Ver Versão Completa : Motopangea - De Foz a Havana a la Che
Renan Xavier
30-01-12, 10:47
5 dias navegando - Voltaremos dia 3
Dia 28 de janeiro
http://4.bp.blogspot.com/-ZTsGX8Br-2o/Txjvqy-ruUI/AAAAAAAAArQ/j77p55gUAV0/s600/P1160024.JPG
- Estamos navegando pela costa do Panamá numa pequena embarcação que vai parando para fazer entregas de mercadorias em pequenos povoados. No dia 2 de fevereiro desembarcaremos em Cartí onde já se tem Estrada para Cidade do Panamá;
- Chegaremos a Cidade do Panamá dia 3 de fevereiro, em tese;
- Teremos aproximadamente 8 dias para cruzar 8 países. Missão difícil, devido ao tempo e dinheiro. Assim, a possibilidade de pegar (só nós, sem as motos) um voo no meio do caminho para Cuba é grande;
- Desembarcar as motos em Cuba no dia 12 de fevereiro, para acompanharmos a abertura do congresso dia 13, com elas, é quase impossível, mas temos uma esperança;
- Só após o congresso, programaremos nossa volta ao Brasil. Agradecemos a todos que acreditaram e acreditam no projeto que é o MOTOPANGEA;
- No dia 3 de fevereiro voltaremos a realizar postagens;
Saudações latinoamericanas,
Alexandre Martins, Ary Neto e Renan Peixoto
Renan Xavier
30-01-12, 10:52
Vamos contar alguns trechos anteriores também para que se entenda o percurso e a trajetória...
---
Dia 27 JAN - Puerto Obaldia (Panama)
Passamos a manhã apreensivos, à espera de melhores informações sobre a embarcação grande que chegou a Puerto Obaldia.
Após o almoço, uma conversa com o capitão do barco esclarece: sim, vai a Carti, sai num sábado, depois de ábado, depois de 5 dias está lá.
Nosso dilema inconteste: o tempo, a grana. Soma-se a isso o efeito collateral que a maresia poderá causar no organism do Ary. Sob pressão da decisão, indecesições, brigas, confrontos, entre nós, entre nós e a burocracia local, entre nós e os administradores do barco.
Solução: dois vão de barco com as motos, um vai de voô. Ia. Voos só em fevereiro. Vão os 3, mas incluir o terceiro custou 25 dólares. 450 dólares para levar todos. Não, é muito, não temos, dissemos. 400 o preço final: 250 agora e o restante quando pudermos sacar.
À família, amigos e pessoas próximas um até logo breve, não se preocupem, estamos bem. Daqui a pouco voltamos ao blog.
A você que não nos conhece pessoalmente ou que chegou ao blog agora, aprecie nesse tempo nossas postagens anteriores.
Alexandre Martins
Renan Xavier
30-01-12, 10:57
Dias 23 e 24 de janeiro - Parados (s)em Turbo - do site (http://motopangea.blogspot.com/)
Novamente os acontecimentos serão relatados sob a perspectiva de cada um de nós. Nos desculpem pela falta de fotos, correção ortográfica (problemas com tempo e teclados) e também pelo longo texto, que foge ao que é típico dos blogs. No entando, não era possível economizar palavras para expor nossas impressões no que diz respeito ao que somos, o que vimos, de onde viemos e pra onde vamos.
[Ary] Acordamos cedo, contudo, dormimos bem. Uma combinação rara nessa viagem. A saga do dia era conseguir uma embarcação para Collón, no Panamá. De preferência uma que pudesse transportar ao mesmo tempo nós e as motos. Tarefa dificil, pois esbarra em autorizações, bem como, em trâmites de imigração. Vamos ao porto, quem sabe faz a hora, nao espera acontecer. Iamos e voltávamos num estreito de terra oprimido pelos barracos de madeira, sem rede de esgoto de um lado, e do outro, um braço estático, sujo e com mal odor do mar, abrigo de embarcações velhas, grandes e pequenas, cheias de bananas, madeiras, caixas, enfim, de tudo. Em contraste dessa descrição, circulavam por estes barcos, por estes barracos e pelo estreito de terra um povo de pele bem escura e sorriso bem iluminado. Carregando coisas, cozinhando em pequenas barracas, pilotando motos e conversando em grupos. Muita energia, informação, calor e trânsito... tudo ao mesmo tempo. É o porto de Turbo. Imergimos naquele espaço e começamos a estreitar as relações, perguntávamos, conversávamos, repetíamos os procedimentos do dia anterior. Não veio nenhuma informação otimista, nítida, esclarecedora, pelo contrário, tudo muito enrolado, complicado, nebuloso. Aquele universo que costuma conspirar a nosso favor estava de folga. Ali nada se encaminhou e nós fomos ao encontro de Téo, o contato que já tínhamos. Chegamos no ponto de encontro e esperamos sua chegada. Durante a espera, uma rápida movimentação para providenciar o café da manhã. Téo chega e dá início a uma reunião que relata preços altos e prazos longos. Chegar no Panamá dia 31 de janeiro, no caso do translado não ter nenhuma implicação, já nos colocaria numa posição difícil para cumprir a meta de chegar a Cuba a tempo do congresso. Saímos dali e demos início a uma reunião só nossa, com nossos planos, dramas e dilemas.
[Alexandre] Ter dormido às 8h da noite ontem foi a chave para, apesar de cedo, eu ter acordado refeito e bem disposto no dia 23. O sol, que já é forte logo nas primeiras horas, trouxe-nos a esperança de que a conversa com Teo pudesse ser a solução para o nosso impasse. Entretanto, o que ele trazia, com serenidade e razao, soava-nos como complicadores sérios às bases da nossa saga. Pensando na dificuldade que tivemos de encontrar barcos alternativos, quando de nossas andanças pelo porto no dia anterior, sabíamos que nossa maior chance estava naquilo que o Teo podia nos oferecer. E isso nos dividiu, uma vez mais. Estávamos em Turbo mais ou menos na data esperada, mas nossa permanência nessa cidade, embora bela e particular, poderia comprometer seriamente nossos compromissos. De forma geral, as embarcaçoes existentes no local ou fazem muito o trajeto até Carpuganá, ainda na Colômbia, ou vão de ilha em ilha fazendo descargas, coisa de 8 dias, até um porto antes de Colón. A primeira opção nos era muita arriscada, pois na sequencia teríamos de conseguir outro barco até Porto Obaldia e, de lá, ainda outro mais até Colón. A segunda opção era inviável pelo tempo. Muita gente, no porto, no dia anterior, tinha nos orientado, tentado nos ajudar, explicado, feito a gente ir, voltar, então já tínhamos uma ideia de como mais ou menos as coisas funcionavam. E a fala do Teo era clara: talvez o barco chegue hoje à noite, talvez descarregue amanhã, talvez parta depois de amanhã. Talvez.
[Renan] Turbo um lugar raro, um porto que e a esperanca de um povo , dali sai o sustento das familias , oque nao e tarefa facil porque as possibilidades de trabalho sao poucas e requer muita coragem . Coragem e nao necessidade , porque so por necessidade um ser humano nao carregaria toras de madeira de quase cem quilos embaixo de um sol de quarenta graus ,isso e vontade de viver , so por necessidade seria mais facil se acomodar e morrer de fome. ‘’Fe em Deus e nas criancas da favela’’, fe em Deus , porque acredito na sua justica e nas criancas das porque e a representacao de um povo a margem de tudo que e oprimido e injusticado e mesmo assim nao perde o brilho do olhar a sinceridade e a bondade . A revolucao so sera feita quando concientizar os marginalizados porque eles tem coragem e esses nada temem, aprenderam a viver na selva e matar um leao por dia para levar o pao para os seus filhos.
Talves mostro um pouco de uma revolta social e a visão destorcida que tenho da política e da educação, nao acredito em mascarados de terno e gravata com belo discurso , acredito no trabalhador com feridas nas maos e perseverante que acorda na madruga para mais uma batalha ,‘’guerreiro’’.
Voltando a nossa ida pra Cuba , cheguei a concordar com a possibilidade de irmos pela Venezuela, mas com uma condicao de que ao termino do congresso eu voltaria de moto pelo Mexico fazendo o caminho contrario ate Panama , so que nao teve boa aceitacao e me dei conta que nao seria bom dividir o grupo e desfazer a ‘’integracao’’ , concordamos em continuar com os planos iniciais e se houver outro atraso que comprometerse a data da chegada em Havana, sairiamos de onte estivermos na America Central.
[Ary] O que fazer: correr o risco do atraso e manter no trajeto a América Central? Deixar as motos e ir só na base da mochila? Mudar os planos e ir pela Venezuela que sairia mais barato e menos burocrático? Qual dessas escolhas colocam mais ou menos em risco o projeto? O mais importante é chegar em Cuba com as motos, chegar em Cuba, continuar o trajeto até o último minuto, sendo a superação dos obstáculos mais importante que a própria meta? Discutimos várias possibilidades, vários posicionamentos. As prioridades demonstram não ser tão homogêneas. Diante disso, chegamos a decidir que o grupo iria se separar: Renan e Alexandre iriam pela América Central e eu iria para a Venezuela até Caracas, para de lá partir pra Cuba. Uma decisão sem brigas ou estresses. Todos estavam contemplados e continuavam com sua meta de chegar a Cuba.
Se não tivéssemos o prazo, se não tivéssemos envolvido tantas pessoas no MOTOPANGEA, com certeza a decisão seria mais fácil. Mas agora levamos na consciência as palavras de apoio, a ajuda fornecida por aqueles que estão no Brasil, como também pelos que encontramos pelo caminho. O mundo estava pesado pra carregar. As inúmeras vielas de Turbo representavam uma antítese de movimento e estagnação. Um bom momento para irmos à internet, navegar de forma ilimitada, ou melhor, navegar até acabar a cota de gastos do dia.
Renan Xavier
30-01-12, 11:00
Dias 23 e 24 de janeiro - Parados (s)em Turbo - do site (http://motopangea.blogspot.com)
[Alexandre] As visões diferentes foram surgindo, embora todos realmente considerando a perspectiva do outro. Quando nasceu a possibilidade de uma moto ir para Venezuela e outra para a América Central, tendi para a segunda alternativa, que me parecia mais difícil, certamente, mas era a mais coerente em relação, segundo eu mesmo, ao nosso projeto inicial e em relação a esse movimento constante de enfrentamente de dificuldades que temos vivido. Havendo uma divisão das duas motos, eu continuaria, portanto, na garupa do Renan, rumo a America Central. E assim, divididos e perdidos, fomos tentar achar alguma solução na net.
[Renan] Quando conheci o Ary no iniciu de 2011, o convidei a fazer uma viagem de moto ate o Mexico era uma viagem de lazer em primeiro lugar , mas depois da primeira imprensao que tive na mobilizacao das pessoas em ver algo diferente e uma viagem de aprendizado pratico, meu foco nao seria o mesmo, ‘’ yo no soy yo , no o mismo de antes’’ , agora temos uma necessidade e um comprometimento com as pessoas que nos ajudam e isso fara com que esse sentimento de solidariedade nao morra e quando voltarmos possamos ser um agente em nossa sociedade . As pessoas que nos ajudam , quero conhecelas e poder apertar suas maos e agradece-las olhando nos olhos , muito obrigado porque esse projeto nao existiria sem voces.
[Ary] Na internet nos deparamos com novas contribuições, incluindo uma do amigo motociclista Valdir, que hoje mora no Estado da Paraíba e que em 2015 e 2016 fará uma viagem de moto por todo o continente americano. Também recebemos uma contribuição do amigo Milton, de Foz do Iguaçu, contato do Moto Grupo Lobos Missioneiros. Muito obrigado camaradas que, mesmo não nos conhecendo pessoalmente, acreditaram em nós e em nosso projeto. Cabe dizer que na contribuição de Valdir estava discriminada sua utilização, no caso, a travessia para o Panamá. Assim, isso implicava na minha decisão de ir pela Venezuela. Mais uma vez, os 3 seguiriam juntos e por um mesmo caminho. Além dos emails respondidos, também conseguimos fazer um teste em nosso blog – transmitimos ao vivo por uns 15 minutos. Todavia, o chat da plataforma de transmissão (ustream) não estava disponível, assim, as pessoas nos enviavam perguntas e dizeres via facebook. Foi divertido! E também, mais uma possibilidade de comunicação.
[Ary] Sobraram 14 pesos e o almoço para 3 custaria 19. Tudo bem, nada que mais uma barganha não resolva. No entanto, teríamos que cambiar mais uma quantia em dólar... ao contrário de todo o apoio que tivemos no trajeto colombiano, aqui nos sentimos só. Sozinhos e parados.
[Alexandre] Depois de tanto trânsito, tanta ação e tanto movimento a espera impunha agora uma pausa, um descanso tenso, uma inércia entediante. Mirávamos o Sul e víamos passar Argentina, Chile, Peru, Equador e Colombia. Estávamos prestes a deixar a parte setentrional do continente, mas sem tanta convicção de quando estar na parte central. As notícias que vinham pela net nos acalmavam, pois, com as doações que estavam surgindo, pelo menos teríamos a chance de tentar ir pela America Central. Um salve muito especial ao Valdir e ao Milton! Obrigado, camaradas! Cem anos antes talvez não encontrássemos tanta dificuldade de acesso à regiao central da América. Panamá era também Colômbia. Pena termos vindo um pouquinho tarde.
[Renan] bacana poder ‘’falar’’ com os amigos, saber que estam torcendo pelo motopangea , valeu galera tamos juntos...
[Ary] O acordo seria ir pela América Central, mas partir para Havana assim que chegasse a data de congresso. Acordo firmado. Para brindá-lo procuramos a praia. Quarenta minutos de caminhada e o Atlântico mostra sua cara, nos dá um oi. Praia mesmo não havia, a faixa de areia era muito tímida, na maioria das vezes inexistente. Um dia cheio, sobretudo, de pensamentos. Quanto mais cedo dormisse, mais cedo chegaria um novo dia, uma nova esperança. E assim foi.
Dia 24 é um novo dia, com uma história velha. No porto, as mesmas informações truncadas. De novo, apenas o contato com um brasileiro que saiu do Brasil aos 14 anos e que mora na Colômbia outros 14. Gustavo é seu nome, um cara simpático, que encontrou na gente sua raíz, seu passado... parecia satisfeito ao caminhar com 3 brasileiros em meio a multidão. Eram 4 brasileiros. Caminhávamos e Gustavo ia parando e trocando ideia com os barcos, ganhamos um apoio, mas por enquanto nenhum acordo firmado.
[Alexandre] O dia 24 chegou quente, preocupante. Saímos caminhando pelo porto e, em mais um desses acasos com os quais temos topado, trombamos com o Gustavo, que também é chamado de Brasil ou de Ronaldinho Gaúcho. Achamos que ele resolveria nossa situação, mas, apesar de todo o seu empenho, acabamos o dia de novo de mãos abanando. Ligamos para o Téo, que pediu para ligarmos amanhã á noite. Almoçamos macarrão feito pela Dona Maria. Com a noite chegando, eu e Carioca fomos tentar colher informações na base naval de Turbo, saber se de repente algum navio militar poderia nos dar uma ‘carona’. O militar nos explicou muita coisa, entre elas que era impossível esse trajeto via marinha colombiana, já que ela nao teria autorização para entrar em territorio panamenho. Voltei e deixei o sono me levar, enquanto o Carioca saiu para estourar o dedo numa pelada defutebol.
[Renan] andavamos pelas ruas bera mar com ‘’meirmao’’ brasileiro , Gustavo, maluco gente fina que fez de tudo pra nos ajudar , mas infelizmente nao conseguiu um transporte maritimo ate Panama.
[Ary] Fomos no encalço de Téo, seria melhor fechar acordo com ele e só chegar no dia 31 no Panamá, do que continuar no incerto. Tiro n’água, pois Téo não estava e também não deixou ninguém cuidando de seu escritório. Enquanto os meninos ficaram lá, esperando-o, voltei para nossa casa temporária, que parece muito com a vila do Chavez, onde os quartos se organizam num quadrangular, formando um pátio ao centro, contendo inclusive um poço e um barril. Poucos minutos passados e D. Maria me bate a porta e diz – Pague o aluguel (ou algo assim). Disse que cambiaríamos o dinheiro e já efetuaríamos o pagamento do dia. Dona Maria é uma mulher firme, de gênio forte, mas gente boa... até preparou um macarrão pra gente, que já vínhamos carregando desde Pachacamac. Valeu a pena.
Alexandre e Renan retornam e almoçam. Juntei umas moedas e fui para uma horinha de internet. Neste tempo, leio várias mensagens da motocilista Andressa (que sempre nos acompanha e ajuda, uma vez que, já fez esse trajeto um ano antes) dizendo várias coisas, mas duas que nos impactaram mais: a boa que seria a possibilidade de ir de El Salvador para Cuba, visto que a primeira dama é brasileira e costuma apoiar esse tipo de projeto, a outra e má consiste no ingresso a Nicaraguá, onde cada um teria que pagar 200 dólares.
Quanta informação, quanta coisa a se pensar. Alexandre e Renan foram na base naval da cidade tentar alguma coisa. Permaneci no quarto 16, pensando e escrevendo. Na volta deles, sem grandes novidades, continuamos a conversar sobre o que fazer... as divergências continuam. Mais uma coisa é comum a todos, ninguém mais aguenta ficar parado. Nos acostumamos ao movimento, ao dinâmico, ao transitório. Mais um dia em Turbo, menos um dia para chegar a Cuba.
[Renan] A base naval so nos informou oque eu ja sabia e disse que nao pode nos oferecer nenhuma ajuda, pois apenas tomam conta da costa , nao tem embarcacoes que vai pro outro lado , beleza noticia ruim , mas bola pra frente . Falando em bola vi uma molecada que jogava futebol e pensei a me juntar a eles , deixei o Ale ‘’em casa’’ e voltei para o campo , joguei mais de uma hora e me integrei bem ao time, que bom ja estava com falta disso.
Renan Xavier
31-01-12, 11:36
Do Início... (Matéria do ClickFOZ)
...
Estudantes da UNILA encaram o desafio de percorrer dez mil quilômetros com duas motos 125 cc
http://1.bp.blogspot.com/-j5IVhka610A/TuftwFI6v6I/AAAAAAAAAcc/myZD2WRcu_o/s400/Foz+do+Igua%25C3%25A7u+-+Havana+de+Moto.JPG
Foto: Garon Piceli
Em fevereiro vai acontecer em Cuba um congresso estudantil e três universitários da UNILA resolveram participar do evento, mas o percurso escolhido para chegar até lá não será convencional, deixaram de lado o conforto e a praticidade dos vôos comerciais e vão encarar o desafio de moto. Serão 10 mil quilômetros percorridos em aproximadamente dois meses.
Alexandre Martins, Ary Neto e Renan Peixoto têm em comum, além de estudarem na mesa universidade, a paixão por motocicletas. Antes de se conhecerem cada um já tinha tido sua própria aventura sob duas rodas, e após meses de conversa resolveram encarar um desafio juntos.
Os três venderam itens pessoais, trabalharam em vários empregos alternativos para juntar dinheiro para a viagem, Ary Neto, por exemplo, passou um tempo vendendo alfajor, enquanto Renan Peixoto trabalhou cortando grama. Alexandre chegou a vender um carro. Finalmente conseguiram o dinheiro para as motos.
Na verdade, conseguiram R$5 mil para comprar duas motos. Foi o dono da revenda João Motoca que colaborou com esta parte da viagem, ele vendeu duas motos que custavam R$3.300 cada por R$5 mil as duas. De acordo com Peixoto “ele disse que gostaria de ver as motos viajando”.
Muitas pessoas acreditaram no projeto e ajudaram de alguma forma, os estudantes montaram um blog para divulgar a viagem e detalhar cada processo, estadia, alimentação, documentação, combustível, está tudo documentado no blog. Inclusive uma prestação de contas de todas as pessoas que colaboraram e como eles usaram ou vão usar o dinheiro arrecadado.
Além das doações feitas diretamente, eles também estão contando, mais uma vez, com a ajuda da internet, através da Vaquinha Online, basta acessar o blog (http://motopangea.blogspot.com) e ter mais informações sobre as contas bancárias para depósitos.
“Se a gente for pensar em voltar o projeto é muito grande, temos o dinheiro pra ir, e depois a gente vê como vai fazer”, afirmou Ary Neto. Para toda a viagem eles precisam de R$14 mil, até agora conseguiram R$9 mil e deste R$5 mil foi usado para comprar as motos. O restante eles precisarão para se alimentar e abastecer durante o percurso.
