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O lendário Mar do Caribe
Falar ou escrever sobre nossa viagem é muito gostoso. Este mês vou contar como foi a travessia entre a Colômbia e o Panamá, cuja região é desconhecida para a maioria dos ouvintes. Ora julgam que as duas partes do continente são separadas pelo mar, ora pensam que o empecilho é o Canal do Panamá.
O Canal, que muitos imaginam ser obstáculo, fica no meio do país, margeando a capital e atravessá-lo foi muito fácil. Pegamos uma bonita ponte no sentido Sul/Norte, sobrepomos alguns navios em processo de travessia Leste/Oeste e em cinco minutos estávamos no lado norte. Aliás, foram várias travessia.
A dificuldade encontra-se no Sul do país, na divisa com a Colômbia, e ostenta o nome de Darién Gap (Estreito de Darién). Trata-se de uma grande área de pantanal, floresta e montanha dominada pelos narcotraficantes, mede um pouco mais de 160 km de comprimento por 50 Km de largura e separa o oceano Atlântico do Pacífico. Por conveniência dos USA não existe estrada interligando os dois países.
A tranquila travessia na ida
Conforme planejado, a primeira transposição do Darién Gap seria realizada em avião. Já tínhamos os contatos das transportadoras em Bogotá, mas nosso trabalho foi facilitado por um motociclista brasiliense - que também ia até o Alaska - e estava dois dias na nossa frente. Quando chegamos à Bogotá, esse companheiro, que nem conhecíamos pessoalmente, já havia adiantado a documentação, reservado hotel e o voo.

Depois de gastar o dia, as duas motos estavam bem amarradas numa plataforma metálica, a documentação organizada, nossas queridas companheiras seguiram até o Boeing 727-200, foram elevadas, movidas para dentro da gigantesca aeronave e as perdemos de vista. Esse modelo de jato foi produzido entre 1963 e 1984.
Enquanto meu amigo e eu vigiávamos as motos a Edivânia, que nunca tinha andado de avião, observava o gigante voador estacionado à sua frente e, quando aproximei, me disse baixinho:
- Meu bem! Esse avião está muito descuidado. A pintura está queimada e descascada. O nome da antiga companhia foi raspado e outro não foi escrito no lugar. Que fitas adesivas são aquelas que estão colando a fuselagem? São fitas para fechar caixas de papelão e não suportarão o vento lá em cima!
- Meu bem! – respondi sem muita convicção e com medo dela empacar e não entrar no avião – Realmente, esse avião parece os ônibus para transportar trabalhadores Rurais. Mas, meu consolo, é pensar que os pilotos devem ter medo de morrer como qualquer trabalhador, por isso relaxa e vamos nessa!
Apesar do tamanho, o avião transportava apenas dois passageiros e só conseguimos seguir os três porque o comandante autorizou previamente a Edivânia viajar na cabine. Por voltas das 22:00 horas, debaixo de uma chuva fina, decolamos.
O voo não demorou mais que uma hora e transcorreu tranquilamente, apesar das condições que o amigo e eu viajamos. Nossa acomodação consistia em dois cintos de segurança e um banquinho estreito fixados na parede que separava a cabine do resto do avião. Na nossa frente, quase encostando aos nossos joelhos e a 50 cm dos nossos narizes, havia outra parede que nos separava do compartimento de carga.
Se fôssemos claustrofóbicos ou tivéssemos medo de escuro teríamos entrado em desespero. A pequena lâmpada do nosso estreito compartimento era quase inútil; a penumbra impedia que enxergássemos com nitidez os olhos um do outro e muito menos identificássemos os objetos amontoados à nossa esquerda. A fuselagem chacoalhava como ônibus velho e um barulho infernal do vento fazia-me recordar, insistentemente, da maldita fita adesiva.

