezes saqueada e destruída por corsários ingleses nomeadamente Drake, que com o beneplácito da coroa, podiam assim fazer o trabalho sujo, não expondo a marinha de sua majestade ...

    Ontem como hoje, mil versões são encontradas, para perpetuar a exploração de riqueza e mão de obra barata.

    Nos contactos que tivemos, nomeadamente com Don Luís, proprietário do táxi que aí nos levou e proporcionou na praia de La Angosta um magnífico almoço de corvina frita, acompanhada de banana frita, iuca e arroz, a memória de Omar Torrijos, perdura ainda, como símbolo de liberdade e dignidade do Panamá.

    Escusado seria dizer que desapareceu subitamente, quando o helicóptero militar onde se deslocava, explodiu em pleno voo, tudo indica, até por documentos entretanto desclassificados e tornados públicos, obra dos donos do “back yard”!

    Também aqui a estruturas fortificadas e o edifício da alfandega estão em vias de ser recuperados, mas por certo o trabalho será moroso....

    Seja na grande urbe ou em pequenas cidades ou lugares, a contagiante simpatia e melosa forma de entoar o castelhano, permitem usufruir de uma alegria contagiante nas pequenas conversas de ocasião.

    As diferentes etnias são hoje respeitadas e dedicam-se nomeadamente ao artesanato, actividades ligadas ao turismo ou à agricultura.

    A “mola”, tradicional peça da etnia Kuna, facilmente se encontra, exposta para venda nesta zona do Panamá.

    O turismo, ainda algo incipiente, apresenta grande potencial, nomeadamente em Bocas del Toro, miríade de ilhas paradisíacas, perfeitas para o mergulho, canoagem, surf, ou simplesmente ”pasmar”, olhando o mar transparente....

    António Herrarte

  6. #16
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    Costa Rica - A viagem “Ticos” e “Pura Vida”

    sábado, 19 de Maio de 2012

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    Com a saída de cena do João Vicente por razões de todos vós conhecidas, havia que continuar. Regressámos a Portugal nos primeiros dias de Abril e para prosseguir com o projecto “Olhando pelo Mundo”, muitas questões se punham. Viajar com quem? Disponibilidade, brevidade na decisão. Não falando num aspecto importante: informática e computador, da qual não tenho noção nenhuma. Mas adiante o que nos interessa é continuar a viagem. A outra, ao interior de mim, continua a ser feita ao longo dos meus sessenta e sete anos.

    O António Herrarte, disponibilizou-se para me acompanhar durante dois meses e meio, com alguns sacrifícios familiares. Obrigado António! O tempo perdido obrigava a alguns ajustes de percurso. Faltava concluir pós-projecto: México e parte dos E.U.A.. O Álvaro Barcelos e Fernando Pereira vieram em meu auxilio, obrigado aos três pela vossa amizade. A decisão foi tomada uma semana antes da partida.

    Cá estamos a viajar, com as limitações, muitas... mas a fazer por cumprir a palavra dada. Viajar ao longo de dezasseis países do Continente Americano, de Sul para Norte.

    Mas vamos aos “Ticos” e “Pura Vida”

    Entrámos na Costa Rica pela fronteira de Xixaola e assim comunicámos com os “Ticos” a pé e de mochila às costas. Um autocarro confortável levou-nos até San José, a capital.

    Dia seguinte conhecer a cidade. Começámos por tentar adquirir moeda local. Não cambiavam euros. Levantamento automático, podendo ser em bolívares ou dólares (o império financeiro a impor-se). Já com dinheiro para as necessidades mais prementes, visita ao Museu do Ouro Pré-colombiano, Praça da Cultura e Teatro Nacional. Esta cidade pouco tem que desperte o interesse do viajante ou turista.

    Numa agência de turismo confirmamos a informação dada no hotel para uma visita próxima da capital. Agarrámos a ideia e no dia seguinte, bem cedo, fomos visitar a plantação de café onde tomámos o pequeno almoço, seguindo-se a visita à finca(quinta) café “Doka”. Acompanhámos o ciclo da plantação: desde a disposição do pé, até à colheita, continuando com o processo de lavagem e secagem. Torrar tem tempos determinados, dando sabores e aromas diferenciados. Geralmente o café é vendido em cru cabendo a torrefacção ao critério e técnicas do cliente/fornecedor. O Donald, nosso guia, chamou-nos a atenção para um pormenor: a qualidade de café que resulta de uma má formação, i.e. grosso modo o grão tem forma de meia esfera, as más formações resultam num grão esférico (oval) e geram uma quantidade de 5% da produção total. Este café só é produzido pela casa “Doka” com o nome Peaberry, com um aroma muito especial. O meu palato é pobre e não tenho sensibilidade para grandes diferenciações, gosto ou não? Questão encerrada.

