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Após uma noite com leve chuva, seguimos no pouco de asfalto que restava após Marabá. Mas a alegria durou pouco; logo a piçarra retornou nos dando a efêmera alegria de andarmos com menos poeira. Como a terra estava úmida, diminuía a nuvem formada pelos carros que cruzavam uns aos outros. Nuvem essa decorrente da falta de vento que tornava o pó em suspensão por mais tempo. Os motoristas dos veículos, na ânsia de fugirem dessa névoa, buscavam empreender maior velocidade para se distanciarem uns dos outros.
Na estrada, tivemos o privilégio de visualizarmos o território indígena Parakanã. Mais adiante paramos no “bar do peixe” para um breve lanche, mesmo sabendo que estávamos próximos de Novo Repartimento - PA.

TERRA INDÍGENA PARAKANÃ
Dirigimos para a cidade de Novo Repartimento, entroncamento entre a continuação da BR-230 e o caminho para a cidade de Tucuruí – PA, onde pernoitamos.



NOVO REPARTIMENTO - PARÁ ............................. USINA HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ
Última edição por SARIS PINTO; 07-07-16 às 18:48.
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Instigante, desafiadora, provocadora, ahhhh BR-230, ainda quero lhe possuir... na minha Trudi 250. rsss
Show de desafio, parabéns.
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Tucuruí abriga a maior hidrelétrica genuinamente brasileira. Ouvi e vivi muitas histórias sobre a barragem, da sua construção e da Amazônia em si, pois morei quando criança em Tucuruí. Agora adulto foi uma grata surpresa retornar a antiga morada. Revi as vilas de moradores da obra que se tornaram permanentes para a manutenção da usina. Uma curiosidade é que a administração da hidrelétrica permite que automóvel particular transite para os dois lados do rio por cima da barragem. Como essa questão de segurança nacional e combate ao terrorismo estão tornando áreas estratégicas extremamente protegidas, provavelmente essa prática será proibida num futuro próximo.
Mas Tucuruí não se encontrava na BR-230. Precisávamos retornar... Nossa meta era chegar a Altamira para mais um pernoite. Novamente a poeira na estrada se mostrou implacável e perigosa. Veículos com vários eixos tornavam as ultrapassagens uma verdadeira roleta russa. Acabamos andando aos pares e ficamos tão distantes que simplesmente nos perdemos uns dos outros.
Percebemos que várias ladeiras da BR- 230 foram cortadas para que o maquinário da Usina Hidrelétrica de Belo Monte pudesse chegar mais rápido na obra. Porém, mesmo com a amenizada do sobe e desce, as descidas geralmente terminavam em curvas, e muitas vezes tinham pontes que somente caberiam um veiculo por vez. E as pontes teriam que ser bem analisadas para serem atravessadas; buracos, tábuas soltas, bitolas incompletas. Descobrimos na prática que na Amazônia a lógica da cidade do respeito ao pedestre, as bicicletas e aos demais veículos se inverte. Ou seja, o que tem prioridade na estrada amazônica é sempre o maior: o caminhão bitrem prevalece sobre o caminhão menor, que prevalece sobre o ônibus, que prevalece sobre o micro-ônibus, que prevalece sobre a caminhonete e assim vai sucessivamente. Como estávamos de moto, na cadeia de sobrevivência estávamos somente acima dos pedestres e dos demais animais que cruzavam a estrada. Dessa forma, não havia acordo com caminhões, o negócio era sair do meio ou acelerar tudo que fosse possível. Não achei emocionante nem engraçado esses momentos de tensão numa estrada coberta de poeira e buracos.
Passamos por Pacajá – PA, abastecemos e seguimos até Anapu-PA, onde uma interminável fila de caminhões antecedia uma ponte obstruída por um protesto de moradores. Acabava de ser interrompida nossa viagem. O que fazer?



ANAPU - PA
Última edição por SARIS PINTO; 09-07-16 às 00:35.
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Passado o susto inicial da imagem do protesto, ficamos sem ação... O que fazer? Soubemos que a manifestação foi iniciada na manhã do dia anterior, há mais de 24 horas. Pensamos rotas alternativas, travessia de barcos, conversas, explicações da nossa viagem. Não encontramos solução; nada importava para os manifestantes. A tensão crescia a cada minuto passado. Diferente dos caminhoneiros, não tínhamos comida, água nem abrigo. Descansamos no asfalto sobre uma faixa de pano do protesto.