As motos de 125 cilindradas não são apropriadas para viagens longas, por isso, o percurso será feito dia sim, dia não. Por dia eles pretendem percorrer de 220 a 520 km. No total serão 10 mil quilômetros em 60 dias. Eles vão passar pela Argentina, Chile, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador, México e finalmente Cuba.
Como o objetivo final da viagem é participar de um congresso estudantil em Havana, os estudantes tentaram pedir ajuda da UNILA para arcar com o valor das inscrições, mas de acordo com eles, não foram atendidos.
Alexandre Martins, 33, é de Rio Preto, SP e estuda Relações internacionais, Ary Neto tem 27 anos, é de Santo André, SP, estuda Antropologia, Renan Peixoto, 21, é de São Gonçalo, RJ e estuda Desenvolvimento Agrário. Para saber mais e colaborar com a viagem basta acessar o blog MotoPangea (http://motopangea.blogspot.com).
Renan Xavier
31-01-12, 11:38
Primeiro dia - 15/12 - San Ignacio
http://2.bp.blogspot.com/-D8n5MnUSTL0/Tuwgkf33p6I/AAAAAAAAAdQ/oPggzDQ9X8g/s400/PB270016.JPG
Partimos hoje por volta do meio-dia de Foz do Iguaçu, carimbamos o passaporte na saída do Brasil e registramos na fronteira argentina de Puerto Iguazu nossa entrada no país. Nosso passo inicial foi providenciar a 'Carta Verde', já que fazê-la do lado brasileiro custa quase seis vezes mais caro. Em seguida, almoçamos um alternativo pão com queijo e suco sabores pêssego e multifrutas, saboreados sem auxílio de copos e talheres. Enquanto nos alimentávamos improvisadamente sobre a calçada da rua Bonpland, quase fomos autuados por um guarda argentino que nos orientou a não deixar as motocicletas muito perto da esquina. Pegamos a estrada. Após cerca de 160km, abastecemos a primeira vez em Puerto Liberdad e 40km depois fomos parados por uma comitiva do exército argentino, que nos liberou rapidamente, embora não botando muita fé que pudéssemos chegar a Cuba de motoca 125cc. A foto abaixo é do fato.
http://2.bp.blogspot.com/-1gB_x83S_4w/TuwhpHqEUCI/AAAAAAAAAdY/NjmjxhyDsqI/s400/PB270036.JPG
Na segunda parada somente tomamos um café argentino, que não é muito forte, mas ajudou a minimizar o sono vespertino que nos acometeu. No YPF, onde fizemos o 'café da tarde', encontramos três motoqueiros argentinos, de Córdoba, que também estão rodando pela América, embora em outra direção. Por eles, ficamos sabendo de um maluco que foi da Argentina ao México de biz. Ficamos, então, bem tranquilos com nossa empreitada. Eis nossos mais recentes colegas:
http://4.bp.blogspot.com/-BYx96eUdXcw/TuwjE7x1WoI/AAAAAAAAAdg/uYeJ6ab1C5c/s400/PB270042.JPG
Alguns perrengues com a moto apareceram, mas temos no grupo um mecânico de prima que logo resolveu os problemas de vazamento de óleo de uma moto e de falhas de aceleração da outra. Entre uma parada e outra, chegamos à noitinha em San Ignácio, onde nos dirigimos diretamente a um restaurante para pedir que ligassem no celular do nosso contato na cidade. Entretanto, até o momento desta postagem, o contato com nosso anfitrião voluntário ainda não tinha obtido êxito, então viemos para uma Lan postar esse comentário e tentar localizar o tal Marcelo Sanches, nosso amigo desconhecido. Na impossibilidade de encontrá-lo, já estamos prontos para acionar nosso plano B, que é o de pedir estada no corpo de bombeiros ou em alguma igreja. Um grande SALVE aos nossos familiares, namoradas, namorados, amantes, tico-ticos no fubá, amigos, inimigos e conhecidos. Estamos todos bem. Cansados deste primeiro dia, mas bem. Beijos a todos. Alexandre, Ary e Renan.
http://3.bp.blogspot.com/-gd1gurJVrXw/Tuwj_JrtMUI/AAAAAAAAAdo/xjRfB04MozE/s400/PB270048.JPG
Redigido pelo Alexandre em Motopangea (http://motopangea.blogspot.com/search?updated-max=2011-12-23T13:34:00-02:00&max-results=12&reverse-paginate=true).
Renan Xavier
31-01-12, 11:41
Resistencia e Resistência, a segunda acentuada
17 de dezembro de 2011
Após um périplo atrás de nosso contato em San Ignacio, conseguimos enfim conversar com Marcelo Sanches e descobrimos que ele está viajando para Posadas, 60km de onde estamos. O jeito foi pedir ajuda a Deus: fomos à paróquia da cidade e depois de muito buzinarmos, batermos palma e gritarmos, conseguimos conversar com o padre Ernesto que após uma longa argumentação de nossa parte autorizou-nos a dormir no saguão da paróquia. Lugar rústico, mas o suficiente para esta primeira noite. Sem banho e degustando apenas algumas amêndoas como janta e ceia, adormecemos. Um salve ao padre Ernesto. Obrigado pela estada desta noite, Ernestos à parte.
http://4.bp.blogspot.com/-8BLhUa9VP5M/TuycmHIzcII/AAAAAAAAAdw/1JnmsDMsLNY/s600/PC150006.JPG
Acordamos às 8h00min, fizemos a higiene matinal, tomamos nossa café da manhã regado a algumas castanhas do pará, carregamos um freezer para o padre Ernesto, agradecemos a estadia na paróquia e fomos direto à oficina Willis, do amigo argento-germânico Guillermo Schlender. Depois de 2 horas de tratamento intensivo, as motocas foram retomadas com a saúde supostamente perfeita. É preciso registrar um salve especial a todos da oficina e um ainda mais especialíssimo ao Guillermo, que autorizou o mecânico Leo a dar uma geral nas nossas motocicletas. Depois, com a ajuda de Matias, um camarada gente boa que conhecemos na oficina, chegamos às ruínas jesuíticas de San Ignacio, onde não entramos pois o ingresso individual custa 40 pesos, valor que temos de direcionar para o combustível, alimentação e prováveis hospedagens pagas. Chamou-nos a atenção a curiosa presença de possivelmente povos guaranis à porta do parque, pedindo moedas a turistas que justamente vêm apreciar uma edificação erguida exatamente para a catequização deste povo originário. É o presente em irônica e triste tensão com o passado, separados por ingressos de 40 pesos.
http://2.bp.blogspot.com/-wlnTaztOQvs/TuydSZrcwzI/AAAAAAAAAd4/d7eeKhyxP9o/s800/PC160012.JPG
Após, pegamos a estrada para em seguida ficar alguns bons minutos parados em uma fila de abastecimento no posto YPF e novamente partimos. A gasolina aditiva desta bandeira causou melhora no desempenho da Pamamá e Panamina, como carinhosamente resolvemos chamar as motocas que nos levarão a Cuba. Próximo do crepúsculo, com o estômago urrando, paramos à beira da estrada, onde o Carioca, passando óleo de peroba na cara, foi pedir a alguma alma caridosa pão e leite. Na primeira casa conseguiu o pão, na segunda o leite e - mais – um pote de doce de leite (argentino!), com o que nos regalamos. A solidariedade é um gesto? Está na cultura? É humana? Nacionalidade certamente não tem. Algumas culturas podem desenvolvê-la mais outras menos, mas pareceu-nos que diante do pedido sincero, há oferecimentos em retorno tanto quanto sinceros. Um salve aos nossos patrocinadores anônimos desta nossa janta de hoje. Depois de muito rodar, chegamos a Corrientes, bela e grande cidade, conectada com sua vizinha, Resistencia, por meio de uma quilométrica ponte aos nossos olhos mais ainda bonita pelo fato de termos sido brindados com a chegada à noite, o que favoreceu a apreciação da iluminação longilínia. Desta vez sem nenhuma dificuldade fomos recebidos pela Vanessa e sua filhinha, Morena, nossas anfitriãs nesta pujante cidade cujo nome é até agora e deverá ser até o fim da viagem a síntese de nossa saga: Resistência.
http://3.bp.blogspot.com/-JRBkzRTezu4/TuyeG19MofI/AAAAAAAAAeA/Epo3b3Ijds0/s800/PC160020.JPG
Renan Xavier
01-02-12, 11:35
17.12.2011 – Pampa del lnfierno
Despertamos por volta das 10h. Após dois dias, foi possível tomar um banho decente aqui na residência da Vanessa, em Resistencia. Conseguimos também atualizar nosso blog usando a internet sem fio da vizinhança à livre disposição no local. Um salve para a Vanessa, pela hospedagem de hoje e pela net. Muito obrigado!
http://2.bp.blogspot.com/-vLpDIpOG7XQ/Tu9y8CPDEAI/AAAAAAAAAeI/qMkTUKQQYnE/s800/PC170073.JPG
Fomos procurar uma quitanda para fazermos um desjejum frugal. Uma placa anunciava bananas por 0,99 pesos o quilo, mas no ato da compra percebemos que por este preço só levaríamos as podres. Então, com 10 pesos, garantimos nosso café da manhã e almoço: três bananas para cada um mais uma maça e meia. O Renan arrumou uma treta com um senhor argentino depois de ter jogado casca de banana no vaso de planta em frente da loja dele, mas não acabou em nada. Por 20 pesos, compramos uma vela de reserva caso a da Pamamá ou a da Panamina miem no caminho. E deixamos Resistencia.
A rotina de parar, abastecer, parar, descansar, parar, cochilar, parar, conversar, parar, pedir água, parar, pedir comida é uma constante para quem viaja nas condições em que estamos. A região plana do chaco argentino somada com o sol fumegante da tarde é uma combinação perfeita para a proliferação do sono. Por isso, temos parado muito. E nessas paradas temos contemplado belas paisagens que passariam despercebidas se vistas na absurda velocidade média de 70km de nossas motocas.
http://2.bp.blogspot.com/-kLTwSm-p938/TvKjbXp9-kI/AAAAAAAAAeo/gYRDkdnv-K4/s800/P1030717.JPG
Almoçamos uma doação de pão com carne acompanhada de refri sabor Pomelo. Um salve a Maria, do Bar Comedor, pelo alimento e ao caminhoneiro amigo que doou o refri. Mais estrada intercalada com mais descanso para os pés, que formigam, para as costas, que arquejam, para os olhos, que ardem. À tarde, parada para água e integração rápida com a comunidade local.
O fim do dia foi chegando e fomos brindados com abundantes paisagens de plantações de girassol, à la Van Gogh. Paramos para contemplações. Interessante ver o sol se pondo e as plantas, dando-lhe as costas, curvarem-se insinuando ao mesmo tempo reverência pelo astro maior e indignação pela sua saída, como crianças bravas fazendo birra diante da saída dos pais ao trabalho.
À noitinha, chegamos a Pampa del Infierno, que de inferno só tem mesmo o clima quente, daí o nome. O povo é fenomenalmente solidário, ou pelo menos foi com a gente. O Renan conseguiu para nossa janta pão com mortadela (muita!) num lugar e leite em outro. Sentamos no banco de uma simpática praça e comemos no Inferno o pão que o diabo não amassou. Em seguida, procuramos a igreja da cidade infernal para angariar nossa hospedagem. O padre estava viajando e chegaria tarde, conforme um grupo de garotos soube por celular e nos informou. Ficamos de bobeira em frente à igreja, aguardando a chegada do beato. Foi quando apareceu o amigo Jorge, que nos informou de um encontro de motoqueiros que haverá amanhã aqui na região do Inferno. Depois de fotos e conversas trocadas, Jorge conseguiu para nós uma hospedagem num hotel abandonado, além de ter arrumado 100 pesos para a janta que já tínhamos feito. A grana será usada para a gasosa (temos 240 pesos, metade do que nossas motocas consumirão para sair da Argentina). Terceiro dia completado.
Renan Xavier
01-02-12, 12:04
18.12.2012 – Motos tunadas
Nosso quarto dia começou tarde, pois na noite anterior decidimos calibrar nosso roteiro em virtude do gesto e do convite do amigo Jorge. Assim, pudemos nos dar ao luxo de repousarmos até o avançado da manhã, já que optamos em acompanhar o Jorge e sua equipe no encontro de carros e motos tunadas na cidade vizinha, Concepcion del Bermejo. O Renan foi o primeiro a acordar e logo em seguida saiu a garimpar nosso café da manhã, que resultou num pão grande, e só. Quando retornou, confraternizamos o alimento. Temos até agora contrariado o dito de que não só de pão vive o homem. Ficamos de bobeira até por volta das 13h, quando o Jorge veio ao local onde nos hospedamos e nos levou até a casa dele. Lá conhecemos seu pai, com quem conversamos por mais de uma hora, quando fomos premiados com um almoço de sultão: dois ovos fritos, batata frita, uma bisteca cabulosa, pão à vontade, refri e, *******!, até uma Brahma. Que bueno! Um salve para Jorge e sua família. Salve Jorge! Evoé! Viva a integração!
Na parte da tarde, acompanhamos a preparação das motos com as quais a equipe do Jorge participará do encontro dos motoqueiros. Passamos umas boas duas horas conhecendo as motocas e trocando ideia com toda a galera. Gente boa da porra esse pessoal! Para somar com o Pomelo de ontem, uma outra novidade gustativa em nosso paladar: coca-cola com fresnet, uma bebiba italiana um tantinho amarga que além de tudo ainda facilita a digestão.
http://3.bp.blogspot.com/-aTvYV-3bagk/TvKpgGm2srI/AAAAAAAAAfA/CAlD2RGtB2A/s800/P1030803.JPG
O Carioca se esbaldou andando de bike pequena e motoca grande dos donos da casa. Depois, fomos ao evento das motos tunadas, onde inserimos nossas 125cc no meio da equipe no Jorge. Após muito som e muito titum-titum pra lá e pra cá, resolvemos partir. Às 20h deixávamos Concepcion del Bermejo a caminho de Taco Pozo, distante 250km. Às duas da manhã chegamos, depois de uns perrengues com a bateria descarregada da moto do Renan e depois de termos supostamente ouvido ursos quando paramos para dar um tranco na moto sem bateria. Em Taco Pozo tivemos de usar pela primeira vez a barraca salvadora do Renan: dormimos na praça da cidade, após tentativas frustradas de hospedagem grátis. Angariamos mais uns pães e, antes de dormir, um guarda local colheu nossos números de passaportes para averiguações. Seu guarda, eu não sou vagabundo, eu não sou delinquente, sou um viajante carante, eu dormi na praçaaaa!!!
http://4.bp.blogspot.com/-TFpjV3yS7aA/TvKoY0c7_ZI/AAAAAAAAAe0/Y9DLcU62i4o/s800/P1030758.JPG
Se fôssemos uma equipe médica, o Ary seria o responsável pelo pré-cirúrgico, o Renan pelo cirúrgico e Eu – Alexandre – pelo pós-cirúrgico. O primeiro é detalhista, organizado e estratégico, bolou todo nosso projeto e elaborou toda a rota. Sem ele, dificilmente sairia este projeto. Seria Ary o cirurgião que calcularia toda as operações e, além disso, também faria a própria cirurgia, assim como pilota uma das motocas, além de ter feito todo o plano da viagem. O segundo é o homem da ação, da prática e da solução. Temos chamado o Renan de santo desatador de nós, embora o danado também seja um atador de nós de mão cheia, incumbindo-se sempre de fixar nossa mochila na garupa da Pamamá. Seria Renan o cirurgião que de fato interpõe sua mão na carne corpórea, acompanhado sempre do Ary, pilotos cúmplices. O terceiro, eu, sou o homem da reflexão, do devaneio e da metafísica, sou o que acompanha tudo para depois tentar uma tradução linguística. Na cirurgia, eu ficaria como suporte dos dois, entregando instrumentos para que a cirurgia tivesse sucesso. De vez em quando, ouso mexer um pouco no corpo anestesiado. Encarrego-me pela elaboração de relatório sobre o sucesso ou insucesso das cirurgias. O bom de tudo é que nessa tríade de vocações e habilidades diferentes formamos uma pirâmide sólida que funciona bem somente se junta e em harmonia, apesar das tretas frequentes.
Rumo a Purmamarca.
Renan Xavier
06-02-12, 11:48
AGORA ! 06 de fevereiro
Olá amigos!
Farei uma nota rápida, visto que agora será impossível contar com detalhes tudo o que ocorreu nos últimos dez dias. O mais importante é ESTAMOS BEM. Chegamos em Panamá City, todavia, sem as motos... ficaram na selva, encalhadas, mas isso é uma longa história que vamos contar muito em breve.
Agora que chegamos num porto seguro, vamos ler todas as mensagens, falar com nossa família e dar seguimento no projeto.
Agrademos a todos! Fiquem tranquilos.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
06-02-12, 11:51
Dias 25 e 26 de janeiro - Enfim saímos de Turbo, rumo ao Panamá
Segue o relato desses dois dias que ainda estávamos devendo. O dia 27 já foi relatado. Em breve de 28 a hoje, dia 5 de fevereiro. Caramba! Estamos atrasados. Culpa do Panamá que possibilita acesso wifi às pessoas que estão caminhando pela selva.
25 de janeiro foi pra gente uma quarta-feira modorrenta, lenta, passamos o dia todo dentro do quarto, a maior parte do tempo em silêncio, sonolentos, e uma outra pequena parte continuando a cogitar como sairíamos de Turbo. Alimentamo-nos basicamente de banana, aveia, pão e leite. No apertado quadrilátero de nosso quarto, íamos ruminando ausências, saudades e possibilidades. Ritmado com o movimento lento que a trituração seca da banana com aveia impunha aos dentes, eu tentava também digerir toda a afetação presente e futura que essa viagem me causava. Certas escolhas anulam outras. Esta era uma lição antiga, mas certeira. O grau de interferência e intersecção que os lugares por onde passamos e as pessoas com quem cruzamos tiveram sobre mim, sobre nós, ainda não podia ser mensurado, apesar de toda a minha tentativa de forçar um distanciamento, para, naquele momento, extrair uma avaliação racional desta viagem. Da mesma maneira, as exclusões que a decisão de partir implicou também me chegavam nebulosas, sem a clareza do que tais perdas significavam exatamente. As duas coisas me doíam, de qualquer forma. Um homem todo dia se vê diante da paradoxal escolha entre ficar ou partir, entre permanecer inteiro ou se partir, entre ser ou não ser, entre voar ou mergulhar, entre querer ou beber, entre sonhar ou parar, entre andar ou dormir. Independentemente da escolha que cada um faça para si, que é sempre a melhor, há que se ter sempre em mente a necessidade da coragem pela escolha da própria felicidade ou infelicidade. Nossa solidão a três trazia à tona devaneios pseudo-filosóficos como esses. E às vezes, juntos, ousávamos expôr com mais profundidade esses pensamentos-sentimentos, normalmente responsáveis por um cada vez maior amadurecimento de nossa amizade tão compacta no tempo e agora tão alargada no espaço. Sim, esta era também uma viagem em direção a nós mesmos. O que cada dois do trio podia ajudar o terceiro a pensar sobre si mesmo parecia-me possível somente na experiência interna de um núcleo familiar. E nós, sem consaguinidade, nesse movimento coletivo, íamos compondo, externamente, uma viagem geográfica, física, sobretudo visual, e internamente, uma outra, metafísica, filosófica, sobretudo psicológica.
http://1.bp.blogspot.com/-J1QQcenV32s/Ty57q0EuHNI/AAAAAAAAAuA/DsfWCJ7xwec/s600/P1040695.JPG
À tardinha, eu e Renan resolvemos especular informações no porto, cansados todos que estávamos de esperar a chegada de notícias. Daqui, dali, sempre as mesmas coisas. Retomando uma ideia inicial, indagamos ir para Capurganá primeiro. Já noite, obtivemos informação de que uma lancha sairia nesta direção às 5h da manhã do dia seguinte. E poderia levar as motos. Tínhamos de estar ali de madrugada para as negociações do momento. Voltamos para a residência da D. Maria e conversamos com Ary, que tinha feito algumas atualizações na net. Resolvemos tomar uma breja para amenizar um pouco o clima que aquela decisão parecia exigir. Duas pequenas, eu. Uma, o Ary. Um Malte, energético, para o Renan, que não bebe, e outro para o Ary. Pronto, chega de bebida. Os pontos de vista foram colocados. Mais filosofia barata na mesa. Eu insistia em discutir incômodo existencial; para Renan isso era coisa de quem não tinha o que fazer; Ary defendia a vida como a fuga da dor e a busca do prazer. E um assunto puxava outro e íamos falando de religião, de política, de sociedade, de alegria e de dor, e de amor, tudo misturado, numa profusão que mais revelava uma sessão terapêutica coletiva do que propriamente um papo de boteco, se bem que estávamos ali com o dinheiro e o tempo contados, não sendo, portanto, um papo de boteco normal. Enganamos o tempo, e o sono, afinal, chegou cedo. No fim das contas, resolvemos pelo menos ir ao porto às cinco da manhã, com as bagagens todas arrumadas, e analisar a situação.