    O Vulcão Poas e o parque da Paz esperavam por nós. A cratera, com a sua lagoa não se deixou ver, tal era a neblina. Mas o lago Boto, deixou-se ver e não se rogou a umas fotos do varandim, donde desfrutámos a paisagem e também da companhia de dois esquilos que foram as vedetas/modelos não remunerados, para satisfação dos fotógrafos, aproveitando alguns destes, com excesso ecologista, desatar à flashada aos pobres bichos.

    Almoçámos no parque da Paz, seguindo-se uma visita pelo seu interior. Este parque possui em cativeiro, aves, borboletas, repteis e felinos. Tudo isto foi mal visto, não por desinteresse, mas por uma chuva diluviana, ensopando-nos até aos ossos, tornando as cascatas que fazem parte do citado parque, concorrentes insignificantes da grandessíssima molha. Desconsolado e pingado até à alma, tomado por uma tristeza climatérica saí da Costa Rica com um amargo de boca, não real, mas resultante, do período do ano escolhido para visitar este país.

    Hei-de voltar à Costa Rica para calcorrear os parques naturais, esses sim, o cartão de visita deste país e dizer aos “Ticos”... “Pura Vida”!

    Nota:
    “Ticos” como são chamados, pela forma como constroem os diminutivos;
    “Pura Vida” expressão utilizada para: está tudo bem, é normal, gosto, adorei, fabuloso.

    Alexandre Costa
    Última edição por Dolor; 07-06-12 às 12:46.

  7. #17
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    Nicarágua

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    Nicarágua, um dos países de que tenho maiores expectativas.....o imaginário funciona de uma forma por vezes apaixonante, criando até uma diferente disposição....

    A dúvida assaltou-nos ainda na Costa Rica......as fortes chuvadas, nomeadamente a do dia anterior, que nos deixou encharcados sem poder vislumbrar o que quer que fosse, e sem poder utilizar as máquinas fotográficas, levou-nos a decidir seguir viagem sem ir ao vulcão Arenal, um dos locais de referência ....mas seguimos, e na verdade para nossa sorte, logo que nos começámos a aproximar da fronteira, a vegetação alterou-se, o tempo melhorou, ficou mais quente e o sol surgiu...achámos que talvez tivéssemos feito uma boa opção...o Arenal terá de esperar!!!

    O autocarro, que nos trouxe desde San José, confrontou-nos com uma enorme e aparentemente infindável fila de camiões ao chegar à fronteira.... pensámos que levaria horas até chegar a nossa vez...mas surpresa das surpresas, passámos à frente de todos, seguindo pela faixa contrária, levando a que gigantescos camiões fizessem nova fila, aguardando a nossa passagem.
    O local a que designam de Peñas Blancas é a fronteira, possuidor de todos os serviços que se possa imaginar, numa fabulosa desorganização digna de registo, mas que funciona...barracas, muitas barracas de comida, barbeiros/cabeleireiro oficinas, farmácias, tudo o que é necessário existir num local, onde centenas de camiões aguardam passagem, por certo com estadia prolongada...
    A simpatia é contagiante e, ainda que um primeiro olhar possa parecer algo duro, rapidamente se transforma num sorriso e “buenos dias” melado!!!

    E que melhor local para de imediato nos habituarmos a essa realidade, do que viajar num autocarro público, que nunca tem lotação definida, e onde tudo pode ser transportado, amalgamando-se os corpos, numa espécie de milagre de multiplicação do espaço, sempre acompanhado de um sorriso e olhar cúmplice...
    As opções são muitas, e todos referem San Juan del Sur,, como local a não perder, e primeiro destino de praia na costa do Pacifico, nos dizem, com boas ondas, animação, barato, nova Meca dos locais e de “back packers”.
    A exemplo do que sucede em muitos dos melhores locais a visitar em todo o mundo, quando um país se abre ao turismo, são os mochileiros os primeiros a aderir, descobrindo locais fantásticos... No nosso caso e atendendo ao facto da viagem já estar estruturada anteriormente, sem qualquer referência a este local e porque nos interessava tentar chegar à Ilha de Ometepe, no Lago Nicarágua, optámos por seguir em frente....quem sabe com o dissimulado objectivo de ter um pretexto para voltar, como se começava a afigurar no meu espírito, tão agradável eram os primeiros sentimentos....