BLOQUEIO DA PONTE - CIDADE DE ANAPU - PA
Anoiteceu quando a polícia retornou para apaziguar os ânimos e desobstruir a estrada. O Augusto foi “convidado” para negociar a liberação e ouviu que a meia-noite tudo estaria liberado. Passada a hora combinada, os ânimos se exaltaram e o conflito iminente não ocorreu por causa da intervenção da polícia. Enfim, atravessamos a ponte da cidade de Anapu próximo das três horas da manhã.
A partir da saída da manifestação, era imperioso encontrar um local para dormir. Não conseguimos hospedagem logo de imediato nos primeiros hotéis visitados em Anapu (todos estavam lotados), cansando mais ainda nossos corpos imundos da poeira. Achamos um quarto improvisado e foi acalentador o pequeno espaço que nos acomodou.
Acordamos tarde no dia seguinte e seguimos viagem. Num dos reparos do asfalto Verô caiu com sua moto. Outro susto inesperado, mas sem consequências mais sérias. Retornamos a Anapu para conserto da motocicleta.
Após estarmos preparados novamente para a estrada, enfim deixamos Anapu para trás. Atravessamos uma balsa e passamos por um dos canteiros de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

RIO XINGU
Mais um pouco e enfim chegamos a cidade de Altamira – PA, também margeada pelo Rio Xingu.

ALTAMIRA - PA
Continuamos viagem para enfim concluirmos o dia em Uruará – PA.

URUARÁ - PA
Última edição por SARIS PINTO; 10-07-16 às 10:57.
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Bom dia!!!
Por analogia, sua explicação sobre as prioridades na BR-230 se equivalem ao trânsito marítimo, onde o maior tem preferência por ser difícil parar um grande navio e assim por diante.
Show, parabéns pela narrativa.
Abração.
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A noite em Uruará foi embalada pela orquestra de mosquitos. Acordamos bem cedo e nos preparamos para a estrada. A poeira era o que escondia os buracos. Chamados de “poacas”, essas armadilhas da natureza camuflavam as valas, buracos, as erosões, pedras e tudo mais que poderia derrubar uma motocicleta. Andar rápido era importante e a consequência da distração seria sempre cair nas famosas poacas.
A próxima parada seria a cidade de Placas – PA. Uma curiosidade faz parte da história da cidade. O Estado do Pará tinha dois fuso-horários. O marco da divisão foi erguido na cidade e o município chegou até a ter dois réveillons. O meridiano que corta o município é o mais longo que atravessa o país com mais de 4000 kms. Mas a associação comercial e empresarial de Santarém solicitou a unificação de horários em virtude das perdas comerciais e financeiras. Acabou-se os dois horários e infelizmente para o turismo da cidade, o monumento da divisão de horários foi destruído, conforme pesquisas na internet, em janeiro de 2014.


MARCO DIVISOR DE HORÁRIO / CIDADE DE PLACAS - PARÁ
Logo mais chegamos ao cruzamento da BR-163 (Cuiabá – Santarém) com a BR-230, onde se localiza a cidade de Rurópolis - PA. Seguimos para Santarém - PA e tivemos um merecido descanso. Não pretendo discorrer sobre Santarém, pois a mesma se localiza fora da BR-230. Mas confesso que a cidade de Santarém merece ser visitada para se apreciar a sua culinária e as belas praias de Alter do Chão.


SUPERMERCADO MARÍTIMO ABASTECENDO A CIDADE DE SANTARÉM - PA
Saímos de Santarém e encontramos a estrada ainda úmida, felizmente diminuindo a poeira. Novamente em Rurópolis, paramos para o reabastecimento.
Rumamos na BR-230 para a cidade de Itaituba, sempre passando por caminhões de transporte de madeira e soja. Nesse trecho a BR-163 sobrepõe a BR-230, formando um único caminho.


RURÓPOLIS - PA
Nossa viagem era em sentido Leste-Oeste e os caminhões vinham em sentido oposto. Até o entroncamento da BR-163 com BR-230, haveria muitos caminhões. Após, não haveria mais carros nem grandes veículos na estrada. Almoçamos em Divinópolis – PA. No fim do trecho chegamos em Miritituba e fomos levados na balsa que atravessava o Rio Tapajós para a cidade de Itaituba – PA. Enfim, concluirmos o dia de viagem.