Às 4h20min do dia 26.01 o celular nos acordou. Cinco e meia estávamos no porto. Negocia, renegocia, tenta, chora e vamos os três mais as duas motos por 250 dólares. No caminho, muito solavanco, os mesmos sobe-e-desce das motos nos morros, só que agora curtos e molhados, a imensidão curvilínea e traiçoeira do mar à frente, feito boca gigante pronta para nos tragar. Medo? Eu, um pouco sim. Não sou do litoral, o mar me chega mais estranho ainda que o sólido chão do deserto à noite. Para Carioca tudo pareceu familar. Ary ficou apreensivo, mas aproveitou acho que mais que eu. Os trancos do barco afetaram drasticamente as motos, o guidão de uma entortou, o báu quebrou, lanternas foram pro saco, o sal escorria no corpo metálico das máquinas. Com uma mescla de apreensão e diversão, foi assim que desembacamos em Capurganá, ajudados pelos locais, que depois exigiram sua gorjeta.
No belo povoado, penúltimo da Colômbia antes do Panamá, demos saída do país no setor de migração e quase que de imediato conseguimos uma outra lancha para nos levar a Porto Obaldia. Acertado o preco, 80 dólares por todos, partimos para mais uma experiência no mar, um pouco revolto, segundo falas dos populares. Pouco depois da hora do almoço, desembarcávamos em Obaldia, uma espécie de ilha protegida 24h pelo exército panamenho. A saída das motos foi evento à parte; limito-me a dizer que elas acabaram molhando os pés e as mãos na prainha onde as descemos no Panamá. Fiscalizações, duana, migração. Depois dos trâmites, a consciência da realidade. Um grupo esperava um barco fazia já 8 dias. Vôos não havia. O preço para sair de lancha, para uma pessoa, era de 100 dólares. Nós tínhamos 300. E tínhamos que levar nossas motocas juntas. No local não há lugar para sacar grana. O que fazer? Aguardar. Comer pão com uns restos de dólares que o Renan nem sabia que tinha. E esperar. O Ary foi cochilar. O Renan nadar. Depois de um tempo tentando dormir, resolvi também jogar sal e água no corpo, para tirar um pouco da urucubaca. Coisa de meia hora. Depois, até o dia virar noite fiquei ali, estatelado feito um camaleão, esperando o sol alterar a cor molhada das minhas roupas e da minha pele. Nas cercas de três ou quatro horas que fiquei ali, mais questionamentos pueris, como criança insistentemente indagando os pais sobre a espetacularidade de tudo. Olhando para frente eu via a linha do horizonte e, para além dela, intermediada por uma densa camada de névoa, eu via a silhueta de montes, que mais me pareciam portais de entrada para um universo místico do qual eu descria em absoluto. Da minha esquerda vinha, nos intervalos em que nuvens mais escuras não se interpunham ao sol, um calor suave da brasa acesa no céu. E era bonito ver o calor e a luz se acabarem com a nuvem escura tampando o sol. E mais bonito ainda apreciar a saída lenta da mancha preta da mira da bola de fogo; o efeito na água era ímpar: era um líquido inflamável jogado sobre o mar, aceso a partir da serra longe e fazendo um caminho rápido até o ponto em que eu estava sentado; à proporção que a nuvem saia do olho do sol, a água salgada pareceia incendiar-se do mais longe para o mais perto de mim; a água dava vida ao raios solares; sobre ela e com ela os raios bailavam uma dessas danças mais belas se desempenhadas por casais; e os raios solares esticavam seus longos braços até as mãos se encaixarem com os dedos esguios das ondas salgadas e, aí, juntos, inflamavam-se, e saiam da serra e vinham até a mim, beijavam-me, e ficavam aí, dançando suave, até a próxima nuvem aparecer. Do meu lado direito, era a cauda branca do vestido matrimonial do mar que eu via e ouvia chicotear nas pedras. Era um chicotear de quem teria posto o alvo do chicote na ponta de um rochedo e que, apesar de saber da impossibilidade de derrubá-lo, jamais desistia de tentá-lo. Era a arrebentação. Ao contrário de uma mesa de bar, o convite do mar é sempre para pensamentos circulares, que vão indo e vindo num espiral sem fim até que se esgotem por si mesmos ou se esvaiam no estado contemplativo e nirvânico em que normalmente nos encontramos quando sozinhos, diante daquele mundaréu de água. E eu pensava obsessivamente na vida, na morte e no amor. Mas isso não é assunto para desenvolver nesse blog. De vez em quando, parado, olhando aquela aguaceira interminável, eu também pensava que talvez pudesse ter sido um momento como esse em que eu me encontrava que por ventura tenha vindo a gerar à gênese portuguesa e espanhola em meter-se no mar. Tendo diante de si o desconhecido liquido pela frente e o conhecido sólido para trás, parece-me certo pelo que uma alma inquietante do século dezesseis teria optado. E também me parece uma realidade que o mesmo dilema ainda permanece no século 21. Entretanto, temos preferido olhar para trás, contentes com a solidez do caminho já percorrido.
http://4.bp.blogspot.com/-CkOwM5dDbpY/Ty58fl7sclI/AAAAAAAAAuI/kuZLpnaOwKc/s600/P1040704.JPG
Renan Xavier
07-02-12, 11:08
Dia 28 - Içar velas marujos!
Dia 28 seria o dia da espera, visto que a embarcação que nos tiraria dali partiria apenas na manhã seguinte. Seria mais um dia com habilidosos gastos - poucos dólares deveriam alimentar três. Seria mais um dia para vencer o desafio que era encontrar um lugar para cagar (pensei numa palavra rebuscada, mas do que vale uma cagada com requinte?). Seria mais um dia para fazer o tempo passar ou deitar e esperar que ele passasse sozinho.
Buscar água para beber; água para escovar os dentes; comprar o pão, digo pan, e também o leite. Procedimentos que exigiam uma caminhada por duas pequenas quadras, ou seja, cinquenta por cento do vilarejo. Estávamos nos adaptando ao lugar e o lugar se adaptando a gente. Éramos os brasileiros que viajavam em duas pequenas motos e que precariamente se instalaram naquele quiosque desativado e que esperavam um barco, esperavam o barco.
Renan já tinha pescado e estava assando seu peixe. Teve melhor sorte neste dia, visto que um urubu tinha comido o peixe pescado no dia anterior. Alexandre leu e depois ficou duas horas se banhando no mar... só parou pois um soldado disse que seu tempo tinha se esgotado... vai entender. Fiz um pouco de cada e ainda sobrou tempo para conversar com o alemão que acabara de chegar e que também viajava numa moto 125cc, comprada no Paraguay durante sua passagem pelo país. Era uma manhã tranquila, estávamos em paz. Recuperados, apesar das cicatrizes, da turbulência de preocupação dos últimos dias. Chegamos até a fazer uma filmagem e a postar um texto que justificava o sumiço próximo que teríamos.
Todo carnaval tem seu fim e aquela recém tranquilidade conquistada acaba no momento em que o capitão do “nosso” barco passa por nós e diz que estão partindo. A adrenalina vai a mil e começamos a guardar as coisas – uma missão fácil. Difícil seria conseguir um bote para levar as motos até o barco, que ficava ancorado a cem metros da praia. O capitão disse que não tinha bote e que nós que teríamos que resolver isso. Os militares nem se importaram com a situação e ignoraram nosso insistente pedido de ajuda – não não não. O barco já estava quase partindo; se perdessemos a oportunidade, só dali a dez dias ou mais; perderíamos o congresso e não teríamos dinheiro pra pagar outra embarcação, visto que gastaríamos uma parte com comida durante a espera. Que drama... porque tudo tinha que ser tão difícil.
http://2.bp.blogspot.com/-55veErPQtn4/TzCYKPh0-ZI/AAAAAAAAAuY/vWiQFmT8Tbw/s800/P1040725.JPG
http://3.bp.blogspot.com/-dUpmYPtdwvs/TzCXei3MZXI/AAAAAAAAAuQ/xCwidZGFHzM/s800/P1040718.JPG
Havia uma pessoa com um bote particular que acabara de chegar. Pedimos a ele, dissemos que pagaríamos. O homem negou por várias vezes, não sabemos o porquê, afinal, dinheiro é dinheiro, ainda mais ali na região dos piratas (do Caribe, aliás). Por fim, o dono do bote, sob pressão de amigos seus que se mobilizaram diante de nossa aflição, foi convencido a nos levar. Colocamos as motos no bote, atrapalhados pelas ondas, pelos chinelos arrebentados... segue o trajeto curto até o barco. Como diria uma amiga nossa “cena do loko”. Quatro pessoas e duas motos no bote; encostamos no barco e a tripulação jogou uma corda e demos início a tarefa nada segura que seria subir as motos no barco. Subiram. Claro, uma seta aqui, uma lanterna ali... detalhes que ficam pelo caminho. Voltamos para pegar as mochilas e, por fim, partimos. Toca o pandeiro e bora pra Cuba. Dez minutos de alegria que duram até a chegada do enjoo.
Nesse primeiro dia no barco, navegamos pouco, cerca de três horas. Ancoramos. De nós três, Renan foi o único que se aventurou a ir ao continente para tomar banho num rio. Pulou do barco e foi nadando. Os tripulantes acharam estranho, disseram que tinha tiburon. Gritamos para Renan e o avisamos da possibilidade de perigo... ele continuou nadando e depois pegou carona num bote. O jantar foi arroz e sardinha. Ah, arroz, que saudade... chega de pão. Começa a noite e as várias redes para dormir dão o ar da graça no barco. Uma para cada. Uma para cada tripulante. Tudo bem... a gente se vira... o que vale é estar de volta à “pista”.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
09-02-12, 10:16
Dia 29 - Segundo dia no barco - Cruzando Panamá/Colômbia
Dormir no barco não foi nada romântico ou exótico. O dia amanhece e nada de partir com a chegada do sol, como pensamos. Ficamos ali por horas. Ancorados, entediamos. O café da manhã é plata... aquilo que parece com banana, mas tem gosto de batata. Depois de muito tempo, partimos. Alexandre não sofreu muito com o gingado do barco; eu fiquei encolhido no centro da embarcação e enganei o mal-estar; e Renan, tadinho, sofreu. Mas uma hora chegou a bendita pausa do almoço e Renan pode saborear a comida por duas vezes, na entrada e poucos minutos depois, quando o barco retoma o balanço. Chama o Huck.
http://3.bp.blogspot.com/-gzTcGSvC6_Q/TzChnNWEgXI/AAAAAAAAAuo/utodB6JElR4/s800/P1040737.JPG
Olhávamos pra um lado, para o outro, tentando encontrar o compartimente secreto que seria o banheiro. Não encontramos. Depois de um tempo descobrimos como se fazia... imaginem? Pela tarde desembarcamos numa ilha que parecia estar estruturada por palha. Um visual que lembra as Islas flutuantes de Puño. Enfim, essa era a ilha de Caledoña, povoada por Kunas (pesquise sobre). O visual das vestimentes nos chamavam a atenção. Chegamos na terra dos outros... ou foram os outros que chegaram na terra dos Kunas? Perspectiva é tudo.
Na ilha foi possível tomar banho e esbanjar três dólares na compra de biscoitos. O luxo do dia. Depois montamos a barraca no teto do barco, assim seria possível esticar as pernas para dormir. O único cuidado necessário era deixar sempre um dentro da barraca, caso contrário, o forte vento a jogaria longe. Termina o segundo dia no barco. Não sabíamos que a maior das turbulências ainda estava por vir.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
09-02-12, 10:19
Dia 30 marcou o fim de um ciclo em nossa saga. Despertamos sobre o barco, sob a barraca. Uma noite movimentada por sonhos e tapas de vento que ameaçavam lançar ao mar o nosso teto. O café da manhã foi a tal da platano frita, somada a fatias daqueles presuntos enlatados, também fritos. Nutritivo e gorduroso. O barco se manteve ancorado, nada de seguir adiante. Enquanto nossa intenção era se movimentar, a do capitão do barco era justamente o contrário: era parar e negociar.
http://4.bp.blogspot.com/-HVqOUifF8qM/TzEr7rlBYoI/AAAAAAAAAuw/Y-8WIaunvWw/s800/P1030890.JPG
Depois de rabiscar um pouco de papel com uma criança que estava a bordo, resolvi sair do barco e ir à terra firme verificar o que Renan e Alexandre faziam. O primeiro, atleta, liberava sua endorfina jogando bola com a criançada. Ao lado, naquela extensa cabana comunitária que eu entendo como maloca, acontecia uma celebração – chegava ao mundo, ao povoado dos kunas, uma nova pessoa, era o nascimento de uma linda menina. Quase chegando na tal da maloca, vejo Alexandre saindo, vejo Alexandre sorrindo. Feliz pela celebração, pelas conversas que lá rolavam e também pela ingestão de uma bebida, a chicha, feita a partir da fermentação de cana e plata (ou era cana e cacau? Ou era cana e milho?). Em poucos segundos pensei e pensei no que fazer. Nunca bebemos muito, uma pelo dinheiro e outra pela estrada. Mas ali, nenhum dos dois fatores era problema, logo, convidei Alexandre a voltar na celebração, eu também queria ver, eu também queria beber.
Muito interessante. O local era grande, relativamente escuro para um dia ensolarado, cheio de gente ao redor, fazendo que a parte central ficasse livre para circulação. Algumas mulheres dançavam e dois dos homens enchiam as cuias da chicha e levavam para as pessoas beberem, uma a uma, cuia a cuia. Exótico? Só para quem quer achar exótico “olha que legal, olha o que os índios fazem?!”. Alexandre e eu conversávamos com dois dos kunas, que foram bons anfitriões e falaram muito de seus costumes com a gente. Enquanto isso, a forte bebida começava a causar efeito. Não só na gente. O ato de vomitar parecia ser normal, principalmente nas pessoas de mais idade. Viravam a cabeça para o lado, vomitavam (praticamente só a bebida) e voltavam a conversar como se nada tivesse acontecido. Já dentre as mulheres, o comum era que quando uma caísse sob o efeito da embriagues, as demais a carregavam para fora da maloca até a sua respectiva cabana (penso eu, pois não segui ninguém).
Saturado de chicha, me juntei a Renan e parte da tripulação na próxima atividade. Nadar do outro lado da ilha, onde a água do mar era transparente e o visual paradisíaco. Mergulhei. Saltei. E no meio dos saltos girei. A informação era que o barco não seguiria viagem aquele dia. No entanto, houve uma retificação, nova ordem e todos sobem à embarcação. Seguir viagem. Navegamos por poucas horas e ancoramos numa nova ilha. Almoço regado a arroz e frango ensopado – muito bom. O cozinheiro era uma marujo venezuelano que trabalhava no barco para pagar sua viagem.
Após o almoço, ficamos por ali, próximos ao barco, naquele micro porto da ilha. Renan conheceu um palhaço chileno (ou chileno palhaço) e com ele jogava bola com as crianças da ilha. Outro ilha povoada por Kunas. Fiquei por ali, indo e vindo. Alexandre também. Até que num momento Alexandre e Renan param para conversar... me aproximo... converso também. O assunto era tudo aquilo que estava acontecendo. Aquela incerteza do barco: a cada hora uma nova informação surgia e cada uma dessas novas informações diziam que demoraríamos mais dias para chegar. Estávamos aflitos, entediados, enjoados, preocupados com a data do congresso. Contexto perfeito para uma discussão imperfeita, na qual cada um começou a colocar seu ponto de vista, sua percepção. Assim, cada um agia como se fosse o detentor da razão. Já a razão, penso que nem naquela roda de conversa estava. Farpas e ofensas foram tecidas. Falarei por mim: eu pequei, eu xinguei, eu me afastei. Tive meus motivos? Difícil dizer... vejo que as pessoas, diante de seus conflitos, sempre se consideram vítimas. Já não quero isso pra mim... sou cúmplice de uma humanidade fudida. Enfim, cada um foi para um canto.
Não muito tempo depois, Renan me conta sua nova descoberta: Juan (o chileno), que viajava a dedo e pretendia chegar ao México, ali na ilha teria acordado com um kuna a travessia a pé por um caminho na selva. O kuna o guiaria, o serviço custaria 15 dólares e em um dia chegariam a estrada, ou seja, não seria preciso ficar mais 4 ou 5 dias no mar, era só ir pela selva e voltar a pista. E moto, passa nesse caminho? Acho que sim disse Juan? Passa sim disse Pano Itailikiller Gonçalves, o Kuna - Cobrarei 15 dólares por cada um. Renan considerou a possibilidade. Falou comigo. Ao ouvir a proposta, aceitei. Assim, fomos falar com Alexandre para perguntar sua opinião. Rapidamente falamos, mas sua resposta foi não, Alexandre estava fora, não só daquela proposta, mas da viagem, do projeto, foi sua decisão. O motivo: creio que um acúmulo de acontecimentos onde a última discussão foi determinante. O clima ficou tenso. Não quis discutir sobre o assunto e deixei Renan conversando com Alexandre... como já sabem, não teve jeito. Alexandre não seguiu com a gente, permaneceu no barco a fim de chegar até a Cidade do Panamá e, de lá, retornar ao Brasil. Foi isso que aconteceu no dia 30 de janeiro. Erramos? Nos equivocamos? Nos faltou sabedoria, compreensão e compaixão? E quem lê este blog: pensou, escreveu que nos faltou união, cumplicidade, força?... Pensou, elaborou seu julgamento?... Pensou, se decepcionou, nos crucificou? … Difícil escrever sobre isso, confesso. É difícil ter que encarar todos estes obstáculos e ainda compartilhar tudo por meio do blog. Enfim, essa foi nossa proposta, compartilhar a experiência, a tentativa. Seria pretensão demais crer que tudo sairia perfeito, até porque estes 3 que vocês acompanham não são perfeitos... nunca foram.
Descemos as motos do barco. Na ilha viramos atração, por onde andávamos éramos seguidos por umas 15 crianças. As motos eram nossas naves espaciais e nós os alienígenas. Nos despedimos de Alexandre, levamos as motos até a cabana do guia Pano e lá dormimos. No dia seguinte iríamos a selva, no dia seguinte iríamos encarar aquilo que mudaria nossas vidas.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
10-02-12, 12:09
Dia 31 - Primeiro dia na selva e último dia das motos
Dormir na rede, acordar numa cabana. Outra experiência no mínimo interessante. Agradável se considerar o visual, a brisa fresca, a ideia de aventura. Desagradável, pelo menos para mim, diante da ansiedade, diante da espera pela próxima missão. Despertei a mim e a Renan – vamos! Arrumamos as mochilas e partimos no encalço de um fio condutor para poder carregar a bateria da Panamina utilizando a bateria da Pamama.