    Chegámos a David, cientes que já não teríamos barco para a ilha...teríamos ainda de apanhar um triciclo para nos levar a San Jorge...pequeno porto lacustre, onde pernoitámos, não sem antes devorar um fabuloso jantar, preparado por duas sorridentes e diligentes cozinheiras de um tasco, que só nos tinha a nós como clientes...
    À pergunta o que beber, a resposta fez com que me apaixonasse....que me desculpe a Rami, por esta infidelidade ao fim de tantos anos, mas a “toña” geladinha era irresistível!!!
    O percurso de barco é uma maravilha....a presença dos vulcões Madera e Concepcion, como duas corcundas de um corpo que se espraia nas águas azuis do lago, no primeiro alvorecer em terras de Sandino, fez surgir a magia... fez com que me enamorasse à 1º vista...
    De facto é uma ilha muito aprazível, com vários pequenos hotéis muito bem localizados, e que permite agradáveis passeios para subir os vulcões e assistir a soberbo pôr do sol....
    Pena que a água do lago seja tão quente.....mas deu para matar saudades de uma banhoca!!!!!!

    O regresso foi feito no ferry “Comandante Che Guevara”... nem de propósito....o ambiente estava criado!!! E lá fomos a caminho de Granada , no bus público, que, aí sim, sabe bem...com serviço de catering ( milho assado ou cozido, empanaditas, e fruta fresca)sempre que a paragem se prolonga por alguns minutos....
    Chegar a Granada, é como ir de férias à Andaluzia.....não será por acaso que assim se chama....
    Por certo, os primeiros colonizadores seriam dessa região em Espanha...essa atmosfera de cidade andaluz...até as caleches circulam pela cidade...tranquila, pequena, colorida, com monumentos interessantes, com a “calle calzada”, que nasce na Praça Mayor com a sua catedral, e desce para o Lago, repleta de restaurantes e esplanadas, e onde ao entardecer, com o fresco da brisa que corre vinda do lago, a música ao vivo, torna possível agradáveis momentos, acariciados pelos corpos sensuais, que dançam numa pausa da refeição.....
    Tivemos a oportunidade de conhecer Donna Tabor, norte americana radicada nesta cidade, e que promove vontades, no apoio a crianças com problemas vários e no tratamento a cães abandonados/vadios.
    Com o seu filho e um amigo, fomos levados ao mirador de Catarina, de onde se avista o lago formado pela cratera do vulcão, e aos “pueblos blancos”, sucessão de pequenas aldeias, cada uma com a sua característica artesanal, incluindo Niquinohomo, onde visitámos a casa onde nasceu Augusto César Sandino, que se tornou chefe da guerrilha,(representando ainda hoje em toda a América Latina um símbolo de independência face à tutela norte-americana), resistindo à invasão norte americana de 1933, assassinado pelo futuro ditador Somoza, criador de uma “dinastia familiar”, que se manteve no poder por 40 anos. Tivemos ainda tempo para dar uma olhadela ao mercado de Masaya, fazendo uma pequena viagem de autocarro, que quase pedia que empurrássemos, tal era a lentidão....mas talvez devido a isso, enorme e contagiante foi a relação que se estabeleceu, com Joselina, que passados dois sorrisos já me estava a oferecer churros, de um pacote acabadinho de comprar....e não foi essa a única prenda até ao fim da viagem....beijinhos, festas, e até uma pulseira que retirou do seu bracinho lingrinhas.....gosto...é disto que eu gosto...a Nicarágua não me estava a decepcionar....!!!!

    O roteiro indicava como próxima paragem....Manágua. Como todas as capitais desta Centro América deixa muito a desejar... como beleza e monumentos a visitar... mas lá cumprimos, prontinhos para rumar a Léon.....