Trágica travessia na volta
Durante o planejamento da viagem visitei diversos blog’s de motociclistas que atravessaram o Darién Gap. Não sei qual a proporção, mas acho que a metade desaconselhava a travessia por barco e a outra metade a recomendava, justificando e ressaltando a beleza das ilhas caribenhas.
No dia do embarque a adrenalina começou com seis homens jogando a celestina numa canoa e depois a transpondo para o barco ancorado longe do cais e das nossas presenças. O comandante e seus auxiliares gastaram em torno de duas horas ajeitando e amarrando as duas motos; a minha Celestina e uma BMW de um Uruguaio residente nos USA.

Às 19:00 horas, o barco medindo uns 12 metros de comprimento e uns 3,5 de largura, zarpou levando três tripulantes e oito passageiros: um uruguaio, três holandeses, um casal de alemães e nós.
No inicio todos disputavam um lugar no pequeno convés ao lado do comandante para apreciar o luar, escutar suas histórias e suas recomendações, entre estas, o perigo de alguém cair na água à noite; seria impossível encontrar um náufrago.
Passadas duas horas, começamos a disputar um local mais seguro na traseira do barco para vomitar. O uruguaio foi o único, entre os passageiros, que não passou mal.
No dia seguinte, por volta das 6:00 horas avistamos a primeira ilha. Apesar da ressaca estomacal, desembarcamos, nadamos e andamos pela a paradisíaca ilha de San Blaz.
Navegamos durante a tarde e paramos para dormir ao lado de outras quatro lindas ilhas. Após o desjejum revezamos no bote inflável para explorar as duas ilhas que nos ladeavam. Na tentativa de alcançar um navio afundado uma onda traiçoeira nos jogou no mar e perdi meus óculos.
Por volta das 14 horas partimos para a última etapa da viagem, que compreendia mais dois dias e duas noites em alto mar. Poucas horas depois, ao entardecer, o capitão avistou uma pequena nuvem escura à nossa frente e nos disse: “Vamos jantar. Aquela nuvem traz uma tempestade e não poderemos ligar o fogão. Ela nos pegará de frente, por isso amarre os pertences e permaneçam nas suas camas”.
Mesmo sem botar fé na tempestade, pois as estrelas começavam a aparecer, jantei, desci para minha cama e comecei a escrever para meu blog. Não demorou muito e o barco começou a se jogar. Desse horário até o meio dia seguinte foi de medo e desespero. As ondas foram aumentando e o barco as enfrentava de frente. Ondas sucessivas levantavam o bico do navio e o colocava na vertical. Quando o navio atingia a crista da onda ele embicava na vertical rumo ao fundo do mar causando a todos uma exclamação: “ai meu Deus! Afundamos”. Outra onda vinha e o processo se repetia. Nosso corpo, além de alternar a verticalidade, sofria, também, com os solavancos laterais.
Após o meio dia a tempestade diminuiu, mas a chuva castigou o restante da tarde. Meu estômago já não aguentava mais comer bolacha, castanha de caju e maçã, mas os jovens nem isso tinham para comer. Até que liderei um motim exigimos que o comandante ligasse o fogão. Além da fome, castigava-nos, também, o calor infernal. A última noite ainda foi turbulenta, mas possibilitou-nos algumas horas de sono.
Ver as luzes de Cartagena, na Colômbia, cintilarem ainda na madrugada foi motivo de comemoração geral. No dia seguinte ao desembarque, caminhando pelas ruas de Cartagena, encontramos os dois alemães e descobrimos duas coisas em comum: tínhamos hematomas e sentíamos o chão balançar como se estivéssemos no navio; como se estivéssemos muito bêbados.
O “motim da fome” abalou a amizade do capitão comigo, mas nunca me esquecerei da sua competência: cuidava do barco como se fosse dele e, com sua experiência, previu uma tempestade escondida numa pequena nuvem. A propósito, esse deve ser o perfil do próximo prefeito de Morrinhos e, por isso, já escolhi o Rogério Troncoso.
Sinomar Godois Tavares, 58 anos
Bacharel em Direito e Ciências Contábeis
E-mail: sinomarg@gmail.com
http://www.facebook.com/sinomarg
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