Em meio aos procedimentos, víamos os inúmeros meninos brincando de luta. O pau comia solto. Já eu, sentado, com a boca escancarada cheia de dentes, observava também Renan arrumando as coisas no baú. Tive um mal pressentimento. Questionei Renan - Essa ideia de atalho pela selva é uma boa mesmo? Agora já era, estamos aqui, responde meu camarada de São Gonçalo. Pouco depois, um kuna mais velho se aproxima e pergunta o que vamos fazer. Ao respondermos, seus olhos se expandem e ele diz que não, que não dá, pois em alguns lugares o rio estava batendo no peito. Questionamos o nosso guia, que contra-atacou – disse que era possível sim, que estávamos numa época de poucas chuvas. Enfim, mesmo preocupados, partimos.
http://2.bp.blogspot.com/-L1HrLNllzp0/TzLqcuK711I/AAAAAAAAAvA/OeWULPMKGTY/s800/P1040741.JPG
Colocamos as motos na canoa, assim, Renan, Juan (o mochileiro, palhaço, chileno), as duas motos, o kuna Silver e eu partimos. Bem devagar para não virar no mar. Depois de um tempo, mais próximo à selva, adentramos num estreio rio, de água quase parada. Margem direita e esquerda, ambas fechadas, uma espécie de mangue. Silver, sempre calado, nos guiava pelas curvas. O visual começava a ficar mais belo. A água já não estava tão suja e algumas palmeiras davam o ar da graça. Chegamos numa clareira onde foi possível retirar as motos. Nesse momento a canoa quase vira, Renan cai e a moto cai sobre ele. Quase! A moto estava assegurada, já Renan, molhado e com a orelha ralada. Chegamos. Terra firme. Outra canoa chegava praticamente ao mesmo tempo. Era o kuna Pano e sua família.
Fizemos a ponte elétrica entre as motos e pudemos ouvir seus motores concomitamente. Batemos uma foto com a filhinha de Pano e demos início a tarefa que seria cruzar aquela parte da selva de Darien. Enquanto Silver, Pano e Juan caminhavam a pé, Renan e eu íamos nas motos. A trilha era estreita, mas nos primeiros 5 minutos foi possível pilotar com certa tranquilidade, depois começaram os obstáculos: as raízes das árvores, as grandes raízes das árvores, bem como, o barro, fruto da mata fechada que não permitia que a terra secasse. Muito difícil. Quem ia a pé, estava mais rápido do que nós. Pingávamos suor de tanto esforço. Chegou o momento de cruzar o primeiro córrego. Uma vala com mais de dois metros de profundidade e também de largura. O nível da água era de meio metro. E o tronco que servia como ponte estava instalado a um metro abaixo do nosso nível, ou seja, para passar era preciso descer a moto, passar pelo tronco e subir a moto. Tudo sem poder errar 10 centímetros, tudo sem poder parar. Caso contrário, a moto iria cair, o piloto iria cair. A moto iria quebrar, o piloto iria quebrar. Uma chance para cada moto. Gostaria de ter filmado, mas tanto a filmadora como a máquina fotográfica já não tinham bateria (ficamos muitos dias sem energia elétrica). A proeza aconteceu. Renan conseguiu, desceu, acelerou e do outro lado subiu derrapando, enquanto todos olhavam apreensivos. Recebeu os parabéns, pela habilidade e pela coragem. Eu pilotei a moto por vários países, assim como Renan, mas aquilo não era pra mim... Renan fez a travessia das duas motos. Demoramos muito para pensar numa forma e passar pelo córrego, o que nos fez perguntar ao Pano - Tem muito disso aí pra frente? O sim da resposta ecoou em nossas cabeças. Era o famoso “fu-deu”.
http://1.bp.blogspot.com/-DXQ2r4vlaBw/TzLrGDvDpoI/AAAAAAAAAvg/cGVTUQRbe7A/s800/P1040753.JPG[/IMG[I]]
Continuamos e nessa continuidade fomos caindo nas derrapadas da moto. Levantávamos. Cada vez mais cansados, cada vez mais sujos. As mochilas caiam, prendíamos de novo. Era algo deprimente. Creio que Renan pensava o mesmo que eu, na ***** que tínhamos entrado. Mas só pensávamos, pois ambos gastavam suas energias tentando seguir, tentando incentivar o outro. Até que Pano nos diz que, na velocidade que estávamos, chegaríamos em quatro dias. Foi como receber um tapa na cara. Era o momento de parar e pensar.
Começamos a cogitar as possibilidades que, a grosso modo, eram 3: voltar, continuar e continuar sem as motos. Mas voltar como? Se a família de Pano tinha levado as duas canoas... e se esperássemos outra canoa vir nos resgatar e nos levar de volta a ilha de Mulatupo, como sairíamos de lá depois? Pois nosso barco já tinha partido e nosso dinheiro acabado, não tínhamos nem para comer, além disso, trata-se de um lugar sem polícia, órgão do governo, estrada pra pedir carona, nada... é uma ilha e pra sair de lá, só com grana... e mesmo conseguindo algo, um acordo com pagamento posterior, quanto tempo isso iria demorar? Talvez mais de uma semana. Possibilidade 2: continuar com as motos. Missão (até ali) quase impossível, nossas motos não eram próprias para aquele tipo de terreno, nossas energias pra levantar nós e as motos a cada 3 minutos também não suportariam 4 dias seguidos, isso se não piorasse (algo que iria acontecer, mas ainda não sabíamos). Enfim, disse a Renan algo que sabia que ele não queria ouvir – Vamos deixar as motos! Para ser mais exato, minhas palavras foram “Renan, eu estive junto contigo até agora, quando você optou por vir de barco, fui junto, quando optou por levar a moto por Capurganá e Puerto Obaldia, fui junto. Mas agora brother, não dá. Não dá pra continuar com as motos e eu não vou deixar de ir no congresso em Havana por causa delas. Vou deixar a moto.”. Renan sonhava em chegar com a moto pelo menos até o México, até Cancun, sabia que pra ele, deixar as motos seria ainda mais sofrido do que pra mim. Todavia, Renan compreendeu muito bem minha decisão e disse que tentaria mais um pouco com a moto e que se nos atrasasse um minuto que seja, também a deixaria. Foi isso que aconteceu, pilotou por mais 50 metros e a moto atolou novamente. Fim da linha para a Pamama e Panamina.
Perguntamos a Pano quando tempo demoraríamos para chegar até o povoado de Mortí. Pano disse que no dia seguinte, a tarde, chegaríamos lá. Tirei a chave da ignição e joguei nas mãos do Kuna – Toma, é sua, mas você tem que deixar a moto aqui mesmo e nos levar pra lá, pois não podemos perder mais tempo. Combinado, disse o kuna, que ficou com as motos e mais um baú cheio de cacarecos. Naquele momento não sei o que o deixou mais feliz, se a moto ou um condicionador de cabelos cuja fragrância o encantou. Renan repetiu a ato de entregar a chave, um momento difícil pra gente, o MOTOPangea parecia estar ruindo. O mundo ruía. Chegamos num momento crítico, influenciado pelo acaso, pelas condições que iniciamos o projeto e pelas decisões que fomos tomando ao longo do caminho. Chegamos ali. Éramos 5... em pouco tempo, passamos a ser apenas 2. Bati a última foto de Renan e a Panamina atolada. Fim da bateria. O kuna camuflou as motos na selva para buscá-las posteriormente. Seguimos. Sem olhar para trás.
Conforme caminhávamos pela selva de mata fechada e escura, onde a trilha era desobstruída pelo facão de Pano, pensávamos como uma moto passaria por ali? Não se tratava de algo difícil, mas impossível. Sabemos que motos não são a especialidade dos kunas, mas será que Pano acreditava mesmo que tal façanha era possível? Começamos a fazer aquilo que não gostamos, que é desconfiar de alguém. A caminhada durou todo o dia, passamos por rios e por obstáculos que exigiam agachar, pular, esguiar, equilibrar. O corpo e o psicológico estavam sendo exigidos intensamente. Não falávamos muito, apenas vivíamos a nova realidade. Caminhar na selva, ouvir os bichos, comer banana, espantar os mosquitos, molhar os pés, canelas, tênis e calças nas travessias de rio.
No fim da tarde estávamos exaustos. Por hoje é só, disse Pano. Aqui acamparemos e amanhã seguimos viagem até Mortí. Renan, Juan e eu começamos a trocar algumas palavras, visto que durante a caminhada não sobrava energia e fôlego para conversas. Acampamos à beira do rio. Tomamos banho, colocamos roupas secas. Silver fez a fogueira, colocou o arroz no fogo. A noite deu os primeiros sinais e já estávamos dentro da barraca, fechada com tela para não entrar mosquitos. Demoraríamos ainda uma hora para dormir, tempo usado para refletir sobre o que passou e o que ainda iria passar...
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
10-02-12, 12:12
Dia 1 de fevereiro - Segundo dia de selva. Último dia com guia
Acordamos várias vezes durante a noite. O sono era interrompido e os sonhos também. Enquanto o inconsciente tentava fugir dali, o som da selva nos puxava de volta. Em cada um desses momentos, olhava afora da barraca, através da tela de proteção. Estava iluminada pela lua e salpicada de vagalumes. Som de sapo-boi, macaco-aranha, uma sinfonia que me fazia crer que ali não era o meu lugar. Uma noite longa.
Enfim, amanhece. Platano e café para o desayuno. Captação de energia necessária para enfrentar uma senhora subida pela mata. Trilha em zigue-zague, pois uma linha reta seria ingrime demais. Mata fechada, escura, úmida e quente. Pano abria caminho, seguido por Renan, eu, chileno e, por fim, Silver. Todos enfileirados. No entanto, o ritmo do kuna era acelerado e por muitas vezes ficávamos para trás, perdíamos a trilha. Gritávamos – Paaanoooo! Nos espere, por favor. As mochilas estavam cada vez mais pesadas, caminhávamos sem conversar. Comecei a contar quantos passos eu dava antes de cair uma gota de suor. Num momento creio que eram três. A mochila de Renan era ainda mais pesada e, logicamente, ele ficava ainda mais cansado. Por várias vezes pediu para parar – Preciso descansar. Para piorar, Renan e eu ainda estávamos com os capacetes em mãos. Algo meio simbólico, que queríamos levar para Cuba. Todavia, o tal item de segurança atrapalhava e cansava... deixei o meu. Renan não aceitou e começou a carregá-lo. Nesse momento, era Pano que carregava sua mochila e Renan pegou uma menor. A manhã inteira segue assim.
2.bp.blogspot.com/-rwyTz-GV_Dc/TzPkxIttarI/AAAAAAAABWk/m7QyTJLayOk/s800/coiba5.jpg
Darien. Para dar uma noção geográfica.
Houve um festival de tombos. Cada um mais sério que o anterior. Medo de se cortar, de cair nas ribanceiras, de quebrar um braço ou mesmo torcer um pé. O que faríamos? Aquela serra tirou o nosso couro, mas José Newton já dizia – Se subiu tem que descer. Enfim, essa hora chega e vamos desequilibradamente selva a baixo, até o rio. Passamos então a alternar, ora caminhávamos pelo rio, outrora pela trilha. Era o caminho de Pano, daquilo ele entendia. Obstáculos constantes e tombos constantes. Vi Renan cair na minha frente muitas vezes e como ele segurava meu capacete, perdia uma mão de apoio para amenizar as quedas. Assim, pedi o capacete de volta, mas a resposta foi não. Ele sabia que eu ia deixar na selva. Exigi o capacete. Um momento tenso entre nós. Que simbolismo o que... lancei a capacete longe. Bom, uns três metros pelos menos... foi o que minha raiva e força juntas conseguiram fazer. Renan não gostou e ainda por cima, lembrou que amarrado ao capacete estava um par de meias que uma amiga nossa da universidade tinha emprestado a ele. Voltou para buscar, retirou as meias e também teve a oportunidade de descontar sua raiva no pobre do capacete. Lançamento de 5 metros. Perdi.
Fisicamente, foi o dia mais cansativo da minha vida. O segundo dia de caminhada chega ao fim e Pano diz que estamos bem próximos de Mortí, cerca de 3 horas, mas que na manhã seguinte só iria nos guiar por meia-hora, pois não tinha autorização para chegar próximo ao povoado de Mortí e, se o fizesse, sofreria retaliações. Nós, obviamente, não gostamos nada da ideia de ter que caminhar sozinhos. O trato não era esse e sabíamos muito bem que a missão não seria tão fácil como ele queria pintar. Conversamos, insistimos, mas ele não dava importância. Bom, deixa pra manhã... se é perto assim como ele diz, amanhã o convencemos a ir conosco.
http://4.bp.blogspot.com/-KyqwbAv2UNo/TzPk34XYhwI/AAAAAAAABWs/iEsP1eYmYgw/s1600/MapaPoli.jpg
A barraca foi montada sobre pedras, nossa única opção de terreno. Antes de dormir Renan e eu conversamos um pouco. Lembrávamos de nossa família, amigos, amores. Era a única maneira de amenizar aquela situação. O jantar tinha sido escasso e nosso estômago roncava de insatisfação, o que nos estimulava também a falar de comida. Perguntei a Renan o que ele queria comer quando saísse da selva – Um pão com queijo branco e um café com leite bem dahora Ary. Falou e salivou. Engoliu a saliva, era o que tinha.
Outra noite longa na inóspita selva. Platano frito para o café, hoje sem café. Pano nos surpreende: diz que ele e Silver voltariam dali mesmo, e que nós deveríamos apenas seguir o rio por no máximo 3 horas que chegaríamos a Mortí. Insistimos por demais para que Pano não nos deixasse. Seguir o rio não era algo tão simples, pois em alguns momentos ele ficava fundo e só quem conhece a selva sabe quais os caminhos a se trilhar. Nós, sozinhos, poderíamos até conseguir, mas demoraria muito mais. O apelo de nada adiantou, Pano e Silver pegaram sua espingarda, facão e se foram. Mas antes disso, nos deram meio quilo de açúcar. Peguei o pequeno pacote e fiquei tenso. Se a caminhada era de no máximo 3 horas; se nós não tínhamos café ou nada que pudesse utilizar açúcar, porque o levaríamos? Enfim, guardei na mochila e vi os kunas voltando, sumindo na curva do rio. Agora é só com a gente.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
10-02-12, 12:15
Dia 2 de Fevereiro - Terceiro dia de selva. Agora por nós mesmos.
Pano disse que bastava seguir o rio, que andando devagar era possível chegar em três horas. A única coisa que não devíamos fazer era nos afastar do rio. Quando perguntei sobre a profundidade, Pano disse que seria sempre raso e que sempre haveria um corredor de pedras nas margens, onde seria possível caminhar. Se fosse isso mesmo, não teríamos problemas. Todavia, nos últimos tempos as nossas complicações eram justamente fruto disso, da constatação da diferença entre o que é dito e o que é de fato. Demos início a caminhada... pelas pedras, pelo rio. Passou uma hora, passaram duas horas, passaram três horas. Nada de Mortí chegar. E o rio? O rio bifurcou. O que era simples se complicara. Direita ou esquerda? O que uma decisão errada poderia acarretar? Aflitos, cansados, estressados, fomos pelo lado de maior fluxo de água. A direita! E continuamos, mas agora com a incerteza baforando em nossa orelha. Continuamos.
Passa mais uma hora, outra hora. Aflorava na gente um ódio por Pano. Porque nos enganar, por quinze dólares de cada? Com os braços servindo de banquete aos mosquitos, com os ombros tocando ao chão em virtude do peso das mochilas, continuamos. Cada vez mais cansados. Uma colher de açúcar para cada. Entendemos sua função. Mortí não chegava e o rio estava cada vez mais fundo. Continuamos.
Estávamos em mutação. Era preciso se dedicar além do físico, assim, começamos a desenvolver um método investigativo. Procurando pegadas. Pegadas humanas. Era melhor não ter procurado... nas faixas de areia que surgiram nas margens do rio, encontramos grandes pegadas de animal, como uma mão humana fechada. Só faltava isso. Onça? Pouco depois encontramos uma fogueira apagada, ótimo... alguém já passou por ali. Ao redor encontramos caudas de macaco – restos do prato principal de quem passou por ali. Renan ainda fez uma observação: se a pessoa comeu um macaco aqui mesmo é porque não estava próxima de seu povoado. Má notícia. Continuamos.
http://2.bp.blogspot.com/-ZnlTZfVyFq0/TzQCn6kI7NI/AAAAAAAABW4/Y2MyqzQYoNY/s800/kuna_selva_darien.jpg
Darien. Foto retirada da internet.
O rio, além de cada vez mais fundo, começou a ficar mais largo. As pedras do fundo deram lugar a um barrão onde se afundava os pés. Em minha mochila estava os documentos meus e de Renan, o netbook, a filmadora e a câmera digital. Todo o trabalho que tivemos durante a viagem estava ali. Molhar a mochila seria um golpe dolorido demais e eu estava disposto a me dedicar ao máximo para evitar isso. Essa minha aflição, me tornava mais cauteloso e consequente mais lento nas caminhadas dentro do rio. Não poderia escorrer nas pedras – algo fácil de acontecer. E quando ficava muito fundo, saia e contornava pela mata. No entanto, quando não havia nem sinal de trilha, cem metros poderiam levar até meia hora. Continuamos.
O cansaço extremo nos despertou uma ideia: vamos construir um barco? Algo divertido ou desesperador? Lembrei do filme O Náufrago. Minha barba estava quase lá. Nos dedicamos a isso por quase duas horas. Primeiro no encalço de 3 troncos grandes, que seriam a base. Depois de vários galhos, que seriam presos na perpendicular. Para amarrar, poderíamos ter usado cipó. Optamos por usar pedaços de roupa, assim, começamos a dilacerar algumas vestimentas. Montamos uma espécie de balsa e arrastamos até o rio. Sim, ela flutua. Não nos aguentaria, mas a ideia era pelo menos colocar todas as mochilas ali. Funcionou. Dispensamos um bom peso, mas o processo ficou muito lento. Andar pelo rio empurrando a balsa com as mãos demorava demais. De qualquer forma, meia hora depois o rio teria uma parte rasa, onde nossa balsa encalhou. Carregar estava fora de cogitação. Tempo perdido e aflição ganhada. Chegara o meio da tarde e nada... Continuamos.
Encontramos outra clareira na selva, com um fogueira apagada. Próximo dela, um crânio de macaco. O cardápio da região não variava muito. Estávamos tensos... eu evitava me pronunciar. Não tinha nada de incentivador a dizer, só pensava o quanto estava fudido, o quanto queria sair dali. Só queria mais uma chance e nessa chance iria valorizar muito mais a vida. Prometi a mim mesmo.
O rio ficava fundo e Renan caminhava nele imerso, apenas com ombros e cabeça para fora. Foi uma forma de deixar a mochila mais leve. Comecei a ver cada vez menos ele, pois me dedicava a manter a mochila seca. Ia pela selva, naquele caminho confuso, lento e pesado. A tarde chegava ao fim, junto com nossas energias. Ouvi Renan cantando hinos que aprendeu em sua igreja. Pensei na fé, no poder dela. Por mais que Renan e eu tivéssemos ideias diferentes quanto ao direcionamento dessa fé, desde o início do projeto MotoPangea, na fase de planejamento, seguíamos a receita do pensamento positivo. Parecia funcionar. Continuamos.
Juan e eu caminhávamos pela selva, quando ouvimos Renan gritar. - Ei, ei, por favor, nos ajude, estamos perdidos! Ary, Ary, achei duas pessoas. Corri a para o rio, aos trancos e barrancos, com o coração acelerado, queria ver o que/quem poderia ser nossa salvação. Tratava-se de uma canoa com dois kunas. Explicamos o que passava e eles disseram que não poderiam nos ajudar, que estavam indo pra um congresso de caça num outro povoado. Pois é, cada um com seu congresso. Apesar da frieza dos kunas, eles nos disseram que estávamos a meia hora de uma madeireira e a três horas de Mortí. Essa era a luz que esperávamos. Brindamos a notícia com mais uma colher de açúcar para cada. Vi Renan agradecendo a Deus. Continuamos.
http://4.bp.blogspot.com/-Bkr63pRSdm0/TzQC-lWJWaI/AAAAAAAABXA/d62ItnFige4/s1600/images.jpg
Passou uma hora, passou duas. Chega. O tempo dos kunas não é o mesmo que o nosso. Paramos numa parte larga do rio onde uma ilha de pedras e areia formou-se ao centro. Enquanto Juan e eu montamos a barraca e fizemos fogo. Renan tirou a mochila e foi a nado pelo rio, tentar achar algo. Quando retornou o fogo já estava alto e teria como função nos aquecer e espantar os mosquitos, pois nosso alimento era apenas o açúcar. Enfim, chegou dizendo que encontrou uma cabana e uma canoa, disse que gritou, gritou, mas não tinha ninguém. Pela manhã chegaríamos lá, quem sabe o dono da canoa tenha chegado... e se não chegar? Bom, podemos pegar a canoa e seguir. O dono pode ser de Mortí, chegando lá explicamos o caso.