    Chegados... e embora se mantenha a característica colonial, também aqui o nome não engana... Léon em Espanha fica mais a norte, talvez que isso tenha caracterizado a sua atitude.... pois se em Granada, a cidade é conhecida por ser mais conservadora, de grandes famílias, (Chomorro e outras), de “tierra- tenientes”, criadores de gado, já Léon sempre se afirmou como cidade da intelectualidade, liberal, de grande pendor humanista e promotora de liberdade....Núbia, uma bela índia, que conhecemos no bus público, logo se disponibilizou para mostrar a “21”, agora museu, mas anteriormente local de tortura e assassinato ás mãos dos esbirros de Somoza, último da família derrubado pela guerrilha da Frente Sandinista, em 1979... A visita ocorreu apenas no dia seguinte, mas não pude deixar de recordar tempos idos, não tão distantes, em que em Portugal, na devida proporção vivemos dias tão sombrios... contudo e essa é a grande esperança, sempre os homens souberam em algum momento dizer basta...dizer não!
    Também aqui em Léon, viveu um dos “Homens” deste país, que marcou gerações e permitiu conhecer o sentir deste povo...o poeta Rubén Dário, iniciador e máximo representante do modernismo literário em língua espanhola. É possivelmente o poeta que tem tido uma maior e mais duradoura influência na poesia do século XX no âmbito hispânico. É chamado de príncipe de las letras castellanas. Visitámos a casa onde morreu... agora museu com o seu nome.

    Tínhamos que seguir o nosso caminho.... a Nicarágua merece que regressemos... Núbia gostaria de nos mostrar mais....

    António Herrarte

  8. #18
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    Guatemala - Civilização Maia vista por um português

    segunda-feira, 25 de Junho de 2012

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    A Guatemala merece uma visita. Descobri-la, porque não, ser seduzido(a) pela cor, pela afabilidade, pela frase sempre presente “Bien venidos”. Quiriguá(P. M.), Lago Atitlan, Tikal(P. M.), Iximché, Antigua. Mas o fervilhar de vida, cultura, religião vivido ao domingo em Chichicastenango, é imperdível. Acima de tudo, as pessoas, essas sim, matéria viva, que vale a pena registar.

    Todos os lugares, onde a civilização Maia se instalou, são dignos de visita guiada. Tivemos a sorte de ter José (Guatemala) como nosso guia. Quando visitámos o Parque Nacional Tikal (P. M.), o nosso grupo era composto por um casal dos EUA, outro da Costa Rica, nós Portugueses, e Gilberto Barizon do Brasil. Mescla de Gringos, Ticos, Portugas, Brazuca e Chapine(o guia). O Gilberto Barizon, pessoa divertida, bem disposta e com uma noção de vida, para viver. O José foi debitando informação sobre esta enigmática civilização a sua ascensão, organização social, lazer, hierarquia, religião, mas também, a razão do seu declínio.

    Mas não vos vou massacrar com informação civilizacional.

    Vou contar o meu sentir, no domingo dia vinte e sete de Maio deste ano em Chichicastenango. O dia fazia algumas caretas, mas não impedia que as ruas estivessem repletas de feirantes a montarem os seus negócios, onde tudo se transaccionava. Pedi ao Carlos, um dos feirantes, para fotografar o seu estabelecimento improvisado. Acedeu, pedindo-me não o fizesse a ele pessoalmente. Fotografei o seu modo de vida, ficando à conversa com ele. Falámos da vida, das coisas do dia a dia, a importância dos filhos, do nosso empenho para irem mais longe. Expliquei a razão porque estava na Guatemala. No final disse-me que o podia fotografar.

    Tocado pela razão da minha viagem? Não sei! Mas não fiz clique para o registo fotográfico. Trocámos um sorriso e um aperto de mão. A sua expressão foi de agradecimento, adeus Carlos. Continuei. Mais adiante um homem queria comprar milho (maiz), havia qualidades e tamanhos. Falavam em dialecto provavelmente com raízes na cultura Maia. A discussão era pacífica, mas esgrimindo ambos argumentos de ordem técnica. Um menino pediu-me uma foto, estava com a irmã. Perguntei-lhe o nome, disse-me algo, que não percebi. Fiquei sem saber o nome, mas ele sorriu quando lhe mostrei a foto com menina, ficaram os dois sorridentes.

    Num monte, já um pouco afastado do bulício da feira, são feitas as cerimónias religiosas. Mistura do cristão, com cultos Maia? Com acompanhamento de um/uma Xamã. Várias pessoas vão-se deslocando para lá, fazendo suas promessas/oferendas. Uma família estava reunida com uma Xamã, praticando os seu rituais. Permitiram-nos que os fotografássemos, não perturbando. Fiz alguns registos.