DIVINÓPOLIS - PA


MARGEM DO RIO TAPAJÓS PARA A BALSA MIRITITUBA - ITAITUBA - PA
Última edição por SARIS PINTO; 10-07-16 às 10:50.
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Atravessar as longas estradas amazônicas nos faz pensar e a refletir a vida. Uma lembrança que tenho é acerca da grandeza das coisas. É muito fácil se achar grande com riquezas materiais. Mas o território amazônico subverte essa ordem; lá temos outras medidas de grandeza. Exemplos:
a) o município de Altamira – PA tem 159.533 km². Maior que o Estado do Ceará, com 184 municípios;
b) a grandeza do tempo. Na amazônia o tempo não é medido em horas, minutos ou segundos. O tempo da viagem é medido em dias. A população se desloca nos barcos por vários dias e é algo absolutamente normal;
c) a grandeza da floresta e rios. Tudo é a plena expressão do sentido “Lato”. A floresta, mesmo devastada ao longo da rodovia, continua imponente. Os rios, gigantes, mostram que são as artérias da selva.
d) a grandeza das pessoas simples. Aonde chegávamos, sempre fomos bem recebidos e acolhidos por desconhecidos que nos tratavam como velhos amigos.
Em Itaituba mudamos de margem no imenso Rio Tapajós. Curtimos em um ótimo banho de rio em Itaituba. O balneário era bálsamo para os corpos cansados que em breve encararia as longas distâncias da estrada. Itaituba era o limite civilizatório da BR-230 e era pouco seguro para os moradores do Pará seguirem adiante na época das fortes chuvas. Para a nossa viagem, o desafio era chegar em Jacareacanga-PA, a mais ou menos 400 kms de distância.

BALNEÁRIO EM ITAITUBA - PA
Amanheceu um novo dia. Nossa jornada seria solitária após a partida. Após quase duas horas do início da viagem, chegamos ao Parque Nacional da Amazônia. No Parque a selva é preservada, mudando o clima para mais úmido. A pista ficou mais escorregadia e as sombras das árvores cobriam os traiçoeiros buracos.



PARQUE NACIONAL DA AMAZÔNIA BR-230 - PA
Chegamos no início da tarde no 180. Era o marco de distância de 180 kms para Jacareacanga ( mais ou menos o meio do caminho). Pista de pouso de aeronaves, lá nada mais era que um pequeno ponto de civilização na selva. Compramos gasolina e seguimos viagem.


BR - 230 / KM 180 - PA
Próximo a Jacareacanga - PA o inesperado aconteceu... uma manobra de um veículo maior derrubou o Augusto. Uma forte dor no ombro acometeu imediatamente o moribundo. Faminto, sujo, isolado e machucado na BR-230 representava o pior dos pesadelos. Não teve escolhas... Augusto reuniu forças para levantar a motocicleta e esperar o resto do grupo no portal da cidade. Dormimos em Jacareacanga. Fim de mais uma jornada.

JACAREACANGA - PA
Última edição por SARIS PINTO; 11-07-16 às 18:42.
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Jacareacanga é uma cidade paraense situada no baixo amazonas. A maior população indígena em uma cidade paraense encontra-se também em Jacareacanga. Conhecemos os índios Mundurukus que são bem numerosos nas ruas. Alguns parecem indigentes perambulando num mundo (dito civilizado) que não é o seu...
Outra curiosidade local foi que no início de 1956 ocorreu a Revolta de Jacareacanga. Foi uma revolta militar contra Juscelino Kubitschek recém-empossado. Oficiais da aeronáutica partiram do Rio de Janeiro e utilizaram a Base Aérea de Jacareacanga como ponto de início da revolta. Rapidamente o levante foi controlado. Mas toda a história e riquezas culturais, antropológicas ficaram em segundo plano. Estávamos preocupados com o Rocha. O que conhecemos bem em Jacareacanga foi o precário sistema de saúde brasileiro.
No dia anterior o Augusto foi atendido no hospital da cidade e foi muita sorte ter sido o dia da presença do médico. Porém, mesmo medicado, suas dores no ombro eram intensas. Concluímos que não poderíamos perder outro dia na selva distante. A decisão foi inevitável; seguir em frente.
Partimos de manhã bem cedo para Apuí-AM. Choveu durante a noite. Era preciso viajar com cuidado. Outro tombo e a viagem para o Augusto com certeza estaria encerrada. Nada de correr riscos desnecessários. A piçarra molhada se transformou em lama. Uma lama que grudava nos pneu, dificultando a condução.

JACAREACANGA - PA
Encontramos, enfim a divisa com o Estado do Amazonas. Uma placa velha, quase apagada, próxima a uma ponte. Era enfim o derradeiro estado brasileiro que a BR-230 atravessava.


DIVISA ENTRE OS ESTADOS DO PARÁ E AMAZONAS
Terminamos as fotos e chegamos ao Rio Sucunduri. A lama dificultava muito a subida dos veículos na balsa. Após a travessia, rumamos até o restaurante da Dona Rosa e lanchamos. Eu comi melancia. Acho melancia uma fruta muito boa, mas fiquei muito “cheio”, o que incomodou minha condução na BR.



BALSA SOBRE O RIO SUCUNDURI - AM

DONA ROSA E SUA LANCHONETE NA BR-230 - AM
Chegamos em Apuí-AM. Abastecemos as motocicletas e fomos para o hotel descansar. O Augusto resistiu a maratona do dia...

APUÍ - AM
Última edição por SARIS PINTO; 13-07-16 às 02:06.
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Que maravilha, Saris! Estou revivendo tudo com o teu relato e fotos.
Abração!
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