Dormi com a roupa suja e úmida. A mim não restou nenhum roupa seca. Abri a mochila e o netbook no meio da selva para ver se ainda funcionava. Sim, funcionava. E aqueles seis por cento de bateria iria nos permitir ouvir algumas músicas. Renan escolheu Chico Buarque.... Amanhãaaaa, vai ser outro diiiaaaaa. Amanhãaaaa, vai ser outro diiiaaaaa. Dormimos. Quem dera o sono fosse continuo. Fome e frio cutucam a alma. Lembrei que algumas pessoas passam por isso todo dia, mas eu (assim como a maioria da minha rede de contatos) estou ocupado demais para pensar nisso. “Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos”.
Fim do terceiro dia de selva.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
15-02-12, 11:21
Dias 3 e 4 de fevereiro – Sobrevivemos a Mortí
Após chegarmos ao acampamento da madeireira, nos preparamos para concluir a façanha que seria sair da selva. Fomos instruídos a seguir um caminho de terra por três horas, assim, chegaríamos a Mortí e, de lá, pegaríamos um ônibus para a Panamericana. Um jovem trabalhador da madeireira, o Joel, também iria para o povoado, logo, foi caminhando com a gente.
Já estávamos salvos, inseridos novamente na sociedade. O psicológico se acalmara, mas o físico ainda estava debilitado, seria duro caminhar por tanto tempo. Seguimos. Depois de quarenta minutos de caminhada, uma picape vem no sentido contrário. Fizemos sinal e perguntamos se ela voltaria por ali. O motorista disse que iria até ao acampamento para consertar um trator e em aproximadamente uma hora regressaria. Ótimo! Optamos por ficar ali mesmo, esperando a picape voltar para nos dar uma carona. Enquanto esperávamos, Joel ligou seu rádio de pilha, o que nos permitiu ouvir notícias de todo o mundo, em especial, da América latina. Greve de policiais no Brasil. Carnaval em perigo!
O carro volta com mais dois trabalhadores indígenas na caçamba. Nos unimos a eles. Agora, deixemos o esforço para o motor de explosão. Que satisfação. Um hora depois chegamos no desvio que daria acesso a Mortí. A picape para, todos descem. Os indígenas de Mortí (que é um outro povoado de kunas) nos dizem que precisamos ir até seu povoado para recebermos uma espécie de autorização para passar por ali. Ficamos sem entender o porquê disso. De pronto, Juan se negou, disse que eles queriam tomar nosso dinheiro (se tivéssemos algum é claro). Começou a discussão. Os kunas insatisfeitos, juntamente com nosso recém amigo Joel, seguiram correndo o caminho para seu povoado, dizendo que chamariam a polícia. A picape já tinha ido embora, mas antes o motorista disse que consertaria outro trator ali na região e voltaria para nos buscar mais tarde. Afinal, para chegar na estrada a pé, a caminhada era de seis horas.
Seguimos a pé pelo caminho de terra, pensando nos dizeres dos kunas. Seria um blefe? E mesmo que não fosse, o que nós teríamos feito de errado? Só queríamos ir embora, pegar estrada, seguir nosso rumo. Continuamos a caminhar naquele caminho seco por quase uma hora. Olhamos para trás e vimos Joel correndo em nossa direção. Nos alcançou e disse que era melhor voltarmos. Juan perguntou o aconteceria se não voltássemos? Joel respondeu – Daqui vocês não passam. Nós tínhamos um caminho de terra, em meio a selva, para percorrer por seis horas e um grupo de kunas que viria a nosso encalço. Enquanto Juan e Joel conversavam, a poeira começou a subir. Muitos kunas começaram a chegar, aproximadamente vinte e cinco, sendo umas quinzes crianças de idades variadas e uns dez adultos. Uma espingarda e alguns pedaços de pau também acompanhavam o grupo, que chegaram a nós com os olhos arregalados. Preparados.
Nos explicamos, relatamos tudo o que tinha acontecido com a gente, que não tínhamos dinheiro e estávamos cansados e com fome. Um deles nos disse que deveríamos acompanhá-los, que em Mortí nos dariam comida e um lugar para ficar e que no dia seguinte, cedo, poderíamos pegar um carro sentido Panamericana. Achamos tudo muito estranho, algo difícil de acreditar. Todavia, não tínhamos escolha. Ficamos arrasados com isso. Cada um de nós caminhava sob a escolta de um grupo de kunas. O que nos aguardava dessa vez? Quando chegaríamos novamente ao asfalto (mesmo sem as motos) para enfrentar os problemas comuns a nossa cultura? Quando sairíamos daquele mundo?
A picape voltou e parou antes de chegar na gente, ao ver o número de kunas que nos acompanhavam. Comecei a caminhar na direção do veículo, fiz sinal para eles me esperassem. Os kunas não gostaram, mas insisti. Renan assistia de longe. Cheguei ao carro e supliquei ao motorista, bem como, aos outros dois trabalhadores que estavam no carro – Por favor, nos tirem daqui, ficamos muitos dias na selva e só queremos ir embora, telefonar pra nossa família. O motorista engoliu a seco, sentiu o nosso drama, todavia, não poderia nos ajudar. Aquela região está sob o comando dos kunas. A madeireira funcionava ali, mas tinha que respeitar as regras locais. Um kuna bate a mão sobre o capô do carro e diz – Vai, vai, vai. Não teve jeito, não seria dessa vez que sairíamos da selva. Continuamos a caminhar para Mortí.
Saímos do largo caminho de terra e entramos numa estreita trilha. Enfileirados, perguntei a Renan se era agora que receberíamos uma bala na cabeça? Um comentário com sarcasmo é claro, mas ainda assim com uma parcela de temor. Em meio a mata surge as casas do povoado. Eram várias cabanas, com tetos de palha, distribuídas em duas vias, sendo uma mais larga e movimentada. Foi por ela que entramos, escoltado por vinte cinco kunas e assistido por todos os outros que moravam ali, cerca de duzentos. Um imenso corredor foi formado, a maioria mulheres e crianças. Todos nos olhavam, com olhares curiosos. Algumas crianças acenavam, outras caminhavam a nosso redor. Cheguei a observar um jovem com um celular na mão, nos filmando. Me senti violentado, senti minha imagem sendo roubada... um bom momento para refletir sobre algumas fotos que tirei durante a viagem. Agora nós éramos a caça de uma antropologia selvagem.
Nos guiaram até a grande cabana coletiva, a “maloca”. A autoridade máxima estava sentada numa rede. Ao seu redor formou-se um imenso círculo de pessoas. Cumprimentamos o senhor e sentamos a sua frente, conforme fomos orientados. Um tradutor estava encarregado de facilitar aquele “julgamento”. O senhor, autoridade máxima, perguntava algo, passava pelo tradutor de espanhol e nós respondíamos. Fomos questionados quanto o porquê de estarmos ali; de onde éramos; para onde iríamos; o que tínhamos na mochila; se estávamos com o passaporte. Um momento cinematográfico. Era difícil acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo.
Chegado o fim do questionamento, nossas mochilas foram revistadas minunciosamente. Bolso a bolso. Um pente fino de dar inveja a qualquer aduana que passamos. Nossa alforria estava decretada e seria efetivada no dia seguinte. Nesse momento, a autoridade máxima se afasta, conversa com um grupo de representantes de família e, juntos, decidem onde vamos dormir. Nos dirigimos então ao local definido. Lá, pudemos estender as roupas das mochilas (molhadas no rio), comer e dormir numa cabana cujo único morador era um rato acrobata, que corria o espaço como uma moto num globo da morte. Amanhece. Aguardamos o carro que só chegaria as duas da tarde, nesse meio tempo nos serviram um café da manhã e também colocaram um filme para assistirmos num cabana que possuía televisão e dvd. Pois é, surpresa atrás de surpresa.
Subimos na caçamba da picape que chegou no horário. Adeus selva. Uma hora e meia depois chegamos a Panamericana. Em poucos minutos conseguimos uma carona que nos levou à próxima cidade, Santa Fé, onde foi possível avisar as autoridades policiais sobre o ocorrido com as motos. Os soldados se mostraram solidários e disseram que tentariam nos ajudar a recuperá-las, assim, passamos o número de telefone de Ramses (nosso anfitrião que reside na Cidade do Panamá). Quando as motos ficaram atoladas na selva, acordamos com Pano que ele nos levaria para Mortí e depois, ao voltar, poderia ficar com as motos. Todavia, ele não cumpriu o trato e nos deixou no meio da selva. Uma irresponsabilidade tamanha que poderia ter custado nossas vidas. Tal atitude que nos influenciou a prestar a queixa no departamento policial. Agora aguardemos.
Vendemos um jogo de ferramentas numa oficina mecânica, assim, pudemos comprar nossa passagem para a Cidade do Panamá. Pegamos o ônibus e quase seis horas depois chegamos na grande cidade, movimentada, repleta de letreiros luminosos, businas, lojas, supermercados... Chegamos a nossa selva, estávamos bem. Ligamos para Ramsés que rapidamente veio nos buscar. Ainda não sabíamos, mas estávamos prestes a nos hospedar na casa de um anfitrião profissional
Renan Xavier
15-02-12, 11:22
De 5 a 9 de fevereiro – Descanso e diplomacia na Cidade do Panamá
Ramsés mora sozinho e possui uma casa muito bonita e confortável. A nosso dispor, um quarto com duas camas grandes, macias toalhas de banho, ventilador, ar-condicionado, TV a cabo, internet, máquina de lavar e secar. Tudo isso para dois brasileiros que, pouco tempo atrás, achavam que poderiam nunca mais sair da selva. Pois é, a vida tem dessas. Tudo passa. Logo, temos que ter paciência para suportar os maus momentos e, sobretudo, resistência para evitá-los. Em relação aos bons momentos, o importante é mordê-los com todos os dentes, pois também passarão.
Durante a semana, Ramsés nos levou para conhecer a cidade, inclusive o conhecido Canal do Panamá, uma experiência única. Em meio aos trajetos e também em sua casa, Ramsés nos contava sobre suas viagens, especialmente, as sete que fez à Cuba. Um apaixonado por Havana. E nós, é claro, ficávamos ainda mais ansiosos para chegar à ilha. Aliás, estávamos próximos disso, uma vez que, não tínhamos mais motos, nem tempo para continuar com o trajeto até o México. Teríamos que pegar um voo do Panamá direto à Cuba, que foi possível graças a algumas contribuições de última hora. Curiosamente, as passagens de ida e volta estavam mais baratas do que somente de ida. Iríamos a Cuba e regressaríamos ao Panamá, a volta ao Brasil teria que ser resolvida depois.
Foram dias de descanso e diplomacia (sem muito sucesso). Na embaixada brasileira não obtivemos nenhuma ajuda em relação as passagens, mas a vice-cônsul contatou a policia de Santa Fé e parece que eles estão próximos de recuperar nossas motos. Notícia que seria refutada posteriormente pela polícia turística que, ao contatar novamente a polícia de Santa Fé, recebe a informação que o cacique de Mulatupo não quer liberar as motos. Ainda por cima, disse que devemos dinheiro ao povoado. Ficamos indignados diante disso, que coisa absurda... e o pior é que não há muito o que fazer. Enfim, também entramos em contato com a Senhora Primeira-Dama de El Salvador, a brasileira Vanda Pignato e também com a Organização Internacional de Imigração (OIM), mas nenhum deles pode nos ajudar com passagens de volta ao Brasil. Paciência.
No terceiro dia que estávamos na casa de Ramsés, outros viajantes chegam a sua casa. Três brasileiros que estão viajando o mundo de bicicleta. Isso mesmo, bicicleta. Saíram de Goiânia a seis meses e já passaram pelo nordeste e norte brasileiro e também por Venezuela, Colômbia e, agora, Panamá. Os meninos são muito gente boa e além de além de bons ciclistas, são ótimos cozinheiros. Nos últimos dias parecia que estávamos no Brasil. Ramsés virou um estrangeiro dentro de sua própria casa.
No dia 10 pela manhã, finalmente iríamos para Havana, participar do Congresso de Educação. Valeu a pena persistir! Agradecemos a Ramsés por sua imensa hospitalidade que foi de vital importância para revitalizar nossos corpos e mentes para o nosso próximo passo, a ilha.
Renan Xavier
15-02-12, 11:23
COMUNICADO IMPORTANTE: Fomos para Cuba
Esta mensagem foi programada para ser postada exatamente às 8h30 (11H30 no horário de Brasília) do dia 10 de fevereiro. Neste mesmo horário, estaremos embarcando para Havana. Isso se não tivermos nenhum problema com o visto, bem como, com qualquer outra burocracia.
Não vamos chegar com as motos até Cuba, tampouco até Cancún. No entanto, outras experiências foram tecidas diante do inesperado. O MotoPangea, a nosso ver, não saiu errado, apenas diferente do plano inicial.
http://4.bp.blogspot.com/-lLUN0MZ4dKI/TzT6BFjHUAI/AAAAAAAABXQ/bJfKpp9_sDQ/s320/Cuba-Havana.jpg
A última postagem terminou com o nosso encontro com o funcionário da madeireira, culminando no fim de nosso temor de padecer na selva. Ainda faltam ser postados dois textos: um que narra o drama vivido no povoado de Mortí; e outro que abordará nossa estadia de quase uma semana na casa de Ramsés, em Panamá City.
Ouvimos dizer que a internet em Cuba ainda é meio precária. Sendo assim, desde já justificamos nossa possível ausência do blog. Todavia, faremos o possível para dar notícias.
Vamos participar do Oitavo Congresso Internacional de Educação Superior. Obrigado a todos que, de alguma forma, nos empurraram até aqui. Agora, cabe a nós, captar o conteúdo apresentado a fim de elucidar o que se passa nessa tal de universidade: Om Co Tô? Quem Co Sô? Prom Co Vô?
Tentaremos regressar ao Brasil, diretamente de Cuba. Uma tarefa difícil. Caso contrário, regressaremos ao Panamá no dia 19 de fevereiro. Sem motos ou dinheiro no bolso. A volta ao Brasil dependerá então de apoios, sorte e persistência.
Saudações latinoamericanas,
Ary Neto e Renan Peixoto
Renan Xavier
20-02-12, 11:52
CUBA: O primeiro de dez
- 15 de fevereiro de 2012
Despertei daquele sono leve, típico das duas primeiras horas de sono. Ficamos até tarde arrumando as coisas, lavando roupa e postando textos no blog. O medo de perder a hora também ajudou a acordar rápido. Já Renan, possui a habilidade para fechar os olhos e mergulhar nas profundezas do descanso. Ele não gosta de ser acordado e eu não gosto de acordá-lo. Uma combinação quase perfeita. O voo partia às 8h30. Nós deveríamos estar no aeroporto duas horas antes... Atrasamos... Perguntei ao taxista se era verdade esse papo de “duas horas de antecedência”. - Sim, é. Que aflição! Depois de tudo, perder o voo e ter que esbarrar numa super taxa extra seria um tiro no pé. De calibre doze. O motorista sentiu o drama e na extensa reta manteve a velocidade de 130km/h. Chegamos, ufa.
http://4.bp.blogspot.com/-XMrbPjq3yEA/TzvrZeVtfII/AAAAAAAABX0/RUYb0P9Asmo/s320/P1040791.JPG
Teríamos uma conexão na Costa Rica, conheceríamos mais um país. Superficialmente, literalmente. Enquanto esperávamos o segundo voo, acessamos a internet. Wifi de graça foi sempre um presente dos céus durante a viagem. Renan utilizou sua metade do tempo para enviar e-mail a um hospital de Cuba, a fim de realizar alguns exames ortopédicos, também deu os últimos salves para os amigos antes do grande feito. Eu, na minha vez, além da facebookada básica, passei alguns dados pessoais para Ana Flávia, amiga de sala da Unila. Ela está me ajudando com a documentação para que eu não fique sem moradia nesse próximo ano de universidade. Bom, pra quem dormiu uns dias na selva... dormir no campus da universidade ou na porta dela vai ser suave. Ah vai! Enfim, papo vai, internet vem, perguntamos à moça do guichê que hora deveríamos embarcar, afinal, só faltava vinte minutos. Ela respondeu que deveríamos embarcar em outro portão, do outro lado do aeroporto, mas que o avião já deveria estar saindo. Renan e eu corremos, mas corremos... tão rápido que nem mesmo os seguranças ousaram cruzar nosso caminho. Chegando no portão correto, apresentamos nosso meio metro de língua além dos limites da boca, já os atendentes apresentaram um sorriso que dizia – Deu tempo. Pagamos 15 dólares cada, referente a taxa de visto para turista. Prontinho, tenha uma boa viagem.
O que será que vão servir no voo? Achamos que o wisky era apenas para as classes superiores, mas não, também era para as pessoas comuns, como nós. Pedimos. Sim, no plural... até Renan que não aprecia bebidas alcoólicas pediu wisky. O menino merece! É tempo de celebração. Duas horas e quinze minutos depois, avistamos a ilha pela janela do avião e lá descemos. Chegamos. Depois de se despedir dos amigos, passar pelo Chaco argentino, pelos Andes, deserto do Atacama, litoral peruano, depois de subir a serra de Quito, cruzar a floresta colombiana, navegar no Atlântico e caminhar pela selva panamenha, nós chegamos. Depois de angariar fundos, pedir ajuda, ouvir sim, ouvir não, depois de pedir comida, abrigo, depois de consertar as motos e de novo e de novo, pedir socorro, carona, depois de dormir em boas camas, boas quadras, boas igrejas, depois de ficarmos doentes, ficarmos felizes, depois de brigarmos, de rirmos, de sentirmos medo, desejo, saudades. Ah, que saudade sentimos. Depois de muito viver e pensar que não mais viveríamos. Depois de cinquenta e oito dias. Chegamos. Primeiro um pé, depois outro, simples assim. Estávamos em Cuba.
http://2.bp.blogspot.com/-bxgElKaifLg/Tzvrr7O8vKI/AAAAAAAABX8/Ec6JYs8qVKM/s320/P1040793.JPG
A partir de agora: Postaremos neste blog nossas vivências e percepções de Cuba, assim como fizemos em toda a viagem. Todavia, é sabido que este país carrega consigo todo um aparato ideológico. E nós, antes de aqui desembarcarmos, tínhamos nossas opiniões fundamentadas naquilo que líamos e que ouvíamos. Agora, além de ler e ouvir, estamos vendo. E além de ver, estamos sentindo. E nesse novo contexto, evitaremos se comportar como os donos do saber. Não. Não estamos aqui para dizer se este regime é certo ou errado. Pelo contrário, aproveitaremos nossa breve passagem para observar e absorver, para ouvir os palestrantes e, sobretudo, para ouvir os representantes, de fato, do povo cubano. Este é o primeiro texto. O primeiro de dez. E nestes dez textos, relataremos. Entretanto, não somos máquinas registradoras. Existimos, logo pensamos. Somos seres humanos dotados de uma dádiva, a linguagem. Cabe a nós aproveitar e nos expressar. Cá estamos.
Chegando no aeroporto José Martí, ainda possuíamos uma parcela de receio. Faltava passar o bloqueio! Enquanto estávamos na fila, um funcionário que circulava pelas filas, fazendo um pente fino, nos abordou... perguntou de onde vínhamos e o porquê da viagem. Congresso de educação! Foi sempre a nossa resposta. Antes e depois disso, continuávamos na fila, observando o fluxo. Deste modo, seria impossível não perceber o grande número de pessoas com necessidades especiais. A dedução não poderia ser outra, senão que aquelas pessoas estavam desembarcando ali para fazer tratamentos de saúde.
Passamos pelo primeiro guichê após duas perguntas. Pelo raio x após duas apalpadas. Pelo funcionário da saúde, após entregar um formulário dizendo não para todas as enfermidades. E, por fim, a aduana que passamos batido, uma vez que não tínhamos nada a declarar. Liberados para vivenciar a realidade cubana, cambiamos o dinheiro. Dólar por CUC, a moeda cubana destinada aos turistas (os residentes utilizam o peso cubano como moeda nacional). Pronto, com dinheiro no bolso estaríamos prontos para o país socialista.