    A Xamã fez o seu trabalho, e todos estavam com esperança de saúde e bons negócios para todos. Estavam sorridentes. Deixei-os, pensando, o que move esta gente? Em que acreditam ? Pensei em Fátima. Nas promessas que muitos fazem e se socorrem em momentos de sofrimento, angústia, doença, sempre com o propósito de aliviar dores, e desejo de melhor vida. Afinal não somos muito diferentes dos Guatemaltecos. Quando não encontramos as soluções que gostaríamos para os nossos problemas, agarramos em algo que nos dá força e nos leve a continuar nesta luta dura, para nos mantermos vivos, com horizontes e sonhando um pouco.

    Já em Panajachel, passeando nas margens do lago “Atitlan”, um jovem que vim a saber chamar-se Carlos Vielman, ia fotografando tal como eu, abeirou-se de mim, perguntou-me com tom irónico, se eu queria trocar com ele as nossas câmaras fotográficas. Sorri e retorqui-lhe.—O mais importante na fotografia, não é o equipamento, mas sentir a vida e fotografar com o coração. Trocámos endereços, falei-lhe do projecto “Olhando pelo Mundo”.

    Dias depois no Facebook, o Carlos comentava as minhas palavras “Sábias”, que não são sábias, mas sim velhas. Agora vai vendo as fotos que eu e o António pomos nesta nova tecnologia a que dezenas de “amigos” têm acesso.
    Éramos desconhecidos. Quem era o Carlos Vielman? E o Alexandre? Hoje comunicamos diariamente. O fascínio da fotografia, registando imagens de vida e de pessoas, com luz e com o coração.

    Alexandre Costa
    Última edição por Dolor; 30-06-12 às 09:43.

  9. #19
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    Belize

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    segunda-feira, 9 de Julho de 2012

    O que fazer....a Guatemala, com alguma sorte à mistura relativamente ao tempo de sol de que podemos desfrutar durante a nossa estadia, permitiu uma alargada percepção do mundo Maia...passado e actual... contudo, na véspera da nossa partida, mais parecia que alguma coisa tínhamos feito de mal, pois a chuva era tanta, que nos questionávamos se seria possível transitar por aquelas ruas e estradas como que transformadas em ribeiros!!!!
    Tínhamos a referência de que, uma vez passada a fronteira para o Belize, poderíamos ficar perto de San Ignacio, num local peculiar... a Parrot Nest Lodge, para uma estadia em quartos construídos no cimo das árvores. Esta povoação fica junto ao rio Mopan e a vários sítios arqueológicos, nomeadamente Xunantunich e Cahal Pech.

    Contudo e porque continuava a chover, achámos que não seria conveniente fazer essa paragem... não teríamos qualquer hipótese de fazer o que quer que fosse... e para ter de nadar, melhor rumar à capital e aguardar....
    A caminho e entre conversa de circunstância com a parceira de viagem, foi-me dito que a capital nada tinha de interessante, a menos que estivéssemos interessados em alguns bares e fazer a visita ao centro administrativo do país....
    De acordo com a opinião dos presentes, melhor seria rumar a uma das muitas ilhas (Caye)... e esperar que junto ao mar estivesse melhor.... Assim fizemos... Ficará para próxima oportunidade a estadia em hotel casa na árvore.....o autocarro acabou o seu percurso junto ao cais do ferry e, motivados pela descrição, optamos por Caye Caulker.

    A informação é que seria mais informal que San Pedro, a “Isla Bonita” da canção de Madona, mais barato , e teria praia estupenda......
    Não foi de todo desajustada a ideia, pois, ao afastarmo-nos de Belize City, o tempo de facto melhorou.... e quando chegámos a Caye Caulker já tínhamos sol, para poder correr de seguida para a praia... Não foi preciso... Na ilha, dada a sua dimensão (no que é a área possível de ser utilizada, pois o resto é mangal) a praia é já ali... É uma ínfima parte da sua superfície, e é agora o destino preferido de backpakers, um pouco à imagem do que sucede onde estivemos no Panamá...
    Sendo um destino preferido por backpackers, tem um ambiente de facto informal, com pequenos restaurantes, bares, muita música, ruas de areia e muitas e variadas “guest houses” ....quase todos à beira mar, pois a língua de areia é de uma largura reduzida....com palmeiras a bordejar o mar...

    O pequeno hotel, com meia dúzia de quartos, por nós escolhido, era mesmo em cima da praia... só que a praia, não tinha mais de 100 metros de uma espécie de molhe, onde apenas com a maré vazia, existia areia para aceder ao mar... com a maré cheia entrava-se directamente da rua de areia para dentro de água ... o pequeno molhe dava para colocar as toalhas... os que estávamos nos “hotéis” à beira mar tínhamos ainda à disposição plataformas, com cadeiras e redes, onde nos podíamos estirar, entre cada um dos banhos, que por natureza eram muito longos, tão quente era a água. Claro que nem pensar em ondulação... a barreira formada pelo recife de coral, que parece ser a mais extensa do mundo, faz com que o mar tenha um aspecto de uma banheira... enorme, de fundo branco e translúcido e que vai mudando gradualmente de cor, conforme a profundidade, mas com o verde dominante.

    Esta era a praia, não como a idealizava-mos numa ilha, mas com um mar esmeralda lindíssimo, quente, e um sol que rapidamente se tornou escaldante... a chuva tinha ido embora!!!!

    Não havia muito a fazer... estar dentro de água, nadar, descansar, nadar....beber uma cervejita gelada, e ir comer.....peixe que era apanhado ali mesmo...e voltar a ir para a água na vã esperança de refrescar... Só ao fim do dia, com a chegada da noite, uma brisa, vinda do mar, fazia ondular as palmeiras e refrescava um pouco o ambiente, permitindo desfrutar de uma agradável música e de mais uma cervejinha gelada.

    E seriam assim todos os dias, não fora o caso de a chuva ter decidido vir a banhos, e ao fim de mais um dia de intenso sol, transformar totalmente a paisagem, entrando a noite com uma formidável tempestade, com todos os ingredientes... vento , relâmpagos, trovões e muita, muita chuva, e calor!!!!!

    Noite dentro, não deixou de ser um espectáculo fabuloso , ouvir o mar, que embora mantendo a pequena ondulação, estava um pouco mais ruidoso, o barulho das palmeiras agora gingando de uma forma frenética e a luz constante, fruto dos relâmpagos, que permitia ver o esmeralda do mar e o branco da areia no seu fundo... sempre com o verde esmeralda a tomar conta daquela imensidão...

    Tão intensa era a tempestade, que nos assaltou a preocupação de quantos dias teríamos de ficar ali, até que nos fosse possível apanhar o barco para Chetumal, no México, não sem antes passar por San Pedro... para deixar passageiros provenientes da capital e apanhar outros rumo à fronteira... essa tinha sido a nossa opção para chegar ao próximo destino... ir por barco e evitar voltar à capital, para fazer um percurso por terra mais longo e por certo mais saturante em termos paisagísticos, já que, à nossa chegada ao aproximar-nos do mar, tudo era uma espécie de charneca, pantanosa....

    Tal não aconteceu e, já com o Sol a despontar, a tempestade amainou e a chuva passou a ser uma ”espécie de molha tolos”... que sem dúvida nenhuma éramos nós, pois deve ter sido isso que hordas de melgas pensaram por certo daqueles dois “portugas”, que não tinham para onde escapar, cada vez que se abria a porta, e elas aproveitavam para nos sugar tanto quanto podiam... uma espécie de pequeno almoço buffet... pernas, braços, orelhas, cabeça, peito, costas... nem as calças e camisa o impediam...

    Assim, foi agarrar nas mochilas e correr para o cais do ferry... e esperar que o mesmo partisse o mais depressa possível....

    Não que o Belize não mereça uma visita... especialmente para os amantes das actividades subaquáticas.....pois muitas e diferentes serão por certo as ilhas que constituem este rendilhado a pontuar o Mar do Caribe...

    Ficou um vislumbre de como é bom este “quente” ambiente caribenho!

    António Herrarte

  10. #20
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    México - San Juan Chamula

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    sábado, 25 de Agosto de 2012

    Não vou falar da civilização Maia ou Azteca, nem tão pouco da Riviera Maia ou de estâncias de veraneio; não falarei da revolta no Estado de Chiapas, dos raides aéreos, das mortes que esta rebelião causou, nem da liderança do sub-comandante Marcos, pedindo um pouco para este povo - o direito a uma vida mais digna. San Cristóbal de las Casas foi o cenário desta tragédia.