Cruzamos um portal e voltamos no tempo. Carros de seis décadas atrás circulavam na maior naturalidade. Em Cuba, todo carro é um taxi em potencial. Pegamos um, após descobrir que o terminal de ônibus estava distante. Foi caro, dez CUC (quase dez dólares), todavia, o percurso foi longo. Primeiro fomos à sede da empresa Havanatur, tentar uma hospedagem gratuita, visto que alguns e-mails já teriam sido trocados antes. Nos encaminharam para outro lugar, um hotel que poderíamos falar com a Caridad Sagó. Achamos o lugar e falamos com ela. Relatamos nossa história, mas não teve jeito, sua proposta ainda estava fora de nossas condições financeiras. Teríamos que procurar um casa para ficar. Ligamos então para um contato do couchsurfing, a casa de Miguel, que atendeu e disse que poderíamos ir para lá. Entretanto, o couchsurfing funciona um pouco diferente em Cuba: um cidadão não pode hospedar um turista, a menos que tenha autorização para isso. E quando a tiver, deverá cobrar do turista uma diária e transferir a devida parte ao governo. Estadia confirmada, demos início a saga... perguntamos a um taxista onde pegava o ônibus, ele não só indicou como também nos deu uma moeda que seria suficiente para pagar as duas passagens. Esperamos uma hora e quando o tal do P1 chegou, fomos pendurados na porta por um tempo, até conseguir entrar. Pagamos a passagem (40 centavos de peso cubano), o equivalente a 4 centavos de reais. Sacolejamos até nossa parada. Ao descer do ônibus, teríamos que andar uns 10 quarteirões, tempo e distância necessária para pararmos para comer duas vezes, na primeira spagueti, na segunda pizza (não sabíamos ainda, mas esta seria nossa base alimentar em Cuba). Ambos pratos custam 10 pesos cubanos, algo como 80 centavos de real. Que beleza, uma coisa era certa: comeríamos muito.
Renan Xavier
20-02-12, 12:33
CUBA: Segundo dia - A procura de casa, comida e cultura
Dormimos bem, acordamos em paz. Estávamos em Havana! Por volta das 11h30 saímos da casa de Miguel, sentido Palácio das Convenções, entretanto, por um caminho com pausas e desvios propositais, queríamos conhecer a cidade e assim o fizemos. Para isso, não compramos mapas ou guias para doutrinar nossa experiência, apenas fomos caminhando. Cada rua, cada contato estabelecido trazia algo especial. Nesse meio tempo, fomos comendo: pão, café, doce, pizza. Aproveitamos o milagre cambial e também cedemos pela primeira vez a uma aquisição clichê: compramos uma boina e um boné verde oliva. O que é um peido pra quem está cagado não é mesmo!
http://1.bp.blogspot.com/-qxhufYYV248/Tz521s9YPiI/AAAAAAAABYs/xAnpB546IUo/s320/P1040803.JPG
Chegamos a Universidade de Havana, que por sinal é muito bonita, mas infelizmente não podemos entrar. Era sábado e estava fechada, sobretudo, por um show que seria realizado na base de sua escadaria. Tudo bem, voltamos depois. Mais um pouco de caminhada e encontramos um cinema, cuja programação estava isenta daquele mais do mesmo hollywoodiano. Por 2 pesos (aproximadamente 17 centavos de real) compra-se uma entrada. Em cartaz: Bem-vindos ao Paraíso. Adentramos. O filme contava a história de mulheres norte-americanas que passavam suas férias em Porto Príncipe, a procura de descanso nas praias e prazer em braços jovens e negros. Um bom filme, com críticas que vão muito além da minha superficial sinopse.
No quintal de uma casa próxima ao cinema, um rapaz vendia livros, a maioria deles sobre Cuba. Compramos! Livro é algo difícil de resistir, ainda mais se considerar o assunto, o local de venda e nossa história para chegar ali. Com a mochila mais pesada, fomos deixar nossos corpos mais pesados. Almoçamos num restaurante municipal muito agradável e bonito, que conseguia ser ainda mais barato do que as diversas vendas que estão espalhadas pela cidade. Espaguete e suco, pedimos. A mesma coisa pediram a menina e o menino que conhecemos na fila, ambos com 12 anos, primos. Não almoçaram em suas casas, pois pretendiam ir a Feira Internacional do Livro, assim, foram direto da escola. O menino, folhava constantemente um livro com bandeiras de diversos países, notou nossa curiosidade e nos convidou a ler o livro, foi assim que começamos a conversar. Duas crianças muito amáveis, que nos constaram muitas coisas, sobretudo, sobre a escola que estudavam.
http://4.bp.blogspot.com/-rT-UHwFoQ3Y/Tz54J6-tbCI/AAAAAAAABY8/4RVv8oNrNGE/s320/P1040816.JPG
Tínhamos que ir ao Hotel Palco fazer o credenciamento do congresso, mas já não sabíamos se ia dar tempo. Fomos mesmo assim, afinal, mesmo que não conseguíssemos chegar no horário, precisávamos procurar um lugar para ficar nas proximidades deste hotel e do Palácio de Convenções (que fica do lado). Esperamos o ônibus por um tempo razoável, enquanto líamos, tirávamos fotos e conversávamos. Atividades interrompidas por um ônibus lotado, que nos levou até seu ponto final que, por sua vez, fica a três quadras do local de tínhamos que ir. Chegando lá, descobrimos que o credenciamento seria só no dia seguinte (domingo). Pra variar, relatamos nossa saga, mas ninguém podia nos ajudar. De volta a rua, Renan e eu acordamos que poderíamos dormir num campo de futebol que vimos no caminho, até porque estávamos descansados e não precisaríamos mais pilotar as motos. Definimos que só não iríamos economizar com comida, pois era muito barato e também por nosso desejo de compensar o tempo na selva.
Estávamos tranquilos. Caminhamos até as vendas próximas ao ponto final do ônibus. Talvez aqueles comerciantes poderiam nos alugar um espaço em suas casas. Uma aposta que deu certo na primeira tentativa. A princípio disseram que não tinham autorização e tal, mas depois de nos encarar por um tempo, resolveram ajudar. Javier, marido de Letícia, pediu para sua esposa nos mostrar a casa para vermos se interessava. Um quarteirão depois, chegávamos a um cortiço. Algumas curvas por ali e tínhamos chegado ao local que nos acolheria pelos próximos dias. Uma casa pequena, inversamente proporcional ao tamanho da hospitalidade, com várias coisas a reparar, sem chuveiro ou portas separando um cômodo do outro. Nós ficaríamos no quarto de sua filha (que estava viajando, na casa de uma tia), um quartinho bagunçado, mas com ventilador e um vaso com rosas de plástico vermelhas. Que bom, era o universo conspirando a favor. Por apenas 10 CUC (pelos dois), teríamos um lugar para ficar a três quadras do Congresso. Um achado! Além da proximidade, ali poderíamos compreender muito mais sobre a cotidiano cubano.
O melhor de tudo foi a conversa: nossa anfitriã nos disse que foi a França quando tinha dezenove anos, algo que ocorrera a mais de vinte anos. Tratava-se de uma convenção de solidariedade a Cuba. Letícia disse que gostou muito, que foi uma experiência única. Nós, vendo aquela casa humilde e sabendo como é difícil conseguir sair de Cuba, perguntamos se não passou pela cabeça dela ficar por lá. Ela disse que não, pensamos que era por causa da família, mas nos surpreendemos. Letícia nos disse que existe muitos governantes por aí, mas Fidel só existe um: disse que em Cuba ela vive com pouco, mas que nunca ficará sem comer; quando o frango chega, todos avisam “o frango chegou”; se um não tem dinheiro para comprar, os outros ajudam. Também contou que foi militar em sua juventude, mostrou fotos de farda, mostrava com orgulho. Javier é padrasto de seus dois filhos e não se importa quando o pai das crianças vem do interior para visitá-las, aliás, o ex-marido dorme na própria casa. Sem problemas.
Javier iria voltar ao trabalho e perguntou se queríamos algo da rua. Pedimos para ele comprar papel higiênico (pois vimos que na casa não tinha) e desodorante (já que o nosso foi confiscado no aeroporto). Saiu, mas antes nos deu um último alerta: pediu para sermos discretos, não falarmos português nos corredores do cortiço, pois eles não tinham autorização para hospedar turistas. Fica tranquilo Javier, dissemos. Renan foi correr e eu fui dormir. Aguardar pelo domingo, pelo credenciamento no congresso e por alguma atividade lúdica.
Saudações cubanas,
Ary Neto
Renan Xavier
24-02-12, 10:57
CUBA: Terceiro dia - Fim de semana no parque.
Acordei mais cedo e fui providenciar nosso credenciamento no congresso. Descobri que nossa inscrição foi efetivada como acompanhante e não estudante, isso implicava no não recebimento de certificados de participação. Enfim, algo para se resolver, mas depois. Além da credencial, recebemos uma sacola personalizada e uma camiseta de Cuba. Não ganhamos nem a programação do congresso, futuramente teríamos que tirar fotocópia de algum colega. Detalhes a parte, estávamos oficialmente credenciados no Oitavo Congresso Internacional de Educação Superior.
http://1.bp.blogspot.com/-qxhufYYV248/Tz521s9YPiI/AAAAAAAABYs/xAnpB546IUo/s1600/P1040803.JPG
Às dez horas da manhã, credenciados e instalados, tínhamos todo um domingo pela frente. Fomos ao parque de diversões. Primeiro, um daqueles brinquedos estimuladores de vômito, depois o carrinho de bate-bate. Não tinha algodão doce para caracterizar uma fotografia clássica de parque, mas tinha pizza e refresco para tentar saciar nossa fome insaciável. Diante da possibilidade do tédio, partimos. Novamente, nos dirigimos ao Palácio de Convenções, averiguar se a delegação brasileira já tinha chegado. Constatamos que não existia uma delegação brasileira uniforme, como era o caso da Venezuela, mas sim brasileiros oriundos de diversas instituições de ensino. Alguns, viajando com o apoio institucional de suas universidades, outros, como nós, não.
Renan desenvolveu diálogo com um venezuelano. Peguei o bonde andando, mas ainda assim pude compreender e participar daquela discussão. Nosso novo amigo, ao ser questionado sobre o governo de Chavéz, nos disse que veio de uma família pobre e que considerava fora de cogitação um dia ter um carro; um dia poder ingressar na universidade e até participar de um congresso de educação no exterior; um dia poder realizar três refeições por dia. Disse isso, na mesma sequência, estava satisfeito com um governo que proporcionou um salto de qualidade em sua vida. Um discurso conflitante com o que é transmitido pela emissora mor de televisão do país do samba.
Outra amizade construída foi com o brasileiro Olavo, professor no Rio Grande do Norte (já falamos dele na postagem da venda de charutos). Conversamos com ele sobre nossa ideia de vender charutos a fim de custear nossa volta. Ele acreditava ser possível e se prontificou a ajudar comprando alguns charutos para que pudéssemos vendê-los. De imediato, nos deu dinheiro para acessarmos a internet, assim, poderíamos publicar uma postagem explicando o nosso mais novo plano.
Entre uma caminhada e outra; uma cochilada e outra; uma postagem e outra. O dia acabou. A nós, cabia esperar para ver se nosso plano daria certo e, também, aguardar pelo início do congresso na manhã seguinte. De volta a casa, jantamos. Renan foi correr e eu me contentei com o escrever.
Saudações cubanas,
Ary Neto
Que aventura dessa turma, hoje dupla! Espero que estejam bem, vem cá vocês conhecem o GCFC Velho doido? Boa viagem e cuidado!
Renan Xavier
29-02-12, 12:49
23 de fevereiro de 2012
Motopangea esta vivo sim!
Não postamos por vários dias, pois fiquei doente. A dor de cabeça absurda não me permitia chegar perto de um computador.
Depois de 4 dias, resolvi ir ao hospital, um hospital cubano, onde fui muito bem atendido. Apos muitos exames, recebi um diagnostico. Nada de muito grave, mas precisarei de um mês de repouso.
A boa noticia e que esse repouso será no Brasil, fomos repatriados.
Em breve postaremos os demais relatos.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
29-02-12, 12:52
CUBA: 4º dia - Foi dada a largada
Enfim chegou o primeiro dia do Congresso. Saí um pouco antes de Renan, emplaquei um pão com croquete e um caldo de cana, depois me dirigi para o Palácio de Convenções. Lá, encontrei, ou melhor, fui encontrado pela Daniela, graduanda de Economia da UNILA, nossa companheira de universidade. A acompanhei nos procedimentos para realizar sua inscrição, enquanto isso, conversando sobre nossa saga. Pouco tempo depois, avistamos Renan, já com a garapa tomada.
http://1.bp.blogspot.com/-5Fu_CAD4VQ0/T0qE6HTrfrI/AAAAAAAABZw/-sm3BeHZfDE/s800/P1040910.JPG
A abertura do congresso só aconteceria às 18h, no teatro Karl Marx. Até este horário poderíamos ficar vendo os stand’s ou sair para fazer outra coisa. Optamos pela segunda opção. Vão os três para o ponto de ônibus e durante o tempo de espera conheci um senhor que entendia tudo de fotografia e vídeo, contou que quando jovem tinha uma super 8. Também disse conhecer Foz do Iguaçu, questionei se ele já tinha ido ao Brasil, mas não, trata-se do aprendizado fruto das aulas de geografia. Aliás, dos países que passamos até então, Cuba foi o lugar em que as pessoas mais rápido nos identificavam como brasileiros e também o lugar onde mais pessoas conhecem um Brasil, além de Rio de Janeiro e São Paulo.
Pegamos um ônibus, a idéia seria conhecer Havana velha. Durante o trajeto conheci outra pessoa, dessa vez uma senhora, também muito simpática. Perguntei se estava indo ao trabalho, ela disse que não, que não trabalhava mais. Era aposentada por ser viúva. Questionei então se era possível viver bem com a aposentadoria, ela sorriu, disse que sim.
Conhecer Havana de dentro do ônibus é bem interessante, seja pelo que está do lado de lá da janela, seja pelo que está do lado de cá. Nos equivocamos, aquele ônibus não passaria em Havana velha, seu ponto final era num local chamado Copélia. Ao descer, fomos a um centro de informações, onde conhecemos uma senhora que elogiou muito Cuba, sobretudo, no que diz respeito a saúde, educação e cultura. Disse que Cuba tem problemas, mas qual país não tem? Assim como os demais cubanos, a senhora elogiou as novelas brasileiras, a bola da vez é Passione.
Dali, fomos para a praça da independência. Tiramos algumas fotos, depois pegamos um mototáxi para o Teatro Karl Marx, e que teatro! A abertura do congresso contou com discursos do ministro da educação de Cuba, outros representantes da ilha, além de representantes de Angola, Nicarágua. Este último, teceu um discurso revolucionariamente cubano, inclusive citando Fidel, Raul, além de ser solidário aos cinco prisioneiros cubanos que estão nos Estados Unidos e, por fim, fazendo uma crítica ao embargo. Adelante!
Terminados os discursos, deu-se início uma apresentação teatral interpretada por crianças, uma espécie de musical. Ao fim, nos embocamos num ônibus desses fretados, sentido Hotel Palco, o mais próximo de nossa humilde residência. Ainda na rua comemos um espaguete e, de volta a casa, paguei os 10 CUC do dia para Letícia, que sorriu e disse que pagaria a taxa mensal de autônoma para o governo. Perguntei o que acontece se ela não pagar? Ela arregalou os olhos, disse que não se pode dever ao governo. Algo inadmissível. Sua licença para trabalhar como autônoma poderia seria tomada.
Renan e eu sempre conversávamos sobre o modelo cubano de organização social. É difícil fazer um julgamento, bater um martelo dizendo sim ou não a revolução. Enfim, estávamos ansiosos para o dia seguinte, pois as palestras começariam de fato. Renan iria ao médico. Depois tentaríamos ligar para nossa família e também entrar na internet para ver os pedidos de charuto. Até pouco tempo atrás, tudo o que fazíamos era em prol de uma ida. Agora, que tínhamos chegado, aproveitávamos o presente, todavia, pensando no futuro, na volta.
Saudações cubanas,
Ary Neto
Renan Xavier
05-03-12, 10:36
CUBA: 5º dia - Paz? De que jeito?
Quinto dia em Cuba, 14 de fevereiro, terça-feira, primeiro dia de conferências.
Acordei e fui direto ao Palácio de Convenções, Renan foi na seqüência e assistimos a mesma conferência: La Paz y el desarrollo sostenible, com o Dr. Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Premio Nobel de la Paz, Argentina. Farei alguns apontamentos referentes ao que foi apresentado, nos demais dias também escolheremos uma conferência para dissertar sobre.
http://1.bp.blogspot.com/-2s_7CwU1DLA/T1N3Q_0Ep2I/AAAAAAAABjE/zIJB6QONCdE/s800/Adolfo+P%C3%A9rez+Esquivel.jpg
Dr. Adolfo começa seu discurso fazendo uma ressalva ao Dia dos Enamorados, nesse sentido, faz um gancho com a necessidade do amor na construção por uma sociedade melhor, inclusive, o amor por nossa terra, Pachamama. No que diz respeito aos humanos: se queremos a paz, devemos compreender, acima de nossa uniformidade, a nossa diversidade.
Vivemos numa conflitiva de guerras, mas também de luta e esperança. Adolfo relata algo que compartilhamos, disse que pode assegurar uma coisa: que por todos os lugares que passou, encontrou um sorriso, e onde tem um sorriso se tem uma esperança. Esperança por mudança, pois por mais deficitária que seja nossa estrutura social, o povo tem a capacidade da resistência, está vivo. Aliás, vivemos numa época interessante, com grandes possibilidades.
Quando o conferente aborda a “a força da palavra”, aponta fatores interessantes sobre América Latina e Integração: a palavra é dotada de força, por uma podemos amar, por outra destruir, basta uma palavra; Globalização, por exemplo; Antes na América latina se falava em integração, agora, no termo globalização, o tudo não é mais de todos, mas sim de poucos. Na sequência menciona o que foi o ataque das torres gêmeas: no momento que recebeu a notícia do atentado ele estava em Porto alegre, para participar do fórum social, cinco minutos depois recebe outra notícia de um instituto, uma que diz que 35 mil crianças morrem de fome por dia, todavia, essa notícia foi pouco difundida. A mídia não se interessou (a mesma mídia que dia a dia forma nossa opinião).
http://3.bp.blogspot.com/-6orxfWigovk/T1N63d956pI/AAAAAAAABjc/cNkE-TVP5hE/s1600/39801bbbb.jpg
O que acontece? Que mundo é esse? Acelerado! Adolfo fala do tempo, do nosso tempo, que divide-se em biológico, cultural e mental. Todo ser tem o seu tempo, nessas três perspectivas. No entanto, muitas vezes as tecnologias não levam em conta esse tempo. Além da aceleração das partículas, estão acelerando o tempo, ou seja, o tempo tecnológico não corresponde, atende ou respeita o tempo humano. Vivemos acelerados como, por exemplo, quando estamos a frente do computador ou quando nos desesperamos frente ao atraso de uma viagem. O sentido da aceleração é muito importante. A máquina caminha numa velocidade que não vamos chegar. Está ocorrendo uma inversão do propósito, pois não é a máquina que está se adaptando ao homem, mas sim o homem e a mulher que se adaptam à máquina. O celular parece uma extensão do braço humano. O televisor é uma é uma caixa maldita. Somos condicionados a dinâmica imposta pela máquina, um conflito inevitável que devemos examinar. Dizem que a máquina não é boa, nem má, depende do seu uso e isso é evidente, é correto: um martelo serve para bater um prego, mas também pode sr usado para ferir alguém na cabeça. Um exemplo de maior proporção seria a energia nuclear.
Voltando ao tema da conferência, fala sobre o conceito de paz e o conceito de desenvolvimento. Paz não tem nada a ver com passividade. Não é a ausência de conflito, mas a dinâmica constante para o acordo, a harmonia. Está ligada ao pensamento. Educadores (fala diretamente com as centenas de professores que assistem a conferência), vocês devem pensar nisso, no que consiste a paz? Deve estar em nossa atividade cotidiana. Estou falando dos casais, amigos, relações humanas. Para fazer fazer um bosque, se necessita de diversidade, e assim somos, ricos pela diversidade, seja qual for o aspecto.
E o desenvolvimento da América latina, porque não se concretizou? Quando falamos em desenvolvimento e subdesenvolvimento, a quem nos referimos? E quando falamos em paz, num mundo de conflitos, questionamos: a paz é possível? O que acontece nesse mundo é dito que é em nome da liberdade e da democracia, mas que liberdade e democracia é essa onde 35 mil crianças morrem por dia, num mundo que segue sofisticando os armamentos para controle. Como construir a paz? Estamos loucos? É uma utopia? Volta a insistir: a paz não é a ausência de conflitos, pois a paz tem rostos, de homens, de mulheres, da natureza, tem identidade. Onde os descobrimos? Uma coisa é sorrir, a outra é escutar. A paz é fruto da justiça. Nos cemitérios não se tem paz, não se tem nada. As pessoas lá estão presentes na memória dos povos. É nessa dinâmica da vida que temos o desafio de construir a paz, se começarmos a analisar os conflitos constantes, podemos observar que grande negócio é a morte. Quanto custa um avião de combate?
Ei Obama, me dê o valor de um avião de combate? Tem um de 2400 milhões de dólares, mas não sou pretensioso, pode ser um de 95 milhões de dólares. O que não poderia ser feito pelos povos, com esse dinheiro?
Companheiros e companheiras, temos que desarmar as consciências armadas, começar a pensar nos valores e identidades, quem somos e pra onde vamos? O poder econômico de empresas transnacionais é o que controla as economias mundiais. Preço e valor não são as mesmas coisas: o homem especializado sabe muito de uma coisa e é analfabeto no resto. A sabedoria está naquele que compreende o sentido na vida e não na leitura de um monte de livros.
Desenvolvimento? O que temos que fazer é recuperar o equilíbrio: entre nós; entre nós e nosso meio; nós, seres humanos, somos parte e não donos da natureza. Assim poderíamos criar um outro pensamento. Temos que pensar como restabelecer o equilíbrio? Como falar de paz? Temos que fazer isso desde as escolas das crianças. Temos que pensar em um novo contrato social, se queremos construir a paz, temos grandes desafios, temos que repensar tudo, a ciência, as técnicas. Não negue sorriso a nenhuma criança. Que estes não morram mais de fome. Temos que seguir lutando. Temos que reclamar pela liberação dos companheiros e heróis cubanos presos nos EUA.
Assim termina a conferência.
Falar de paz pode ser meio clichê, mas creio que só para as pessoas de alma pequena. Enquanto poucos coordenam guerras por território, por modelos econômicos... muitos pagam com a vida. Vamos mudar isso, mas se o mundo é grande demais, comecemos por um raio de 10 metros.
No resto do dia Renan e eu assistimos mais algumas conferências, além da rotina presente nos relatos anteriores.
Saudações humanas,
Ary Neto
Renan Xavier
08-03-12, 09:58
CUBA: 6º dia - Frei Beto fala da extensão (imaginária) universitária
No sexto dia em Havana (terceiro dia de congresso) assistimos a conferência sobre extensão universitária ministrada pelo Frei Beto, notável intelectual brasileiro, mas que preferiu falar em espanhol. Tudo bem, sua oratória é dotada de tanta clareza que penso que ele poderia falar em grego que o entenderia perfeitamente. Não vou seguir padrões da ABNT, sobretudo, regras de citação, afinal, isto é um blog. Todavia, aclaro a todos que os próximos pensamentos foram tecidos pelo Frei Beto, que começou falando que as primeiras universidades no mundo e na América latina foram fundadas por dominicanos.
http://3.bp.blogspot.com/-j4IJmSgt3lw/T1fRcALdxJI/AAAAAAAABjk/cLpOkH3s3uk/s800/Frei_Betto.jpg
A extensão universitária surgiu na Europa, em Cambridge. Era destinada àqueles que não tinham acesso à universidade, depois na Itália, na obra de Gramsci, se abriu muito mais. A universidade foi aberta a gente do provo, para se criar um diálogo com a cultura acadêmica. E hoje, é difícil encontrar uma universidade na Améria latina que esteja com as portas abertas para os movimentos sociais.
A universidade está cheia de teses inúteis. Dois, três anos dedicados a “ontologia das formigas e seu impacto no aquecimento global”. Temas importantes como América latina são raros, esse é um problema apostado por Paulo Freire que ainda não foi superado. Infelizmente, na lógica capitalista, o conhecimento é uma apropriação privada.
Frei Beto falou dos tempos que trabalhou em Vitória-ES. Lá os médicos atendiam mulheres de primeira gravidez, pois não queriam atender mulheres “viciadas”. O problema é que os doutores falavam em FM e as mulheres em AM, uma dificuldade de comunicação. Dona Maria não entendeu a fala do doutor, então o Frei perguntou: a senhora sabe cozinhar? Sim, sei. E você doutor Raul, sabe cozinhar? Não. Maria, se você e doutor Raul estivessem em uma selva, perdidos, com uma só galinha. O doutor, com toda sua erudição iria morrer de fome e a senhora não. Ela sorriu. Nesse dia Dona Maria descobriu um princípio epistemológico: não há ninguém mais culto que o outro, nós (os acadêmicos) tempos muito o que aprender com o povo, o que não temos é paciência intelectual. Disse Gramsci: os intelectuais compreendem, mas não vivenciam, já o povo, o contrário.
A universidade tem que se relacionar com o povo, mas não com trabalhos assistencialistas. Em visitas a favela se pode fazer um pequeno assalto para ficar mais real a experiência. Que passa? Nossa extensão universitária é uma mentira. Assistencialismo ou extensão para inglês ver. Veja, tomemos como exemplo a tradição política da América latina no século XX. Aqui foi criado muitos grupos de esquerda, todavia, em que país da América latina se fez uma revolução com êxito? Só aqui, em Cuba! Houve outras, todavia, não lograram. Porque com tanta esquerda, não houve revolução? O Brasil tem um bom exemplo: o movimento sindical, movimento campesino, gente da esquerda... quando estes decidem criar o Partido dos Trabalhadores, com trabalhadores na direção do partido. Alguns partidos da esquerda olharam ao PT indignados, como os trabalhadores se negam a ser as vanguardas do proletariado?
Como criar as raízes populares para a mudança? Conhecimento que dialoga com a cultura popular. A guerrilha de Sierra Maestra incorporou a cultura popular. É muito mais fácil dizer ao campesino cristão “Se Deus é pai e nós irmãos, porque há tanta desigualdade social?” É melhor dizer isso do que blablabla correlação de forças blablabla..., ninguém vai entender nada.
O que passa na Europa hoje? Uma crise tremenda. E não há nenhum movimento progressista, pois o neoliberalismo destroçou tudo, essa coisa de consumismo. Todos estão no monocultivo das inteligências (como tem acontecido na natureza – monocultivo). Por isso a extensão universitária tem que seguir três pontos:
O primeiro consiste em levar a universidade a realidade popular, não para ensinar, para fazer coisas ao povo, mas para involucrar-se nos processos sociais do povo. Quantas vezes, quando eu trabalhava no fome zero, íamos com nossas tecnologias para garantir água e um campesino dizia - Senhor, aqui já temos nossa maneira, uma maneira mais simples, a captação da chuva. Algo que não fazemos na cidade. Logo, nós temos que perguntar, se a cultura científica, tecnológica é a única? Por exemplo, quantas medicinas vem da cultura indígena? Diga no centro médico, que se vai usar ervas, plantas e não medicamentos da farmácia, vai ser um escândalo. O que não passa pela manufatura industrial não tem valor.
Vamos ao povo para permitir que o povo nos traga sua ensinança. Isso acontece pela suas vivências de luta. Porém, o povo vive em duas esferas: a da necessidade e a esfera da gratuidade (a festa, a devoção religiosa, a maneira de fazer seu descanso, o desporte, a porta de recuperação das energias). Temos que tomar cuidado, pois tem gente fundamentalista que acha que o povo que gosta de futebol está alienado. O povo visa o lúdico, a gratuidade.
Segundo, porque não trazer o povo, os movimentos sociais, para dentro da universidade? Não é só levar para fora, mas também trazer para dentro a gente, com sua experiência, sua cultura. Por exemplo, muitas vezes estudamos história, mas o que sabemos da história do sindicato, de grupo de mulheres, dos remanescentes de um grupo de indígenas ou de idosos que estão próximos da universidade, ou mesmo dos antigos professores da universidade?
A desistoriarização é um mal. Agora, no mundo das imagens não há necessidade de continuidade. Nos desestabiliza quanto ao tempo. Os três pilares de nossa cultura ocidental, são três senhores judeos: Jesus de Nazaré. Quando Jesus enxergava o paraíso, enxergava o futuro. Falar do reino de Deus dentro do reino de César era algo subversivo. O segundo senhor judio é Karl Marx, que também fez toda uma análise dos modos de produção precedentes ao capitalista, deste a comunidade primitiva, uma profunda análise do sistema que vivemos e projeta uma perspectiva de futuro. Pausa: Fidel tem boa saúde porque segue lutando. O terceiro senhor judio é Sigmund Freud: se você tem algum problema, vai a uma terapia e conta a sua história uterina, conta tudo para se compreender o futuro. Tudo isso, agora vem abaixo, com a DESISTORIARIZAÇÃO da história. Perdemos enquanto povo, enquanto classe, nação. Toda mãe sofre com os filhos, vítimas da TV que querem formar consumistas. O mundo está individualizado, pela internet, pelo coquetel de imagens, os jovens são incapazes de formar sínteses, pois não tem projeto. Quando não se tem projeto, não se tem percepção do tempo enquanto história, NÃO é possível consumir UTOPIAS. Quanto menos utopia, mais drogas, quanto mais drogas, menos utopias. Nenhuma pessoa pode ser feliz sem sonhos, sem auto-estima. E quando o neoliberalismo destrói o tempo como história, quando as novas gerações não tem consciência e compromisso histórico, há de se buscar a autoestima em outra parte, no caso, as drogas, a forma química de substituir as utopias que o sistema vai destruindo, construindo um ideia única. Os valores não são mais subjetivos, mas sim a riqueza, poder de compra. Estamos caminhando para um mundo perigoso e se não dialogarmos com os movimentos sociais, estamos perdidos. Chico Mendes chamou a atenção, que o problema ambiental é uma ameaça a vida humana e não só aos passarinhos.
Chamo a atenção para o Rio + 20, de 20 a 22 de junho, com a ONU, com Lula e Dilma... Todos falam do fracasso do socialismo no leste europeu, mas ninguém fala do fracasso do capitalismo em dois terços do mundo. Vivemos numa desigualdade social brutal. Por isso é importante que cada um de nós pressione seu governo, para que seus chefes de estados se façam presentes. Eles não querem ir, pois tem o rabo preso com as transnacionais. Os câmbios climáticos bruscos são fruto do jeito como o planeta está sendo guiado. Os cânceres são frutos dos venenos nos alimentos.
É hora de pensar na universidade como crítica e não num centro capacitador do mercado de trabalho. Não podemos entrar no barco do neoliberalismo. Temos que ser um centro de mobilização, de cumplicidade com os movimentos sociais. Convertendo-se num laboratório para novas possibilidades. Temos que aprender muito. E finalmente, pensar que a universidade deve ser universidade em seu projeto inicial, é preciso criar a pluriversidade.
A conferência termina com muitos aplausos, sobretudo, aplausos de um monte de professores arrogantes que nem olham na cara do funcionário que serve o café. Enfim, a mensagem foi passada.
No resto do dia participamos de outras conferências, todavia, a atenção tinha que ser dividia com a resolução do nosso problema: como voltaremos pra casa?
Por hoje é só.
Saudações enfermas, porém, resistentes
Ary Neto
Renan Xavier
14-03-12, 12:11
CUBA: 7º dia - Corrida contra o tempo
Na quinta-feira, 16 de fevereiro, já estávamos preocupados (ainda mais) com a nossa volta. O dinheiro da galera que nos ajudou já tinha sido todo aplicado nas passagens aéreas do Panamá a Havana. Tínhamos ainda o bilhete de volta ao Panamá, mas não adiantava de nada, pois de lá também não teríamos como voltar. O plano da venda dos charutos também não ia nada bem, precisávamos de novas possibilidades.
http://1.bp.blogspot.com/-XOBSWTBvESY/T1vOuwJlvQI/AAAAAAAABj8/1Lod-UmpabM/s800/passando+o+chapeu.jpg
Fui cedo no Palácio de Convenções tentar enviar alguns e-mails, um wi-fi bem vagabundo tinha sido disponibilizado, mas era quase impossível navegar, sendo que abrir o Hotmail era uma das tarefas mais difíceis. Quanto pensei que tinha conseguido, vi que minha conta tinha sido bloqueada. Considerando que o Motopangea estava sendo administrado pelo meu e-mail, incluindo o blog e todos os contatos, me desesperei. Preenchi um formulário com várias informações que eu lembrava de cabeça... Após avaliação, no dia seguinte, a conta foi liberada novamente. Ufa!
Voltei às 9 da manhã para casa. Contei a Renan que o Mickey (o rato que vivia em nosso quarto) estava atarracado durante a noite. Fomos a embaixada brasileira tentar algum tipo de ajuda. No caminho, como sempre, fomos vendo, vivendo e pensando na vida cubana. Chegando à embaixada fomos recepcionados com um chá (de cadeira) e depois de muito tempo, a atendente (que não falava português) pediu para que nós escrevêssemos uma carta relatando o que queríamos e que ligássemos mais tarde para saber a resposta. Redigimos uma, uma não, duas. Eu fiz uma pedindo ajuda para as passagens aéreas de volta ao Brasil e Renan fez outra pedindo algum apoio para passar por um consulta médica (de alto custo para estrangeiros).
Voltamos num ônibus eterno de uma mente sem lembranças, depois um táxi que custou 1 dólar. Mandamos para dentro nosso vigésimo espaguete em Havana, pegamos o netbook na casa de nossa anfitriã e fomos para o congresso. Ligamos na embaixada, mas ninguém atendeu. Assistimos uma conferência ministrada por um brasileiro, consultor do projeto Palma, em Cuba. Ele falou da aplicação do ensino, aliás, fez uma bela crítica sobre essa questão da utilidade do aprendizado.
Encontramos com um representante do MEC, pensamos que ele poderia nos ajudar. Nos enganamos. Dele ganhamos apenas um sorriso de político e um tapinha nos ombros. Vamos falar com o Mateus, diretor da União Nacional dos Estudantes, a UNE, esse sim vai nos ajudar. Tentamos, mas ele disse que a única coisa que poderia fazer seria tentar arrumar um lugar para ficarmos lá na sede da OCLAE (Organização Continental Latinoamericana e Caribenha de Estudantes) onde ele é secretário-executivo.
Nosso tempo estava acabando. O céu fechando, ficando nebuloso. O que vamos fazer? Vamos passar a sacolinha amanhã? Porque não, se não tem outro jeito? Esse foi o plano definido por nós para o dia seguinte (o último dia do congresso). Voltamos pra casa desenvolvendo a idéia sobre essa arrecadação para voltar ao Brasil. Na pausa para o jantar, numa das inúmeras tendas, trocamos mais idéias sobre a ilha. Porque as pessoas querem tanto sair daqui? Vimos tantos lugares com tanta miséria e as pessoas não falavam em se mudar. Os cubanos querem sair pois tiveram acesso ao ensino e, conseqüentemente, são mais críticos? Querem sair porque sabem que tem formação superior, o que permite ter um salário melhor num país capitalista? Querem sair porque é praticamente proibido sair? Enfim, bobo é aquele telespectador que tem a resposta na ponta da língua.
Pensamos em ligar para a OCLAE, mas não o fizemos. Para finalizar o dia, Renan foi correr e eu, bom, eu não.
Saudações cubanas,
Ary Neto
Renan Xavier
14-03-12, 12:13
CUBA: 8º dia - A hora da verdade
13 de março
Acordamos com uma missão: Angariar fundos para voltar ao Brasil. Chegamos cedo ao Palácio de Convenções, esticamos a bandeira do Brasil no piso do corredor e espalhamos sobre a bandeira alguns tickets com o nome e banner do nosso projeto. Estrutura montada, passamos toda a manhã contando nossa história aos interessados que paravam diante de nós.
Renan foi filmar a apresentação da Daniela (da Unila), enquanto eu fiquei tomando conta da bandeira. Nesse meio tempo, um dos integrantes da comissão venezuelana disse que o Embaixador da Venezuela em Cuba tinha tomado conhecimento do nosso caso e viria conversar conosco. Adiantando um pouco o assunto, a proposta seria nos mandar para Caracas, na Venezuela, e de lá tentarem “nos enviar” para o Brasil. Fiquei feliz com isso. Renan pegou a conversa no meio e também ficou empolgado.
http://2.bp.blogspot.com/-AahP42dGCaY/T196toB06pI/AAAAAAAABkc/cDMjB4oN648/s800/DSC_1632.JPG
Estávamos aguardando, já cogitando a idéia de ir para Caracas, contando os 18 CUC que tínhamos arrecadado até então, quando um homem se aproxima do local onde estávamos e pergunta a outra pessoa – Quem são os brasileiros das motos? Na hora interferi – Sou eu! O homem disse para recolhermos tudo e acompanhá-lo até seu gabinete. Seu tom de voz era amigável, o que me fez crer que se não era o Embaixador da Venezuela, era alguém ligado a ele. Gritei Renan que estava a poucos metros, juntamos tudo meio porcamente, embrulhado na bandeira e o seguimos.
Chegando no seu escritório, este homem, o Raul, apresentou sua equipe (cerca de 6 pessoas). Nos convidou a sentar, fechou sua sala e pediu para que contássemos toda a história. Enquanto falávamos e toda a equipe estava sentada ouvindo, Raul andava de um lado para o outro com a mão no queixo e dizendo sempre – Prossiga, prossiga. Quando terminamos, Raul começou a nos exaltar, disse que éramos com Che Guevara, que por sua vez é uma personalidade de extrema importância para Cuba, no entanto, depois do carinho veio o tapa. Disse que Che nunca pediu dinheiro, sobretudo, sob a utilização de uma bandeira – Aqui em Cuba, ninguém pede dinheiro, isso é proibido! Disse que assim, nós estávamos envergonhando nosso país, nossa universidade e o reitor de nossa universidade (o qual ele alegou conhecer). Nesse momento tivemos que intervir, afinal, nosso reitor não nos ajudou em nada. Enfim, pouco relutamos diante do sermão, que veio seguido de uma expressão acolhedora – Agora vocês são os meus filhos! Perguntou nossa idade e ao ouvir a resposta exclamou – Nossa, nunca pensei que teria dois filhos dessa idade agora.
Raul ligou na embaixada e marcou uma reunião com a gente para as 15h. Depois nos questionou onde estávamos instalados. Não queríamos contar, uma vez que nossa anfitriã não tinha autorização para hospedar estrangeiros, assim, ficamos com medo de prejudicá-la. Fomos convidados a almoçar no restaurante do Palácio de Convenções. No caminho, em meio aos corredores, encontramos com o professor Olavo, que nos deu os charutos para que nós vendêssemos. Nem tivemos tempo de agradecer como deveríamos, pois Raul e seus funcionários, nos arrastavam com pressa e também não queriam nos perder de vista.
Um táxi nos levou para a embaixada, fomos sob a tutela de Camilo, membro da equipe de Raul, mas antes passamos na casa de Letícia, precisávamos mostrar onde estávamos instalados. Não tinha ninguém, Camilo, todo engravatado, membro do governo, abordou os vizinhos a fim de perguntar o exato endereço dali. Todos ficavam com receio de responder, inclusive teve uma mulher que não conseguiu esboçar nenhuma palavra. Renan e eu ficamos enojados. Aquilo era respeito ou medo? Um pouco tensos, voltamos para o carro e seguimos sentido embaixada brasilera.
Chegamos e fomos atendidos pela vice-cônsul, a Angélica, que nos instruiu a preencher um formulário (um pedido de repatriação). Que diabo é isso? O que isso vai nos acarretar? Voltaríamos direto de Cuba? Não voltaríamos mais ao Panamá, não continuaríamos na saga de recuperar as motos? Eu perderia algumas roupas que deixei na casa de Ramsés, no Panamá? Ficaríamos fichados no governo? Renan ficou em dúvida, compreendi o porquê, mas não titubeei. De cara, estava perguntando – Onde é que eu assino? Não queria trocar o certo pelo incerto, se ali era uma possibilidade real de voltar ao Brasil, estava disposto a abraçar tal oportunidade.
Assinamos! Renan tinha deixado os documentos na casa de Letícia, então ficou acertado dele voltar na segunda para entregá-los. A embaixada ainda deu 100 CUC (o equivalente a 100 dólares) para cada um, a fim de custear nossa espera até a data da vôo. Que maravilha! Voltamos para casa, mas ainda estava fechada... seguimos para o Palácio de Convenções. Era o último dia do congresso, a noite se aproximava e com ela a festa de encerramento. Antes de entrar nos ônibus que levavam os congressistas para a festa, fomos ao trabalho de Letícia pegar a chave da casa para pegarmos nossas mochilas. Nos despedimos da família, apressados, mas com tempo suficiente para o derramamento de algumas lágrimas. Demos 40 CUC à família, 10 referente ao pagamento do último dia e 30 para ajudar no orçamento da casa. Era um dinheiro equivalente a um mês de salário.