    Bem perto de San Cristóbal fica San Juan Chamula.

    Neste pueblo, fotografias a pessoas estavam proibidas. Se o fizéssemos, estávamos por nossa conta e risco. Fotografias de paisagem tudo bem! Resumindo, teria que ter muitas cautelas, embora esta proibição tenha fronteiras difíceis de definir, ficando eu com o espaço para fotografar balizado pelo bom senso e respeito pela cultura, hábitos, crenças de um povo que, apesar de tudo, abria as suas portas para me receber.

    Vou usar a imaginação como câmara fotográfica.

    A 25 de Agosto, comemora-se o dia de Santa Rosa. Não se nota grande movimento festivo. Pelas ruas de San Juan Chamula, alguns comerciantes vendiam vários artigos de artesanato, bolsas para dinheiro, para telemóveis, postais ilustrados, mas predominava a fruta - mangas, peras abacate, ananás, nopales (folha de cacto, sem pele e picos, ingrediente para fazer omeletas e outros pratos regionais). Encheram-me o olho fotográfico as melancias descascadas, bem vermelhas, apelando a quem passava: - Compre-me e mate a sede!

    Um som misto de clarim e trompete chegava aos meus ouvidos. Também a batida de um tambor entra nesta sinfonia ou cacofonia – sou surpreendido por um grupo de cerca de umas vinte pessoas vestidas de diversas formas que concluí serem trajos tradicionais. Uma vestia uma capa negra, de pêlo comprido (não sei se o homem se parecia com um urso, se o urso se transmutava em homem). Outra, com chapéu de palha com umas fitas de cor: a camisa tinha uns bordados e uma cinta segurava uns calções que mais pareciam um saco com duas aberturas para poderem ser vestidos. Não faltavam as sandálias bem artesanais, todas. O grupo seguia em fila indiana tocando viola, clarim, pandeiretas, tambores, etc. Nesta procissão, dirigiram-se para a entrada da igreja. Fui informado de que não poderia entrar com máquina fotográfica. Ficou arrumada num saco de plástico negro. Aguardámos a entrada dos religiosos orando com pandeireta e afins. Espanto meu! A igreja não tinha assentos. Como e onde oravam os crentes? Havia no ambiente uma névoa resultante do fumo das velas que iam sendo colocadas no chão, todo repleto de uma caruma verde, fresca e cheirosa, que era afastada para dar lugar às velas. O chão, no passado, era de madeira, mas um incêndio levou à sua substituição por mosaicos. Sentados ou ajoelhados no chão, punham garrafas de coca cola e outras bebidas (o guia informou-nos ser álcool), que iam ingerindo, e deixando parte para os santos a quem faziam as suas preces. Cinco faixas, brancas e rosa, presas ao tecto e paredes tendo a forma de V invertido, simbolizavam as montanhas que circundam San Juan Chamula.

    Nas suas celebrações religiosas, os forasteiros são tolerados. Encostados às paredes, dezenas de oratórios com cerca de dois metros de altura e uma largura que não excedia um metro; cada um com seu santo dentro, com as decorações e vestimentas apropriadas às circunstâncias. As cores, essas variavam do branco ao roxo e de acordo com o respectivo santo. Mas, algo me chamou a atenção, pois não tenho ideia de alguma vez ter visto, na zona entre a barriga e o peito, um espelho contornado com rendas… Porquê? O momento e o lugar impunham respeito e silêncio, mas a curiosidade falou mais alto e fui procurar resposta. Abordei um crente, num diálogo com o meu portinhol e o seu castelhano misturado com o dialecto chiapa. Respondeu à minha curiosidade. – “Quando estamos orando, ou simplesmente olhando para o santo, pensamentos passam pela nossa cabeça: o bem, o mal, a generosidade, a inveja, tudo o que o ser humano arrasta consigo. O espelho é para que tudo isso se reflicta em nós!”. Não sendo crente, vi nisto uma lição de vida. Quando tomamos alguma atitude, pomo-nos do outro lado, para sentirmos o efeito das nossas decisões?

    Nota: San Cristobal de Las Casas, dista de San Juan Chamula dez quilómetros. Este povo pertence ao grupo étnico Tzotzil, são cerca de oitenta mil pessoas, orgulham-se da sua independência. Têm práticas religiosas únicas.

    Alexandre Costa

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