Corremos para o Palácio de Convenções, o que nos permitiu pegar um dos últimos ônibus para o local da festa. O lugar era imenso, com um grande salão cheio de mesas repletas da comida e no espaço aberto uma grande piscina, bares que serviam cerveja e rum, no palco uma animada banda tocando salsa.
Estávamos relaxados, voltaríamos ao Brasil, o congresso havia terminado, a barriga estava cheia... e o copo também. Ficamos conversando com nossa amiga Daniela e mais duas professoras da rede pública de Minas Gerais, falamos muito sobre educação, apropriação do espaço público e extensão universitária.
Papo vai, papo vem, esquecemos de ligar na sede de OCLAE, a fim de garantir um local para ficarmos. Também não encontramos mais o Camilo, o que nos deixava de volta a estaca zero, onde iríamos dormir? Acompanhamos Daniela até seu hotel, demos uma de “João sem braço” e ficamos por lá mesmo. Com as almofadas dos sofás, improvisamos duas camas para nós. Adormecemos. Iniciava ali um tempo de espera... não tão monótono quanto pensávamos que seria.
Saudações libertárias,
Ary Neto
Renan Xavier
15-03-12, 11:20
CUBA: 9º dia - Um sábado na OCLAE
Acordamos no luxuoso hotel Comodoro. Nos despedimos de Daniela e saímos como entramos - de fininho. Já na rua, ligamos para a sede da OCLAE (Organización Continental Latinoamericana y Caribeña de Estudiantes). Explicamos quem éramos e dissemos que já tínhamos falado com o Mateus, diretor da UNE e secretário executivo da OCLAE. Nos orientaram a comparecer na sede e assim o fizemos. Para isso, um táxi de três dólares, era o esbanjo final.
Chegando na sede, conversamos com um cubano responsável e também com um nicaragüense muito simpático (nunca descobrimos o que ele estava fazendo ali). Ficamos temporariamente instalados na sala das bandeiras, cuja descrição é fiel ao nome. Ao invés de esperar alguma nova instrução, Renan preferiu ir atrás de uns meninos que passaram na rua e que iriam jogar bola. Eu, não atleta que sou, preferi ficar deitado no sofá assistindo uma entrevista antiga do Pedro Almodóvar no Roda Viva.
http://4.bp.blogspot.com/-MyTfkv0Uzdk/T2CbSKkSgxI/AAAAAAAABkk/30pzueHCtAs/s800/P1040998.JPG
Nesse meio tempo, fui comprar comida com o assessor do presidente da OCLAE. Ele me deu algumas dicas sobre o que e onde comprar, a fim de fazer o dinheiro que tínhamos durar até a definição de nosso vôo de volta ao Brasil. Quando Renan retorna, nossa instalação já estava definida: dois colchões e dois lençóis numa sala de reuniões. Pra nós, ótimo! O que foi meu almoço, para Renan foi café da tarde, que após comer, me contou sobre uma conversa que teve com um veterano de guerra, um dos cubanos que foi lutar no Congo. Uma história e tanto, relatada por um senhor que viveu um período “pré-revolução” cubana, alegando se tratar de uma época perversa, com instituição de toque de recolher e coisas do gênero.
No início da noite fomos ao tão famoso parque aquático, queríamos ver os golfinhos dando suas piruetas. Tiro n’água. Não haveria mais nenhuma atração naquele horário. Paciência. Tomamos o caminho de volta a casa... Nos perdemos, mas não muito, entretanto, o ruim não foi ter que caminhar um pouco mais, mas sim suportar uma dor que surgia numa região que palpito ser o baço. De volta a nova casa, jantamos. Renan adormeceu rápido, já eu, de vigília, ainda assisti um filme, depois dormi pensando no eterno dinamismo da vida, como tudo passa, caminha, transita. Até a morte que, de fato, é uma certeza a todos, ainda assim é uma dúvida quanto ao fim, quanto a possibilidade de estacar.
http://1.bp.blogspot.com/-6LUNa0KlrN8/T2Cb2m9FSGI/AAAAAAAABks/XPub1XfxY3I/s800/P1040994.JPG
A noite foi longa. Acordei por várias vezes, sempre com dor de cabeça, sede e transpiração fora do normal. Mal sabia eu, o que significava aqueles sintomas iniciais.
Saudações caribenhas,
Ary Neto
Grande Ary é essa dúvida que nos faz viver e lutar, da mesma forma acredito que tal relato deveria ser postado diretamente por vocês que teriam acesso as nossas réplicas, assim como no site.
A aventura está intensa e ao conversar com algumas pessoas geralmente exponho suas histórias. Cuidado com a loucura e lembre-se que não há melhor caminho do que o retorno para casa.
Renan Xavier
19-03-12, 11:16
CUBA: 10º dia - Era pra ser o último
Acordamos na OCLAE. Enquanto tomei um café, Renan saiu para comprar pão. Um intervalo de tempo suficiente para se receber uma notícia pouco agradável. O responsável pela sede diz que não tínhamos autorização para continuar na OCLAE. O Mateus da UNE (O mesmo que dois dias antes prometera tentar nos ajudar) foi quem ligou na sede da OCLAE dizendo que teríamos que nos retirar. Uma pena, afinal, inúmeros eram os quartos e espaços vagos na sede. Uma atitude que estranhamos, visto que constantemente fomos ajudados por estranhos, agora, nosso representante nacional e internacional do movimento estudantil se posiciona dessa forma.
http://1.bp.blogspot.com/-bKIBSfeKy78/T2IKVdNIhVI/AAAAAAAABlE/21sOfLzKu3A/s800/P1040995.JPG
Juntamos nossas coisas e encaramos a rua novamente. Nos dirigimos até o Hotel Palco, aquele ao lado do local do congresso, para usar a Internet. Averiguamos se a amiga de uma professora da Unila respondera nosso e-mail, todavia, não tivemos êxito. Voltamos então para a casa de Letícia e Javier, a despedida de sexta-feira foi refutada pelo acaso.
Naquela tarde partiria nosso vôo de volta ao Panamá, vôo que não iríamos pegar, visto que estávamos aguardando as passagens para o Brasil. No entanto, naquele momento, em tom de brincadeira séria, até cogitamos sair da ilha. Mas não, sem mais decisões precipitadas. O passeio ao parque aquático foi trocado por uma soneca vespertina. À noite, uma caminhada de conversa e um jantar numa das calçadas do bairro. Agora era aguardar o dia seguinte, para voltar a embaixada e verificar em que pé andava nosso pedido de repatriamento.
http://1.bp.blogspot.com/-Ep9ab5uW1RQ/T2IKyrlSlYI/AAAAAAAABlM/mbPh_AiFVkk/s800/P1050001.JPG
Enquanto Renan Gump foi correr, assisti o filme do The Doors. Minha atenção ficava dividida entre as canções chapadas de ácido de Jim e as acrobacias do nosso companheiro Mickey nas paredes do quarto. Termina o domingo.
Saudações ultramarinas,
Ary Neto
Renan Xavier
22-03-12, 13:13
CUBA: 13º dia - Quem disse que não andaríamos de moto em Cuba
A quarta-feira mal se inicia e nós já estávamos na rua. A missão do dia era especial: depois de viajar do Brasil ao Panamá de moto, a fim de chegar a Cuba, depois de largar as motos na selva, a fim de chegar em Cuba. Agora estávamos ali, na ilha, a pé. Mas essa quarta-feira seria diferente. Alugaríamos uma moto! Bom, um projeto de moto, uma scooter 50cc, por uma bagatela de 25 CUC. Esse era o valor para realizarmos a façanha de andar de moto em Havana. Sem seguro e com depósito, um negócio não muito confortável. Enfim, partimos na magrela sentido praias do leste, cerca de 4 quadras depois já tínhamos sido interrompidos por um policial que detectou uma infração nossa na rua anterior, uma contramão. Uma multa de 50 CUC, um chute na garganta, mas que seria difícil de engolir. Choramos até... Só faltou falar do leitinho das crianças. Funcionou. O policial tinha farda, mas também coração, foi nossa sorte.
http://4.bp.blogspot.com/-n5hgKs5Vf1Q/T2iqr9qyQMI/AAAAAAAABmo/fymifU09OD8/s800/P1050083.JPG
Próxima parada: Praia de Guanabo. Um trajeto de aproximados 40 quilômetros, que levaram uma hora para serem percorridos. Chegamos. O parquímetro, logicamente, era estatal, representado na figura de um simpático senhor estrategicamente posicionado na praça. A praia tinha uma faixa estreita de areia, algumas palmeiras, água bem limpa e relativamente fria. Algumas pedras e muitos turistas, inclusive um senhor italiano que conversou conosco por um bom tempo, especialmente sobre carros, Fórmula 1, Ayrton Senna... Às vezes é preciso apertar o pause da criticidade, que é pra não enlouquecer.
Voltamos! Não podíamos demorar, pois a Angélica da embaixada poderia nos ligar para falar sobre as passagens. Afinal, quarta-feira de cinzas ao meio-dia o expediente brasileiro volta ao normal. Dessa vez, Renan pilotou a magrelita... Se virando nos trinta para conseguir atingir os satisfatórios 80km/h, a velocidade máxima da motoca. Ia quase tudo bem, pois eu sentia muito frio, mesmo sob um sol escaldante. Como explicar isso? Renan percebia que eu tremia muito e chegou a parar a moto, uma breve pausa, continuamos. Ao chegar em casa fui direto tomar um banho quente e deitei. Renan também aproveitou para dormir. Poucas horas depois acordei muito mal, num tipo de crise. Dores no corpo, falta de ar, náusea, tudo junto. Pedi para Renan ir ao hospital comigo. O médico de plantão era outro, todavia, atencioso igual. Atendeu-me, orientou que fizesse o exame faltante na manhã seguinte, bem cedo (exame recomendado pelo médico do dia anterior). Pedi soro para aliviar a dor. O doutor diz que soro não alivia dor, me receitando uma injeção de sei lá o que. Ótimo! Prefiro a dor de dez injeções a aquela dor de cabeça. Tomei e voltamos pra casa.
http://1.bp.blogspot.com/-USW86gVuf-A/T2irjXjboLI/AAAAAAAABmw/L_QAcnxycYA/s800/P1050084.JPG
Antes de pararmos em casa, passamos na locadora de motos e transferimos a titularidade da locação para o nome de Renan, pois eu não sairia mais de casa, assim, Renan poderia aproveitar o final do dia. Voltei pra casa e tentei dormir, tentei muito. Renan deu uma volta de moto, depois outra à noite, quando voltou ao restaurante municipal que tínhamos ido dias antes.
O sono não foi dos piores, foi razoável. O próximo dia reservaria uma surpresa, sobretudo, para mim. Seria o último dia em Cuba! A conclusão de uma saga.
Saudações nigérrimas,
Ary Neto
Renan Xavier
28-03-12, 13:09
CUBA: 14° dia - Missão cumprida!
Este é o relato do meu último dia em Cuba. Publico este texto daqui de Foz do Iguaçu, que foi nosso ponto de partida e, agora, torna-se também o de chegada. Retornei a três dias. Trata-se da concretização de um ciclo, de uma ideia, que foi mais idealizada do que planejada. O acaso proporcionou experiências e vivências que jamais poderiam ser previstas, a não ser num roteiro de ficção. Possibilitou que víssemos e vivêssemos coisas que nunca imaginamos. Os momentos perigosos, turbulentos, agora, são enxergados sob uma nova perspectiva, como se agora pudéssemos assistir o que antes vivemos. Algo complexo, profundo, mas também tranquilo e bonito. Creio que a vida consiste naquilo que experimentamos, que vivemos e lembramos. Ainda somos aqueles de antes, todavia, com muita informação agregada, o que possibilita enxergar nossa terra, as outras pessoas e a nós mesmos de uma forma mais ampla, mais humana do que antes. Sim, acho que é isso, me sinto mais humano, me sinto parte integrante de um continente uno e diverso, o continente latinoamericano.
http://3.bp.blogspot.com/-_Ssl8zXc0aw/T3ChfElT6ZI/AAAAAAAABpQ/gYkVjfq3gDU/s800/P1050098.JPG
Voltando ao 14° dia em Cuba, o dia 23 de fevereiro: Acordei um pouco melhor e fui ao hospital fazer o tal do exame. Era apenas uma coleta de sangue, mas agora em maior quantidade, para outras análises. O resultado sairia ao meio dia. Na volta, encontro Renan no meio do caminho, ele ia entregar a moto. Fui junto. Tudo ok, recebemos o depósito de volta.
Na hora sem sombra, voltei ao médico para pegar o resultado do exame. Não entendo nada disso, mas o que o ouvi foi que uma determinada taxa que deveria ser de 40, no meu exame constava 730. Possivelmente tratava-se de um caso de hepatite A, algo não muito grave, mas que exigiria um repouso de 30 dias. A causa geralmente ocorre por ingestão, provavelmente, uma copo mal lavado. Compreensível, se considerar os vários lugares roots que comemos e tomamos água.
Confesso que o que mais me preocupou foi a possibilidade de contágio. Afinal, contava os dias para voltar ao Brasil e me encontrar com uma menina muito especial, que tanto sentimento de saudades me causou durante a viagem. Agora, quando isso acontecesse, não poderia selar a distância com um beijo de reencontro. Seria um ótimo final para esse filme real. Que golpe da vida!
Voltei para iniciar o repouso. Foi quando recebemos a noticia que nosso pedido de repatriação foi aceito e que o voo partiria no próximo dia bem cedo. A felicidade foi a mil. Depois a dona da casa nos disse que era só para mim e que Renan teria que esperar um pouco mais. Realmente, temos sorte, mas as dificuldades também estão sempre batendo a porta. Duas constantes nesse projeto. Renan e eu pensamos que poderia ser uma informação equivocada ou que não tinha vaga para o Rio de Janeiro, neste caso, ele toparia ir pra Sampa na boa.
O carro da embaixada veio nos buscar. Tomamos um café, incluindo Angélica, a vice-cônsul, que explicou a Renan o que aconteceu: Surgiu uma vaga e era pra são Paulo, logo, ela reservou pra mim, já que eu resido lá. Renan disse que toparia ir pra qualquer lugar, rs... De preferência São Paulo ou Belo Horizonte, os lugares pra onde saiam mais voos, além do Rio de Janeiro.
Pude ligar pra minha casa, disse que estava a chegar. Aproveitei e pedi pra minha irmã ir me buscar, afinal, sair de Guarulhos, cruzar São Paulo rumo a Santo André, com mochilas e um fígado meia boca não seria muito recomendado, ainda mais no transporte público paulistano (não que o cubano seja bom). Minha mãe falou algo sobre o envio de documentos para Brasília, na hora não entendi nada, mas descobri depois que o Itamaraty estava pedindo documentos de insuficiência financeira para minha família, mas Angélica pediu para interromper esse processo, pois tinha que nos mandar urgente para o Brasil. Santa Angélica! Os passaportes não ficariam conosco, viajaríamos com um documento chamado ARU (Autorização de Retorno ao Brasil).
Estávamos muito felizes, Renan ainda um pouco ansioso, pois poderia ter que esperar por até mais 3 dias antes de partir. Agora eu, ou ia ou ia, a passagem já tinha sido comprada. O carro da embaixada nos levou de volta. Comemos uma pizza e Renan foi para o tradicional e rotineiro futebol e eu, com o que sobrou de grana, fui comprar uma mochila. Já tinha procurado por vários dias e não encontrava... Quando encontrei, eram todas da Adidas. Escolhi a mais barata. Na etiqueta dizia Made in Vietnã, pois é, minha ultima aquisição em Cuba foi uma mochila da Adidas fabricada no Vietnã. Pronto, agora tinha onde guardar os livros que comprei e ganhei.
Fui num hotel bacana, o Cohiba, paguei 5 dólares por meia hora de internet lenta. Mandei alguns e-mails e, no blog, postei algo rápido para justificar nosso sumiço. Li alguns comentários bacanas e outros medíocres. Nem tudo são rosas. Este era o peso que tínhamos que carregar, uma vez que, optamos por um projeto “público”. Viajar e relatar. Viajar e ser glorificado. Viajar e ser crucificado. Um buque de rosas, com alguns espinhos.
Mais a noite fiz as malas, ou melhor, as mochilas. Passei várias de nossas fotos para o pendrive de Renan, que leu um pouco de jornal e dormiu. Pra quem não lia nada, Renan virou um leitor de primeira. O carro da embaixada viria me buscar as três da manhã. Poderia dormir umas 4 horas ainda, mas não consegui pregar os olhos, claro. Só pensava que a próxima noite poderia ser na minha casa, na minha cidade, com a minha família. Nossa, quantos pronomes possessivos. Será que não aprendi nada em Cuba?
Saudações integracionistas,
Ary Neto
Renan Xavier
10-04-12, 11:24
De volta à PINDORAMA
Renan chegou em sua casa apenas no dia 29 de fevereiro, depois de passar uma noite num hotel de bacana no Panamá (pago pela empresa aérea) em virtude de um overbooking no voo para o Rio de Janeiro. Se durante a viagem ele postou bastante no facebook, quando pisou em São Gonçalo, nosso camarada sumiu da rede. Claro, devia estar super entretido com sua família e seu grande grupo de amigos. Não conheço sua casa, mas construí no meu imaginário todo o ambiente, bem como, toda a rede social que ele construiu por lá. Foram muitas as histórias contatas durante o tempo de estrada. Em Foz do Iguaçu, mas agora só de passagem, Renan não ficará conosco este ano, pois pretende ficar em sua cidade trabalhando e, talvez, voltar no ano que vem para a Unila ou até ficar por lá mesmo e cursar algo na cidade maravilhosa.
http://4.bp.blogspot.com/-ZTsGX8Br-2o/Txjvqy-ruUI/AAAAAAAAArQ/j77p55gUAV0/s800/P1160024.JPG
Alexandre segue no curso de Relações Internacionais. Ainda não tivemos muitas oportunidades para conversar, pois nossos horários não batem e, quando batem, falamos mais de coisas atuais do que da viagem. Renan volta na sexta-feira para o Rio de Janeiro, espero que antes disso dê tempo para um reencontro triplo. Piegas eu? Não, não acho.
Quando voltei pra São Paulo, não tive muito tempo para ver os amigos pois continuava doente, sem saber o que era. Depois de alguns dias fiquei internado e fui ter o diagnóstico uma semana depois... era malária. Tiveram que levar uma amostra de sangue ao Hospital das Clínicas para ter certeza. Assim que tomei a medicação, os sintomas pararam, ou seja, se isso tivesse ocorrido antes não teria passado pelas 8 crises de febre, sempre dia sim, dia não. É assim que funciona, primeiro uma tremedeira a la exorcista por quase meia hora, depois uma febre de 41 graus por 6 horas... Depois disso, segue-se a dor de cabeça padrão até a próxima crise. Enfim, passou. Tomei e medicamento e agora estou bem, todavia, tenho que fazer o teste por mais seis meses para ter certeza que estou livre totalmente. Agora estou cursando Cinema e Audiovisual na Unila, tudo caminha bem.
Demos uma entrevista para o site H2Foz e também para a TV Massa, a local do SBT aqui. Na segunda falaremos com a Revista Sobre Rodas. Interessante o interesse, entretanto, gostaríamos que fosse dado mais atenção às nossas percepções da viagem e não apenas aos feitos (Não somos o Indiana Jones). Bom, mas estamos gratos a atenção. Se não deixarem falar, vamos falar. Afinal, é difícil ter voz nessa democracia que vivemos.
Como diria o mano da barba – A luta continua companheiro! Continuaremos a postar aqui no Motopangea, sobretudo, para expor os frutos dessa viagem. No entanto, agora não será mais possível postar com tanta frequência, porém, convidamos a todos a continuar nos acompanhando, bem como, comentando. Quem preferir, pode me adicionar no facebook (Ary Neto) para saber com exatidão sempre que um novo texto for postado.
Por hora é só. E para não perder o costume: SAUDAÇÕES LIBERTÁRIAS,
Ary Neto
Powered by vBulletin® Version 4.2.5 Copyright © 2025 vBulletin Solutions, Inc. All rights reserved.